A arte como instrumento terapêutico: um relato pessoal Como a arte pode contribuir para o tratamento psicológico.

Matheus de Castro – matheusmdecastro@gmail.com

 

São infinitas as possibilidades de expressão artística. Frequências que ressoam para muito além do que pode ser articulado dentro de um discurso. O que se faz com aquilo que ainda não aprendemos a nomear? Algo há que ser feito a respeito das coisas que escapam às palavras. Como muito bem disse o poeta, “a arte existe porque a vida não basta.” Mas ousaria dizer, sem com isso tentar desmenti-lo, que a arte existe, sobretudo, porque não bastamos a nós mesmos.

Pode ser extremamente desafiador – e espantoso – colocar-se diante da tarefa de enfrentar a própria história. Principalmente dentro de um setting terapêutico. Olhar para nossas lacunas a fim de articular aquilo que nos angustia é trabalhoso, e por vezes se mostra uma tarefa para a qual a linguagem não está preparada, ainda que se proponha a explorar o não-dito, dando significado aos nossos silêncios.

A primeira vez que me dispus a buscar por tratamento psicológico o fiz sob muitas ressalvas e com muita vergonha. Na época o estigma acerca da psicoterapia era maior que o de hoje, e a saúde mental ainda não era tratada como um tema de relevância social – avanços significativos obtidos nos últimos anos, não obstante estejamos longe do ideal.

Apesar da competência e disponibilidade do profissional que me atendia, sentia que avançávamos muito lentamente. Existe sempre uma urgência em nos livrarmos dos sintomas que nos afligem. Existe, sobretudo, uma urgência por descobrirmos aquilo que nos aflige. Eu não sabia dizer. Não queria dizer. Ou não queria saber que sabia dizer. Pode-se alegar aqui que estas são etapas muito naturais de um processo psicoterapêutico – e eu concordo absolutamente. No entanto, o paciente não tem consciência disso, e mesmo que lhe seja advertido resta sempre a dúvida. E a dúvida é sempre um obstáculo que coloca em risco a continuidade do tratamento.

Passamos a procurar por atividades que me despertassem interesse. Interessar-me por algo, na época, era um desafio talvez maior que a dúvida. E diante de minha resistência em me aventurar em novas atividades, optamos por explorar aquilo que um dia já havia me interessado. Livros, comentei. Há muito eu não os lia. Escolhemos algo para ler juntos e conversar a respeito de nossas impressões. Achei interessante. E ao expressar minhas opiniões acerca da história e dos personagens acabava sempre por deixar escapar algo sobre mim. Não é segredo que acabamos por dizer muito sobre nós quando falamos sobre alguém – e não importa que esse alguém seja um personagem real ou fictício.

Assim, passei a tratar de algumas questões minhas através das vidas dos personagens. Era mais fácil. Passei a escrever algumas histórias também, através do incentivo de minha terapeuta. Nessas histórias também apareciam questões sobre mim, ainda que eu não soubesse enunciá-las. A urgência deixou de ser uma questão. E entendi que podia melhorar, mesmo que isso levasse um tempo. A arte me ajudou a sentir, mesmo que ainda restasse muita coisa por compreender. Com o tempo, cheguei à conclusão de que não podia, de fato, compreender tudo. Para algumas coisas não existe mesmo explicação, por mais que nos empenhemos em criar alguma. Isso frustra. E se a arte não nos ajuda a compreender, é uma bela forma de exercermos nossa frustração – esse espanto diante daquilo que é inapreensível.

Ao olhar em retrospectiva, reconheço que esse reencontro com a arte, junto com minha terapeuta, contribuiu imensamente para o meu tratamento. Ele concedeu o tempo necessário para que eu me envolvesse, e para que eu pudesse acreditar que era possível melhorar. Acreditar que é possível é fundamental. No teatro, brincávamos sempre que apesar de terapêutico, o teatro não era terapia. E não é mesmo. Nem precisa ser. Mas é muito importante que tenhamos esses espaços onde se tem a oportunidade de sentir. Espaços onde nos permitimos. Isso pode ser de grande valia para o tratamento psicológico, mesmo que não o substitua.