(En)Cena – A Saúde Mental em Movimento

Superação e trajetória: entre esporte, faculdade e concurso

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Thainara dos Santos Neves é jogadora de vôlei, acadêmica de Psicologia do último período e concursanda da Polícia Militar. Desde a infância, o esporte tem sido um caminho de disciplina, autoconhecimento e desenvolvimento pessoal, abrindo portas para experiências únicas, viagens e responsabilidades. Ao longo da adolescência e juventude, conciliou treinos intensos, competições e estudos, enfrentando desafios físicos e emocionais que fortaleceram sua resiliência. Na faculdade, tem se aprofundado em Psicologia do Esporte e, atualmente, equilibra estudos e preparação para o TAF, mantendo o esporte como paixão e fonte de aprendizado contínuo.

(En)Cena – Você poderia contar um pouco sobre sua trajetória, desde quando começou a se interessar pelo vôlei até os dias atuais, incluindo seus estudos, experiências no esporte e preparação para o concurso?

Thainara Dos Santos Neves – Quando eu era menor, sempre que a professora perguntava o que eu queria ser, eu dividia a folha em dois e colocava ‘médica’ de um lado e ‘jogadora de vôlei’ do outro. Essa vontade foi crescendo quando tive meu primeiro contato com a bola na aula de Educação Física. Em 2014, com 11 anos, no 6º ano do colégio Dom Bosco, descobri que havia um time na escola e manifestei interesse em participar. No 7º ano, comecei uma transição, entrei na escolinha e, no final do ano, participei das seleções das meninas que queriam entrar no time, conquistando uma bolsa de 50%. No 8º ano, já fazia parte oficialmente do time com bolsa, competindo em nível estadual, municipal e nacional, e treinando de segunda a sexta, depois da escola, até às 20h30. No 9º ano, já com bolsa integral, eu já tinha algumas medalhas e colhia os resultados dos treinos. No 1º ano do ensino médio, passei para o time juvenil, para atletas de 15 a 17 anos, e foi aí que realmente as coisas ficaram mais sérias. A carga horária era intensa: só ficava na escola e nos treinos, de segunda a sábado, conciliando estudos e esportes. Levava minhas roupas na mochila para ir direto ao treino e, chegando em casa, dormia exausta para acordar no dia seguinte e começar tudo de novo. Às vezes fazia atividades depois do treino ou antes das aulas começarem. Esses três anos do ensino médio foram cansativos, tanto física quanto mentalmente. Sentia um desamparo emocional, mas não via como opção parar, porque queria ajudar meus pais com a bolsa; se não fosse pelo vôlei, eu não estaria naquela escola por questões financeiras. Era um esforço para ambos, por mim e pelos meus pais. No vôlei, viajava e competia, e a escola me dava visibilidade como atleta e estudante. Havia também muita cobrança, pois as atletas eram vistas como modelos pelos colegas. Aos poucos, isso começou a afetar minha saúde emocional. Muitas vezes chegava em casa chorando, mas meus pais sempre me davam forças para continuar. Depois que terminei o ensino médio, veio a pandemia e, de repente, minha rotina intensa parou. Foi um baque, e meu corpo sempre pedia por exercício físico, então entrei em outro time, agora mais como hobby. Mesmo assim, a trajetória no esporte moldou quem eu sou: apesar das cicatrizes, me sinto mais disciplinada e consigo lidar melhor com a pressão. Treinava muito sob pressão, e isso me ensinou a não desistir. Antes de terminar o ensino médio, várias colegas queriam seguir carreira no esporte e participar de seletivas, e surgiu uma oportunidade para fazer uma seletiva em Amparo, São Paulo. Meus pais barraram, e eu comecei a pensar na faculdade, se era realmente o caminho que eu queria seguir. Em 2020, o esporte acabou de forma involuntária, mas continuei jogando em nível estadual e depois pelo time da faculdade, tentando manter o esporte vivo por amor. Entrei na faculdade em 2021 e escolhi para o meu TCC o tema de Psicologia do Esporte. Comecei a perceber também a importância da atuação do psicólogo, porque é uma área escassa, e senti mais vontade de aprender sobre isso. Acredito que, se tivesse tido um psicólogo do esporte, não teria sentido tanta cobrança e poderia ter lidado melhor com as pressões da época. Durante a faculdade, também trabalhei em clínica de desenvolvimento infantil, atuando com crianças neurodivergentes. Comecei como atendente terapêutica, depois fui promovida em 2022 a auxiliar de coordenação, e em 2024 me desliguei da clínica para focar no concurso, influenciada pelo meu pai, que é concursado. Entre 2023 e 2024, voltei a ter interesse no concurso em busca de estabilidade. Hoje, continuo meus estudos, lidando com autocobrança e ansiedade, e me preparo para o TAF da Polícia Militar, conciliando treinos e o último período da faculdade. O vôlei tem um significado muito especial para mim. Sempre tive dificuldade em lidar com minha altura, mas o esporte me ajudou a ressignificá-la como algo positivo. Melhorou minha autoestima, abriu portas para conhecer outros estados, andar de avião e ter experiências únicas. Como levantadora, posição que exige decisões estratégicas, aprendi a lidar com vitórias e derrotas, responsabilidade e disciplina. Mesmo nos dias em que não queria ir treinar, sabia que era necessário desde cedo, e isso moldou muito minha forma de enfrentar desafios na vida

(En)Cena – Em que momento percebeu que o vôlei estava moldando não só sua trajetória como atleta, mas também quem você é como pessoa, e como olha hoje para decisões e oportunidades que marcaram esse caminho?

Thainara Dos Santos Neves – Passei a perceber que já estava moldada quando eu atingi a idade adulta, onde me dei conta que, para todos os âmbitos da minha vida, me vi como uma pessoa disciplinada, lido bem com trabalhos em grupo, já que dentro de quadra aprendi bem isso. Os comportamentos que alimentei em minha jornada como atleta são refletidos até hoje, sinto que busco lidar com a pressão e me entendo como uma pessoa resiliente. 

(En)Cena – Durante sua trajetória, você já sentiu que a cobrança externa de treinadores, colegas ou familiares se tornava maior que a interna, chegando a gerar esgotamento emocional ou situações próximas de burnout? Como lidava com isso, quais estratégias psicológicas considera fundamentais para manter a saúde mental e qual sua opinião sobre priorizar a saúde mental em contextos de alta performance, como fizeram grandes atletas como Simone Biles?

Thainara Dos Santos Neves – A externa já foi grande, mas creio que a interna tenha sido maior, pois, apesar de tudo, meus pais sempre respeitaram os meus desejos, porém, eu me sentia (internamente) com a obrigação de honrá-los e me manter em uma escola particular. Considero, como estratégia fundamental, estar sempre próxima de redes de apoio, o autoconhecimento adquirido por meio de um suporte psicológico, a recuperação e o equilíbrio são indispensáveis, envolvendo momentos de descanso, hobbies, garantindo não apenas a manutenção da performance, mas também o bem-estar a longo prazo. A saúde mental no contexto de esportes de alta performance é algo que vem ganhando visibilidade aos poucos e, assim, mostrando-se como algo essencial, pois os atletas lidam constantemente com a pressão (externa e interna). Creio que eles precisam dessa atenção mais direcionada e singularizada para eles por meio de um psicólogo esportivo. 

(En)Cena – O vôlei é coletivo. Na sua visão, como o esporte pode ensinar valores e contribuir para a formação emocional de crianças e jovens de uma forma que a escola sozinha muitas vezes não consegue? E se pudesse voltar e falar com a menina de 11 anos que entrou no time de vôlei, que conselho daria a ela hoje?

Thainara Dos Santos Neves – Em meio aos treinos, nós mesmos percebemos que, até de forma involuntária, o time decaía em meio aos campeonatos mais importantes se o time não estivesse em uma boa sintonia, e com boa sintonia eu quero dizer sobre trabalho em equipe e uma comunicação não violenta. O vôlei ensinou que uma boa convivência e um bom trabalho em equipe podem definir uma medalha de ouro ou uma desclassificação.  Se eu pudesse voltar, eu aconselharia a ela que está tudo bem não estar bem todos os dias, e que o seu máximo pode ser 100% e também pode ser 1%.

(En)Cena – Sua escolha pelo tema do TCC em Psicologia do Esporte está diretamente ligada a sua experiência como atleta. O que mais despertou seu interesse e, olhando para o cenário atual, como avalia a valorização dessa área no Brasil e quais mitos gostaria de desconstruir?

Thainara Dos Santos Neves – Acredito que o meu interesse na área deriva-se totalmente da minha vivência, inclusive acredito que, com um acompanhamento mais próximo de um psicólogo esportivo, eu teria adquirido mais habilidades socioemocionais dentro e fora da quadra.  Acredito que a psicologia do esporte vem tomando seu espaço aos poucos, principalmente quando nos deparamos com atletas que costumavam ter altíssimos rendimentos e, por determinado motivo, este atleta decai. Um mito a ser quebrado seria que o atleta não deixa de ser forte ou bom por usufruir de um acompanhamento psicológico. Os seres humanos devem treinar seus corpos e suas mentes. 

(En)Cena – Como você lidava com a pressão de “ter que performar bem” tanto no esporte quanto agora no concurso, e como lida com a ansiedade, que pode ser tanto inimiga quanto combustível, conciliando estudos, treinos e preparação física intensa?

Thainara Dos Santos Neves – Não consigo responder.

(En)Cena – Olhando para toda a sua trajetória, o que aprendeu sobre si mesma nos momentos de dificuldade e pressão, quais ensinamentos e conselhos daria para jovens atletas e mulheres que enfrentam desafios físicos ou situações de alta pressão, e qual é o maior sonho que ainda quer realizar e o legado que deseja deixar?

Thainara Dos Santos Neves – Ao olhar para minha trajetória, percebo que os momentos de maior dificuldade e pressão foram também os que mais revelaram minha força interior. Aprendi que a resiliência não significa não sentir medo ou insegurança, mas sim seguir em frente apesar deles. Descobri que sou capaz de me reinventar diante dos obstáculos e que, muitas vezes, é justamente na vulnerabilidade que encontro a coragem para evoluir. Se pudesse deixar um conselho para jovens atletas e mulheres que enfrentam situações de alta pressão, diria para que priorizem sua saúde mental tanto quanto a física. O corpo não sustenta o desempenho se a mente estiver sobrecarregada.  Meu maior sonho ainda é construir uma vida equilibrada, onde eu possa exercer minha profissão com amor, formar uma família e ter tempo para cultivar aquilo que me faz feliz. Quanto ao legado, desejo deixar a mensagem de que é possível alcançar grandes objetivos sem abrir mão da humanidade, mostrando que cuidar de si mesma não é sinal de fraqueza, mas de inteligência e coragem.

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