Ricardo Antunes (2015) postula que as transformações no capitalismo ao longo das três últimas décadas do século XX tiveram um impacto profundo no mundo do trabalho. Assim, após um longo período de crescimento econômico iniciado no pós-guerra, a década de 1970 foi marcada pela estagnação e crise. Esse cenário de dificuldades se manifestou de forma mais evidente na crise dos modelos de acumulação taylorista e fordista, mas suas causas mais profundas estavam relacionadas a uma crise estrutural do sistema capitalista como um todo.
Seguindo o raciocínio de Antunes (2015), a lógica do capital, em sua essência destrutiva, não reconhece limites para a precarização do trabalho. A exploração ilimitada da força de trabalho é um reflexo das contradições estruturais de uma organização social que, apesar de depender do trabalho humano para sua reprodução, busca exaurir esse trabalho ao máximo. Esse processo revela a mercantilização extrema do trabalhador, visível na redução do tempo útil de sua força de trabalho, que, ao ser desgastada e adoecida, torna-se uma mercadoria facilmente descartável.
Assim sendo, nas últimas décadas, as mudanças no mundo do trabalho resultaram na formação de um exército de trabalhadores mutilados, feridos e adoecidos física e mentalmente, muitos dos quais ficaram permanentemente incapazes de continuar a trabalhar.
Na visão de Borsoi (2007), se a vida humana é composta pelo trabalho e se a história de cada pessoa envolve tanto sua biologia quanto os momentos que ela considera significativos, então, para entender os sofrimentos psíquicos ligados ao trabalho (seja como transtornos ou não), é preciso, além de observar as condições concretas do trabalho, levar em conta a trajetória pessoal do trabalhador e a forma como ele interpreta os acontecimentos marcantes de sua vida.
Dessa forma, a profunda transformação nesse campo será
“fruto do diálogo, do esforço e do trabalho de um conjunto de atores, dentre os quais estão os profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento médico e psicológico, os estudiosos do tema, os sindicalistas e, sobretudo, os próprios trabalhadores, que ainda precisam tomar consciência de algo fundamental: o sofrimento ou o transtorno psíquico deve ser considerado como queixa legítima e, por esta razão, deve ter o mesmo estatuto de qualquer outra queixa de doença relacionada ao trabalho, independentemente do lugar onde ela for relatada.” (Borsoi, 2007).
Finalmente, é fundamental que profissionais da Psicologia se debrucem sobre o tema, levando visibilidade e dando voz ao sofrimento experienciado por tantos sujeitos, grupos, comunidades e trabalhadores. Estabelecer uma escuta ativa com quem está nesse meio cotidianamente é de profunda importância, ressaltando uma visão de criação conjunta e compartilhada das problemáticas atuais.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R.; PRAUN, L. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social & Sociedade, n. 123, p. 407–427, jul. 2015. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/0101-6628.030. Acesso em: 02 set 2024.
BORSOI, I. C. F. Da relação entre trabalho e saúde à relação entre trabalho e saúde mental. Psicologia & Sociedade, v. 19, n. spe, p. 103–111, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-71822007000400014. Acesso em 02 set 2024.