(En)Cena – A Saúde Mental em Movimento

Maria Cachucha

Compartilhe este conteúdo:

Maria Cachucha (De Lígia Meneses)

Maria Cachucha não era maluca,
Não era, não senhor,
Era uma jovem cabocla, faceira e dengosa,
Era fruta do mato, pujante e gostosa
Tão do gosto do ioiô!
Maria Cachucha não era maluca,
Era flor traiçoeira, era flor em botão.
Disputada e querida, essa flor venenosa,
Desenha altaneira e até orgulhosa
Do amor que nascesse em qualquer coração.
Maria Cachucha que nasceu na Bahia
E ali floresceu e ali se criou
Mas um dia… que dia…!
Maria Cachucha ficou maluquinha,
Maluca de amor!
E se algum caboclinho, valente e sincero
Na sua viola perguntava-lhe assim:
— Maria Cachucha, quem é teu amor?
Maria Cachucha, sorrindo, dizia:
— É um soldadinho que toca tambor!
E Maria Cachucha que nasceu na Bahia
E ali floresceu e ali se criou,
Um dia… ah! nesse dia!… que dia…!
Maria Cachucha ouviu pelas ruas
A guerra estourou!
E se algum caboclinho, nutrindo esperanças,
Na sua viola dizia-lhe assim:
— Maria Cachucha, onde está teu amor?
Maria Cachucha, orgulhosa dizia:
— Partiu para a guerra, tocando tambor.
A areia bebeu todo sangue inocente,
A batalha findou!
Os canhões se calaram!
De um lado e de outro a um grito pungente,
Pois os lares vazios, milhões não voltaram!
E Maria Cachucha que nasceu na Bahia,
E ali floresceu e ali se criou,
Ah! nesse dia… que dia… Maria Cachucha
Aos olhos de todos, de todos mudou.
E ao longe das ruas, ao longe da estrada,
A dor d’aquela alma jamais se apagou!
E aos gritos de vaia, lá vai desolada
A outra Maria que a guerra deixou.
E se algum caboclinho ruim, despeitado,
Na sua viola, vingava-se assim:
— Maria Cachucha, cadê teu amor?
Maria Cachucha, chorando dizia:
— Morreu lá na guerra tocando tambor!
1977

Em uma bela tarde de sábado, estava eu, olhando o guarda-roupa de minha avó, quando encontrei uma verdadeira joia guardada: escritos datilografados que carregam a força da poesia e a delicadeza de um olhar sensível. Entre eles, encontrei Maria Cachucha, de 1977, uma peça que fala de paixão, ausência e dor, mas que também conversa com o Brasil daquela época, ainda marcado pela ditadura militar. Num tempo de censura e silêncio, metáforas como guerra e perda de um amor revelam sentimentos coletivos, refletindo a atmosfera de incertezas que tantas famílias viviam. Reunir esses versos é uma forma de valorizar a memória de quem os guardou com tanto carinho e reconhecer o poder da arte de atravessar tempos difíceis, transformando experiências em um verdadeiro legado.Minha avó, Sulene

Maciel da Silva, formada em Letras e funcionária da Assembleia Legislativa, sempre teve uma paixão enorme por poesia, poemas e histórias. Desde o ensino médio, ela era incentivada por sua professora de literatura, que estimulava seu entusiasmo: ela ensaiava, decorava com facilidade e até se vestia com roupas típicas da Bahia. Sua primeira apresentação aconteceu em 15 de agosto, durante uma festa folclórica. Até hoje, em alguns encontros de família, ela se arruma e faz uma linda apresentação. Essas lembranças mostram que a palavra escrita vai além de um simples registro: ela é uma fonte de permanência, resistência e uma herança afetiva capaz de vencer o tempo.

Compartilhe este conteúdo:
Sair da versão mobile