(En)Cena – A Saúde Mental em Movimento

Comunidade Red Pill: a misoginia nas redes sociais

Maria Sueli de Souza Amaral Cury – suelicury@gmail.com 

A Comunidade Red Pill, criada por analogia ao filme Matrix, parece tratar-se de uma comunidade de Inteligência Artificial, não tem um fundador único e específico, fora acolhida e desenvolvida pela ideologia de homens que pensam e agem de igual forma.

Desenvolveu-se diante dos compartilhamentos de experiências e opiniões sobre questões de gênero e relacionamentos, via on line. É um “ projeto” construído a várias mentes, é filho de ninguém. Fazem uso da globalização de ideias especulativas, com o cunho em transformar e resgatar costumes dos másculos, com premissas em alijar incertezas e ambiguidades no agir dos homens, ou seja, uma “atividade” realizada em bando e orientada por objetivos futuros, quando produzem conteúdos onde defendem a condição do sexo masculino, a exploração destes pelas mulheres, as quais são retratadas, sendo a natureza da alma feminina, interesseiras, infiéis e manipuladoras. 

O cartão de visita é a pílula vermelha  (Red Pill), cuja pílula, simboliza o homem Red pill, de forma estratégica e persuasiva é exposta na mão direita, a mão da força e do vigor, quando representa a realidade, o despertar e a inteligência superior, contrapondo-se à azul (Blue Pill), representada na mão esquerda, simbolizando a  fraqueza, a fantasia e ignorância desse homem permissivo e manipulável por uma mulher, uma crítica negacionista.

Homens blue pill, são aqueles comprometidos afetivamente com mulheres, por longo tempo, são categorizados pela comunidade, como sendo frágeis, manipulados pela figura feminina, bem como, incapazes de impor-se, por viverem em um universo de fantasia. O falo representa o poder e, por que estes homens “falados” abdicam de seu poder e tornam -se blue pill, invertendo os papeis?

Inconteste que a comunidade em pauta, externa uma resposta à insegurança, à baixa tolerância à ambiguidade e à necessidade de redução das incertezas através da criação de um manual de normas rígidas, resistente à mudanças e de naturalização das desigualdades. Haja vista, que a presente militância, possui na sua forma o agir em grupo/ conjunto, visando derrotar o “inimigo”, a mulher, culpando -a pelos  seus sucessivos fracassos, frustações e insucesso social. 

Comunidade esta, com animus nocendi, elemento subjetivo que informa a intenção e motivação do agir nocivo. Uma visão distorcida, intemporal  e retrógada, com objetivos  específicos em desqualificar a figura feminina e propondo comportamentos masculinos, o retorno do homem alfa,  muito próximo ao da caverna, quando este suplantava o feminino pela força física, ainda resistente em nossa sociedade e, não pela eloquência. 

Imagem de Septimiu Balica

A mulher, um inimigo imaginário, que na verdade, apropriam-se dessa falácia para a construção de uma ameaça motivadora de uma desordem de massa, corrompendo e deslegitimando a ordem social natural, onde homens e mulheres são partes distintas, porém, que se completam para dar continuidade à raça humana.  

Os “Redes Pills”, conjunto de homens brancos de meia idade, os quais ainda arraigados aos seus antepassados do sexo masculino, sendo sua tática espelhar a trajetória e mesma contundência de seus precedentes, para garantir a tradição recebida e (re)estabelecê-la como referência do passado para ter sucesso financeiro, amoroso e profissional. No seu afã imaginário, “lutam”  bravamente para trazer de volta o homem do pretérito.

“A comunidade o red pill estimula a desvalorização e objetificação das mulheres, “o que é um prato cheio para a violência de gênero, .bem como, também pode gerar um impacto negativo na saúde mental do próprio público masculino, como problemas como ansiedade, ao pressionar por atitudes consideradas masculinas, como reprimir emoções”. Professora Jeane Félix- pesquisadora de gênero, sexualidade e juventudes, da Universidade Federal de Alagoas.

Redpillados, sustentam ainda que, o homem está à margem da legislação,  há misandria no ordenamento jurídico, não há imparcialidade, a mulher está sempre em evidência,  uma vez que, em vários países , as leis favorecem-nas, principalmente quando os assuntos versam sobre guardas de filhos, pensão alimentícia e violência contra a mulher, citam a Lei Maria da Penha -Brasil, a título de exemplificação da parcialidade da lei em detrimento ao sexo masculino.  

Grupos Redpill- yanka Romão/Metrópoles

Vocabulário próprio, como ocorre nas “ tribos”, acessível no canal do YouTube, sob o título de : “Atitude alfa”.  Há número expressivo de inscritos, os quais por certo, usam-nas, e o suficiente para pincelar o que está margeando o pensamento dessa comunidade:

Esse movimento de desconstrução da mulher, na verdade, revela uma fuga da possibilidade de construção de diálogos e mobilizações para que se converse sobre as dores que esses homens vivem, mas também sobre as dores que esses homens causam. 

Os “redpillados” na verdade, externar uma mulher figurativa e ideal, o sonho do homem em acreditar na universalização do ideal feminino, mas, que só existe em sua mente. 

Para Lacan, o homem sonha e sempre sonhou com a mulher universal, assim seria melhor entendê-las, pois, estariam em um mesmo “ balaio ” de gatos, tornando a vida do homem bem mais fácil, não precisam gastos energéticos, na sedução e conquista. Só para complicar suas vidas, cada mulher é ímpar, um infinito particular. 

O resultado desse perigoso discurso chauvinista e misógino, mais de bilhões de seguidores, que reverbera o planeta, é o reforço e a inoculação, de forma genérica, de ideias, sentimentos de ressentimentos e ódio pela figura feminina, cujo discurso, busca silenciá-las.

Questionarão: Mas, a mulher não é universal? Sim, porém à parte, e não estão dispostas a assumirem uma categoria universalizada. As mulheres já conquistaram parte de sua voz, tecendo suas vidas, onde criaram e criam os novelos familiares, amorosos e laborais em uma perspectiva que não estão dispostas em (re)tornarem-se afônicas ou pronunciar meros sussurros inaudíveis, ritos labiais  que se perdem ao ecoarem ao vento.

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