A invisibilização de mulheres lésbicas pela heterossexualidade compulsória

Karen Oliveira – karenkelleroliveira@rede.ulbra.br

 

A heterossexualidade compulsória refere-se a uma série de comportamentos, regras coletivas e imposições determinadas por papéis sociais estabelecidos historicamente para os indivíduos, estes atrelados à heteronormatividade. Historicamente, esses padrões apresentam-se como regras sociais em que o gênero e a sexualidade são direcionados para a heterossexualidade como a única forma possível de existência para a manutenção desse sistema heteronormativo.

Louro (2009) descreve que a heterossexualidade é uma construção social que exige investimentos e esforços criteriosamente elaborados para colocar em funcionamento sua normatização. As forças regulatórias que produzem as masculinidades e feminilidades sob a ótica heteronormativa afirmam que a única forma de atração sexual legítima é entre um homem (pênis/masculino) e uma mulher (vagina/feminino).

Fonte: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

23ª Parada do Orgulho LGBT em Brasília.

Enraizada, a heteronormatividade é indutiva ao pensamento de que somente o relacionamento heterossexual, entre um homem e uma mulher cisgêneros, é considerado correto e normal, portanto estabelece-se como norma social que impacta de forma biopsicossocial os seres humanos que estão em contrapartida a essa norma. Nesse sentido, a sociedade compreende a heterossexualidade como superior e, em consequência, ocorre a marginalização de outras orientações sexuais.

Como consequência, estar fora desse padrão acarreta na construção histórica e fomento da homofobia, forma de preconceito que inferioriza homossexuais e a lesbofobia, que violenta mulheres lésbicas de diversas formas, desde agressões verbais, psicológicas, até violências físicas e homicídios.

A heterossexualidade é uma imposição social submetida através de diversas maneiras para influenciar e determinar que os seres humanos sejam obrigados a serem heterossexuais por ser percebida como a única forma correta de relação amorosa. Conforme Miskolci (2011), a diretriz heteronormativa induz que todos os sujeitos, independente da orientação sexual, adotem o modelo hegemônico da heterossexualidade supostamente por ser uma ordem social do que é correto e natural do que se espera ao curso da vida.

            Esse modelo é organizacional, político, imposto e naturalizado historicamente e violenta todas as mulheres, pois determina desde o que deve-se vestir até comportamentos de supervalorização dos homens e relacionamentos com eles com o intuito servi-los, satisfazê-los e de invisibilizar quem não seguem esse padrão, a exemplo das mulheres lésbicas cisgênero e transsexuais, bissexuais ou que não performam feminilidade. Nesse contexto, as mulheres lésbicas são violentadas de forma biopsicossocial ao longo de toda a vida e não possuem espaço para existir, sendo silenciadas em todos os espaços sociais.

  A heteronormatividade é um sistema mantido por padrões sociais embasada em um discurso evolutivo de possibilidade de procriação, na instituição do casamento, na submissão da mulher, o que contribui para que sua essência seja apagada e ela não tenha propriedade do seu corpo, sendo uma forma evidente de controle. Pode-se perceber que seu intuito, em suma, resulta na apropriação pessoal e coletiva pelos homens em quesito de gênero, sexualidade e existência das mulheres.

            De acordo com Butler, 1994:36-37 […} o que a pessoa sente, como age e como expressa sua sexualidade em articulação e consonância com o gênero. Há uma causalidade e identidade particulares que se estabelecem na coerência do gênero, ligada à heterossexualidade compulsória.

Entendendo a sociedade de forma sociocultural hétero-cis normativa, com padrões de comportamentos, identidades e performances de gênero e sexualidade pré-determinados antes mesmo do nascimento dos seres humanos, a influência que a heterossexualidade compulsória atinge na vida das mulheres lésbicas é contínua e resulta em um sofrimento infindável gerado pelo sentimento de não pertencimento e invisibilização do existir.

Portanto, ainda que menos discutida do que deveria, a imposição da heterossexualidade compulsória e opressões e violências ocasionadas por ela na vida de mulheres lésbicas está presente em um contexto histórico-político em que a ideia da heterossexualidade retira o poder existir e também a liberdade das mulheres de forma estrutural.

REFERÊNCIAS

BUTLER, Judith .1994. Gender as Performance. Radical Philosophy, a Journal of socialist & feminist philosophy, 67, Summer, p.32/39.

COUTO JUNIOR, D. R. “Aí que acaba meu mar de rosas e começa o meu calvário: gênero, sexualidade e o aprendizado com a diferença. Periferia, vol. 9, núm. 2, pp. 59-79, 2017. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 2. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

MISKOLCI, R. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. 2. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.