Chicken little (1943) e a psicologia das massas

O desenho de Walt Disney criado durante a segunda guerra mundial, inspirado por um conto de Henny  Penny (1843) O Céu Está Caindo” (ou, no original, “The Sky if Falling”) se passa em uma fazenda pequena e pacata, na qual encontra-se  uma granja, povoada por  galinhas, gansos, perus e pintinhos, um lugar protegido por uma cerca alta, um grande portão com cadeado e a espingarda de um fazendeiro. Uma raposa inteligente e faminta percebe que pular a cerca não é uma boa opção, com a percepção de que em vez de comer um poderia comer todos, resolve então  pôr um plano em ação, com ajuda de seu livro de ideias intitulado ‘’psicologia’’.

O primeiro fato curioso são os perfis dos personagens inseridos nessa pequena sociedade. De começo vemos o Dr Galo inspetor chefe dos galinheiros e diretor da produção de ovos, o narrador o descreve como um sujeito calmo, pacato e burguês. Logo após vemos a dona galinha e sua comadre, que sempre estão ‘’metendo o bico na vida dos outros’’ juntas fazem parte de um pequeno grupo de jogadoras de cartas onde se juntam para espalhar ainda mais  as fofocas. Tem também o conselheiro Peru e a turma granfina, que passam o dia inteiro discutindo como reformar o mundo.

 Encontramos também nessa sociedade uma escola de dança com a turma do abafa que vive se esbaldando. Gansos e patos são vistos sempre perto da água, em estado decadente  ou  em botequins de esquinas fumando, bebendo e  conversando. Por último a quem o narrador chama de herói um pintinho ingênuo, direito, de ‘’cabeça mole’’ porém um rapaz de família. Se bem observado personagens comuns ao nosso dia, uma sociedade funcional, ainda que antiquada e conservadora, vivendo rotineiramente os seus hobbies e afazeres,  de forma tranquila sem demais preocupações, despercebidos  com o que pode acontecer além da  cerca, o que facilita a aproximação da raposa. O plano da raposa de acordo com seu  livro, se divide em quatro passos;

 

1- “Para influenciar as massas dirija-se, primeiro, ao menos inteligente”

A raposa então acha no galinheiro, o pintinho inocente como a vítima principal do seu plano. Segundo Le Bon o indivíduo na massa, se dissolve, tendo assim uma diminuição da sua capacidade intelectual. Em paralelo a  nossa sociedade podemos ser as presas fáceis de diferentes notícias, ainda mais com a facilidade tecnológica da exposição de dados em redes sociais, aplicativos e afins. Tudo pode ser manipulável e alterado. Em 2013 isso ficou evidente com o escândalo da  Cambridge Analytica, que se utilizava de todas as informações que os usuários postavam, espalhando elas para terceiros, projetando dados de personalidade para manipulação  de uma eleição presidencial. Sobre isso, Carissa Veraz (2020) nos alerta ‘’Por meio das nossas redes, expomos nossa privacidade a essa indústria digital. Sem nossa permissão, conhecem nossos segredos e traçam formas de manipular nosso comportamento. A tecnologia digital usa nossos dados para exercer poder sobre nossas escolhas. Para retomar o poder da nossa privacidade, precisamos proteger nossos dados.’’

Fonte: encurtador.com.br/hxS29

2- “Se tiveres que contar uma mentira, não conte uma pequena, conte uma grande”

Escolhida a vítima, a raposa, então elabora uma situação, derruba uma estrela de madeira na cabeça do pintinho e em forma de boletim de notícias, conta   que o céu está caindo. Logo o pintinho sai desesperado, em um momento de histeria, gritando a todos que o céu está caindo, esperando que alguém faça alguma coisa. Para Freud (1920) ‘’Inclinada a todos os extremos, a massa também é excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa’’. Todos começam a questionar a realidade por trás dos fatos, logo chega o Dr. Galo dizendo que o céu não está caindo, que aquilo é apenas um pedaço de madeira, tranquilizando a todos, sugerindo que voltem para seus trabalhos.

Fonte: encurtador.com.br/dmyAT

3- “Destrua a confiança do povo em seus chefes”

Como podemos ver, Dr Galo, era um líder influente, logo normalizou toda a situação, mas a raposa indignada não desistiu do seu plano. Colocou a palavra do líder na prova, espalhando para os diferentes grupos o que eles queriam ouvir. Para as  galinhas disse: “Escuta meninas, mas e se ele estiver errado? Errar é humano, não é? E se ele estiver enganado, todos nós morremos, não é?”. Para os Perus: “Na minha opinião, o Doutor Galo tem tendências totalitárias definidas, está querendo se impor, nós podemos decidir se o céu está caindo ou não.” e para os gansos:  “Ei pessoal, ouvir dizer que o Doutor Galo deu pra beber agora, anda meio maluco.” Os boatos correm pelo galinheiro até o Dr Galo perder todo seu prestígio. Lebon (1895)  acredita que ‘’O prestígio pessoal existe em poucas pessoas que através dele se tornam líderes, e faz com que todos a elas obedeçam, como sob o efeito de um encanto magnético. Mas todo prestígio depende também do sucesso, e é perdido com o fracasso’’.

Freud (1923) nos mostra que: ‘’ Numa massa todo sentimento, todo ato é contagioso, e isso a ponto de o indivíduo sacrificar facilmente o seu interesse pessoal ao interesse coletivo […] A influência de uma sugestão o levará, com irresistível impetuosidade,* à realização de certos atos. Impetuosidade ainda mais irresistível nas massas que no sujeito hipnotizado, pois a sugestão, sendo a mesma para todos os indivíduos, exacerba-se pela reciprocidade” [pp. 13-4]. Todos chegam ao acordo de que o  Dr Galo não está em sua plena função mental, logo a sua palavra não tem mais credibilidade e volta-se para  a dúvida; o céu está caindo ou não está?

Fonte: encurtador.com.br/fisO3

4- “Pelo uso da bajulação, uma pessoa insignificante acaba-se convencendo-se das suas qualidades de chefe”

A psicanálise conhece a identificação como a mais antiga manifestação de uma ligação afetiva a uma outra pessoa. Para Freud (1943):

“O fato mais singular, numa massa psicológica, é o seguinte: quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, sejam semelhantes ou dessemelhantes o seu tipo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o simples fato de se terem transformado em massa os torna possuidores de uma espécie de alma coletiva. Esta alma os faz sentir, pensar e agir de uma forma bem diferente da que cada um sentiria, pensaria e agiria isoladamente .Numa massa* todo sentimento, todo ato é contagioso, e isso a ponto de o indivíduo sacrificar facilmente o seu interesse pessoal ao interesse coletivo’’

A Raposa coloca na cabeça do pintinho que ele deve liderar, já que o mesmo percebeu antes de todos que o céu estava ‘’caindo’’, convencido disso o pintinho, reafirma que o céu está caindo, Dr Galo pergunta então porque o céu não caiu na sua cabeça, logo a raposa manipulando os fatos, derruba um pedaço de madeira do que seria o céu em sua cabeça, na frente de todos, que começam a implorar para que o pintinho os salve. O pintinho perdido é mais uma vez influenciado pela raposa, pedindo então para que todos se escondam  na gruta.  Para Freud (1943) A massa é um rebanho dócil, que não pode jamais viver sem um senhor. Ela tem tamanha sede de obediência, que instintivamente se submete a qualquer um que se apresente como seu senhor.

Maquiavel (1532) em seu livro o príncipe já dizia ‘’ Aqueles que apenas adotam a personalidade do leão, isto é força e retidão, não entendem o risco que correm e dificilmente chegaram a se consagrar no poder, para obter êxito na busca pelo poder, você deve também de ser astuto como uma raposa’’. Se enxergarmos por um contexto não literal, Maquiavel pode ser compatível com a democracia no que se refere aos conceitos políticos de influência, popularidade,  e relações.

O final dessa história você pode ou não imaginar, porém a maior lição que fica, em paralelo a realidade é a importância da veracidade dos fatos. Sabemos que a  vivência em sociedade, numa era tecnológica não torna a nossa realidade muito distante, deixamos por muitas vezes sermos influenciados pelo sentimento contagioso da massa, pelas fortes convicções e ilusões, pelos líderes idealizados, e pelas ideias salvadoras. Deixando de refletir, sobre as fontes, e as motivações por tais ideais, devemos sempre pensar além dos muros do galinheiro, além do cadeado das nossas convicções. Entendendo que a espingarda do lado de fora tanto pode ferir a raposa quanto nos ferir. A Busca por fatos, por conhecimento, e pela ciência são formas de nos resguardar de diferentes raposas.

 

Ficha técnica

Título: Chicken Little ( original)

Ano de produção: 1943

Dirigido por: Clyde Geronimi

Estreia: 17 de dezembro de 1943 (mundial)

Duração: 8 minutos

Classificação: livre

Gênero: animação

País de origem: Estados unidos

Referências

Chicken little, Clyde  Geronimi, Disney, EUA, 17 de dezembro de 1943. especificação de suporte por youtube. Disponível em ( https://www.youtube.com/watch?v=AILy4KHBIEE) acesso em 17 de março de 2022

FERRAZ, Francisco . Adiministração municipal .O político: leão e raposa. Portal Política para Políticosl, Rio de janeiro, 06 de janeiro de 2009, s Disponível em: (http://www.oim.tmunicipal.org.br/?pagina=detalhe_noticia&noticia_id=1279). Acesso em dia 22 de março de 2022

MENEZES, Angelo O que podemos aprender com chiken little Uma reposta ludica (ou lucida) ao panorama brasileiro. Pragmatismo Politico, São paulo, 03 de nov de 2014,  Disponível em: (https://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/11/o-que-podemos-aprender-com-chicken-little-uma-resposta-ludica-ou-lucida-ao-atual-panorama-brasileiro.html). Acesso em dia 17 de março de 2022

SIGMUND, Freud. Psicologia das massas: e análise do eu e outros textos. 1ª edição. Rio de janeiro: companhia das letras, 7 de junho de 2011.

Um desenho explica perfeitamente o momento tenebroso que o Brasil vive. História no paint, setembro de 2018, . Disponível em: (https://www.historianopaint.com/2018/09/um-desenho-explica-perfeitamente-o.html). Acesso em dia 17 de março de 2022

VÉLIZ, Carissa. Privacidade é poder. 1ª edição. editora contracorrente , 30 de agosto de 2021.