A história de O Menino e a Garça começa marcada pela dor. Mahito, um garoto, perde a mãe durante a guerra, e essa perda inaugura uma jornada marcada pelo luto e pela busca de sentido. Mahito se muda para o campo, longe da cidade, e lá está vivendo uma vida tranquila, sem muitos acontecimentos. Então, um dia, ele vê uma garça, inicialmente é uma garça normal, mas com o tempo a garça vai se mostrando ser uma figura enigmática, revelando poder falar. A garça se revela como uma espécie de guia, um personagem provocador e incômodo, longe de ser um guia tranquilo, ela provoca, desafia e instiga o menino, um mensageiro ambíguo, a garça diz que sua mãe ainda está viva. Esse anúncio desperta nele esperança e, ao mesmo tempo, confusão, funcionando como o ponto de partida para uma aventura que o levará para um mergulho em uma dimensão oculta, simbolizando sua própria psique.
A torre misteriosa que Mahito encontra simboliza essa travessia para outro mundo, um lugar onde fantasia e memória se misturam. Ali, ele caminha por cenários que refletem tanto sua dor pessoal quanto algo maior do que si mesmo, algo que vai além da sua história, ele encontra rios, personagens e seres espirituais. Essa jornada não é apenas física, mas principalmente interior: um mergulho em si mesmo, a torre simboliza um espaço de transformação, uma ponte, onde a realidade externa se mistura com as profundezas da psique.
No meio da jornada, Mahito encontra o avô, que aparece como a figura de um sábio. Ele lhe oferece a chance de herdar e cuidar de um mundo inteiro, construído a partir de suas próprias regras. Essa proposta é intrigante, pois apresenta a chance de escapar da dor que ele sente e permanecer em um mundo onde tudo é aparentemente perfeito. Mas, ao mesmo tempo, carrega um perigo: o de se prender a uma ilusão, evitando o confronto com a vida real. O avô, nesse sentido, representa tanto a orientação, mas também a prova decisiva: aceitar um destino de permanência em um mundo artificial ou retornar para o mundo real e enfrentar a dureza da realidade. É nesse momento que Mahito precisa tomar uma decisão essencial para seu amadurecimento.
A garça, a torre e o avô não são apenas personagens ou cenários, mas representam os guias e as próprias provações que Mahito precisa passar para lidar com a dor do luto e amadurecer. Mahito acaba não encontrando sua mãe de forma literal, mas a jornada em si é um símbolo das provações que precisa passar para o amadurecimento. Portanto, não é sobre resgatar alguém perdido, mas sobre aprender a atravessar a dor e encontrar, dentro de si, novos recursos para continuar.
No desfecho, Mahito escolhe retornar ao mundo real. Ele recusa a permanência no universo criado pelo avô e renuncia à ilusão de rever sua mãe. Essa escolha marca sua passagem para uma nova fase da vida: o amadurecimento diante da realidade. Ao voltar para sua família, especialmente para a madrasta, ele já não se vê mais deslocado, mas pronto para seguir em frente. O “tesouro” que traz de volta não é algo material, mas a sabedoria de que a perda pode ser integrada e de que a vida, apesar das dores, continua a oferecer possibilidades de reconstrução.
Assim, “O Menino e a Garça” apresenta a jornada de um herói que, mais do que enfrentar inimigos externos, precisa encarar o próprio luto e as provações internas que podem atrapalhar a passagem pelo processo, mas ao mesmo tempo mostrar o caminho para a luz. Ao atravessar o mundo simbólico da torre, Mahito encontra o caminho de volta a si mesmo, aprendendo que a verdadeira força está em aceitar a realidade e aprender a enxergar aqueles que irão apoiar e ajudar na jornada, sem deixar de carregar dentro de si as marcas e memórias que o constituem.
Ficha Técnica
Título: O Menino e a Garça
Título original (japonês): 君たちはどう生きるか (Kimitachi wa Dō Ikiru ka)
Título em inglês: The Boy and the Heron
Ano: 2023
País: Japão
Gênero: Animação, Fantasia, Drama
Duração: 124 min
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Produção: Toshio Suzuki
Produtora: Studio Ghibli
Distribuição: Toho (Japão) | GKIDS (EUA)
Música: Joe Hisaishi
Fotografia (direção de arte/visual): Yoji Takeshige
Montagem: Takeshi Seyama