A Lei 13.935/19 que dispõe sobre a prestação de serviços de Psicologia e Serviço Social nas redes públicas de Educação Básica leva-nos a contextualizar e refletir sobre a presença dos Psicólogos no rol das equipes multiprofissionais nas escolas e nos provoca a questionar: Qual o papel do psicólogo na escola? O que pode realmente resolver? Qual sua especificidade de trabalho? Quais os desafios e possibilidades dessa atuação?
Sabe-se que a atuação do psicólogo na educação ainda é um espaço em construção e essa inserção não aconteceu somente agora com essa previsão legal. Há todo um movimento histórico que vem discutindo esse espaço de atuação e já existem diversos projetos em execução em alguns municípios de diferentes estados brasileiros. A partir da promulgação dessa Lei, busca-se agora articular uma padronização, implementação e efetivação dessa inserção.
O Conselho Federal de Psicologia – CFP, órgão responsável pela regulamentação da atuação dos Psicólogos e a defesa da profissão e compromisso ético com os serviços prestados a população, construiu o Documento de Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica, a partir de uma pesquisa sobre a atuação de psicólogas(os) em Políticas de Educação Básica, realizada no ano de 2009. (CFP, 2009).
Apesar da importância elencada pelos órgãos regulamentadores da profissão e da reconhecida luta pela defesa de uma Psicologia comprometida com o direito de todos e todas à educação e à permanência com qualidade na escola, essa inserção profissional do psicólogo nas escolas é permeada de disputas.
A título de exemplo, em novembro de 2023, em Nota Pública, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE refere à Lei 13.935 como sendo uma ameaça, porque trata de uma tamanha investida contra a profissão docente, dos/as pedagogos/as e orientadores/as educacionais e dos/as funcionários/as da educação. A CNTE aponta que incluir Assistentes Sociais e Psicólogos no rol de profissionais da educação refere a uma disputa de recursos do FUNDEB que, de acordo com a lei, os pagamentos desses profissionais estariam em desacordo com o Artigo 71 da LDB que considera essa despesa como sendo exclusiva para manutenção e desenvolvimento do ensino.
Em contraponto, a Coordenação Nacional pela Implementação da Lei 13.935/2019 – composta por entidades nacionais da Psicologia e do Serviço Social, e seus Conselhos Profissionais, também lançaram mão de nota pública em defesa de que Assistentes Sociais e Psicólogas(os) que atuam na educação básica são trabalhadoras(es) da Educação e devem estar devidamente incluídas(os) na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Segundo a nota, a CNTE desconsiderou uma luta histórica de mais de 20 anos dessas categorias e da sociedade brasileira que resultou na Lei 13.935/2019 e lamentou esse posicionamento. (CFESS, 2023)
Além dessa disputa, realçada nestas notas públicas, existem outros desafios concretos da inserção do Psicólogo na educação. Martinez (2010) aponta o receio dentro da escola com relação à presença do psicólogo, sendo esse muitas vezes rejeitado devido sua incapacidade para resolver os problemas que afetam o cotidiano dessa instituição. A autora acrescenta que a atuação do psicólogo é sempre associada ao modelo clínico e com práticas tradicionais de elaboração de diagnóstico e ao atendimento de crianças com dificuldades emocionais ou de comportamento, bem como à orientação aos pais e aos professores.
As Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica construída pelo coletivo dos Conselhos de Psicologia reconhecem a complexidade da atuação do psicólogo dentro do sistema público de ensino, mas defendem que ações devem pautar-se em tornar disponível um saber específico da Psicologia para questões da Educação e no entendimento da dimensão subjetiva do processo ensino-aprendizagem. Fundamentam que a perspectiva deve envolver prioritariamente o fortalecimento de uma gestão educacional democrática e de formas efetivas de acompanhamento do processo de escolarização. Na realidade, o documento faz grandes reflexões nesse cenário de muitas demandas, mas recomenda, principalmente, que o Psicólogo deve compor a equipe escolar e construir seu projeto de atuação como um profissional inserido e implicado no campo educacional.
Dentro dessa mesma perspectiva, há outras inúmeras possibilidades de atuação atualmente, consideradas como “emergentes”, que envolvem o diagnóstico, análise e intervenção, onde o foco passa a ser a instituição; participação no processo de seleção dos membros da equipe pedagógica e contribuição para a coesão da equipe de direção pedagógica e para sua formação técnica; contribuir, também, para a caracterização da população estudantil com o objetivo de subsidiar o ensino personalizado, através da realização de pesquisas diversas e ainda cabe ao psicólogo ter uma participação crítica, reflexiva e criativa na implementação das políticas públicas (Martinez, 2010).
Enfim, historicamente, a Psicologia Escolar dá um salto de qualidade ao abandonar o enfoque clínico e práticas tradicionais e passa a ser um esteio para o desenvolvimento global do estudante, superando as análises individualizantes e medicalizantes. Neste contexto, o psicólogo, juntamente com a equipe de professores e a comunidade escolar, passa a refletir sobre a complexidade das relações sociais que incidem sobre os alunos e suas subjetividades.
Artigo de opinião apresentado como requisito da disciplina Intervenção Psicossocial no curso de Psicologia da Ulbra Palmas em setembro de 2024.
Glaucilene Lopes de Santana Santos: Acadêmica de Psicologia na Ulbra Palmas. E-mail: glaucilenesantana@rede.ulbra.br.
Luiz Gustavo Santana: Orientador Prof. Mestre do Curso de Psicologia na Ulbra Palmas. E-mail: luiz.santana@ulbra.br
REFERÊNCIAS
Conselho Federal de Psicologia (Brasil). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) na educação básica / Conselho Federal de Psicologia. — 2. ed. — Brasília : CFP, 2019.
Conselho Federal de Serviço Social (CFESS).NOTA PÚBLICA: “Assistentes Sociais e Psicólogas(os) são trabalhadoras(es) da Educação e lutam pelo Financiamento que garanta uma Educação Pública de Qualidade!” Disponível em https://www.cfess.org.br/arquivos/Nota-CoordenacaoEntidades-CNTE-Final.pdf. Acessado em 18/08/2024
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação (CNTE). A inclusão de psicólogos e assistentes sociais na LDB descaracteriza e afronta a profissão dos/as trabalhadores/as em educação. Disponivel em https://cnte.org.br/noticias/a-inclusao-de-psicologos-e-assistentes-sociais-na-ldb-descaracteriza-e-afronta-a-profissao-dosas-trabalhadoresas-em-educacao-bd05.Acessado em 18/08/2024
MARTINEZ, Albertina Mitjáns. O que pode fazer o psicólogo na escola? In Em Aberto, Brasília, v. 23, n. 83, p. 39-56, março. 2010.