‘Ur so gay’ de Katy Perry e os estereótipos LGBT+

A música lançada em 2007 traz uma reflexão sobre o ‘mal envelhecimento’ das músicas e o uso de estereótipos em letras que são cantadas até hoje

Ur So Gay’ (tradução literal: você é tão gay) é uma música que foi lançada em Novembro de 2007, escrita por Katy Perry e Greg Wells, fazendo parte do álbum ‘One of the Boys’. Lançada com o intuito de debochar do seu ex-namorado, que de acordo com a cantora “deveria ser gay”.

No livro Homossexualismo Masculino, de Jorge Jaime, da década de 1950, o autor nomeava gays de “doentes sexuais” e de “doentes infelizes” (GREGORI, 1998). Em contrapartida, olhando do ponto de vista da Psicologia, Freud, em 1903, já afirmava que a homossexualidade não deveria ser tratada como doença (VIEIRA, 2009). Vale também apontar que o termo “homossexualismo” também não está mais em uso pois o sufixo -ismo se refere a doenças, coisa que a sexualidade não é.

De acordo com o colocado por Freud em relação a homossexualidade ser caracterizada como uma doença, o teórico coloca que a homossexualidade não é algo a ser tratado nos tribunais. (…). Eu tenho a firme convicção de que os homossexuais não devem ser tratados como doentes, pois uma tal orientação não é uma doença. Isto nos obrigaria a qualificar como doentes um grande número de pensadores que admiramos justamente em razão de sua saúde mental (…). Os homossexuais não são pessoas doentes (Freud, 1903 apud Menahen, 2003, p. 14).

Originalmente, a música não tem a intenção de ferir a comunidade LGBT+. De acordo com diversas entrevistas da cantora dadas na época, a intenção dela era apenas apontar as falhas de caráter de um homem hétero do qual ela se relacionou, homem do qual o problema dele é que ele tinha “muito em comum” com os homens gays. Vale lembrar que só porque a pessoa não tem intenção de ferir outros com o que ela trás a frente, com o que ela diz, não quer dizer que isso realmente irá acontecer.

(Your mind may refuse to believe)

I hope you hang yourself with your H&M scarf

While jacking off listening to Mozart

You bitch and moan about LA

Wishing you were in the rain reading Hemingway

Já no primeiro verso da música, os ouvintes conseguem ouvir uma agressividade em suas palavras. De tradução literal, o trecho acima diz: (A sua mente pode se recusar a acreditar) / Eu espero que você se enforque com a sua echarpe da H&M / Enquanto se masturba ouvindo Mozart / Você geme e reclama de Los Angeles / Desejando que estivesse na chuva lendo Hemingway. 

Permeada de estereótipos da figura gay, a música trata o homem (o personagem da música), como um homem que não pode ser outra coisa além de gay por conta de seus gostos de moda e de consumo de conteúdo. A cantora, com tanta raiva do personagem, chega até mesmo a desejar com um tom de ‘bom humor’ a morte dele. 

“You don’t eat meat and drive electrical cars

You’re so indie rock, it’s almost an art

You need SPF forty-five

Just to stay alive”

Nesse outro verso da música, Katy Perry canta: Você não come carne e dirige carros elétricos / Você é tão indie rock, que é quase uma arte / Você precisa de SPF quarenta e cinco / Só pra continuar vivo. Em uma série de micro agressões aos gostos do personagem, as letras atingem homens héteros e gays. 

Existem uma série de ‘regras’ que ditam o que está dentro do ser homossexual ou não. “1. Todo  gay  tem dentro  de  si  uma  mulher  acorrentada;  2. Todo  homossexual  é  um  viciado em  sexo,  um  sexófilo  insaciável;  3. Homossexualidade  seria  sinônimo  decópula anal; 4. Todos os gays são potencialmente perigosos molestadores de crianças  e;  5. Os  homossexuais  são  transmissores  da  peste  gay”  (MOTT, 2003, p.33). Em 2007, quando a música foi lançada, essas regras sociais ainda eram vigentes.

O homem, hétero, dado como macho alfa, não pode ter escolhas que remetem a uma seletividade. O não comer carne, não dirigir carros que emitam uma maior poluição, cuidar da pele, com toda a certeza não passam nessa peneira que dita o que é “macho”. Porque o homem tem que ser, como na música de João Carreiro e Capataz, Bruto, Rústico e Sistemático. 

Nas suas letras, a artista faz um viés errado entre papéis de gênero e sexualidade. Tudo que é associado ao gênero e as expectativas esperadas da pessoa de tal gênero, se tratam de papéis de gênero. As culturas tendem a ter diferentes perspectivas sobre tais expectativas. 

Como explicado por Grossi (2000) “gênero é um conceito que remete à construção cultural coletiva dos atributos de masculinidade e feminilidade (que nomeamos de papéis sexuais); que identidade de gênero é uma categoria pertinente para pensar o lugar do indivíduo no interior de uma cultura determinada e que sexualidade é um conceito contemporâneo para se referir ao campo das práticas e sentimentos ligados à atividade sexual dos indivíduos.”

E por fim, para encerrar a música, a cantora Katy Perry canta de uma forma um pouco indignada:

You’re so gay and you don’t even like boys

No, you don’t even like

No, you don’t even like

No, you don’t even like penis!

Com tradução literal: Você é tão gay, e você nem gosta de homens / Não, você nem gosta / Não, você nem gosta / Não, você nem gosta de pinto! E assim, finalizando uma música que agride tanto homens héteros como homossexuais.

 

REFERÊNCIAS

Are Katy Perry’s lyrics homophobic? Disponível em: <https://themusicalhype.com/katy-perry-ur-so-gay-controversial-tunes/>. Acesso em: 18 de mar. de 2022.

CAMPO, Amanda de Andrade. ORMANEZE, Fabiano. A “Cura Gay” em revista: O estereótipo sobre homossexual nos discursos da Veja e Junior. Caderno de Letras, nº 32, p. 11-37. Set-Dez – 2018.

Freud e a Homossexualidade. Disponível em: <https://ralasfer.medium.com/freud-e-a-homossexualidade-105540482ada>. Acesso em 11 de mai. de 2022.

GROSSI, M. P.. Identidade de Gênero e sexualidade. Estudos de Gênero – Cadernos de Area 9, Goiânia, v.9, p.29-46, 2000.

Katy Perry, Ur So Gay | Controversial Tunes. Disponível em: <https://themusicalhype.com/katy-perry-ur-so-gay-controversial-tunes/>. Acesso em: 18 de mar. de 2022.

OLIVEIRA, Rubenilda Silva. SIMÕES, Maria do Perpétuo Socorro Galvão. Do Sodomita ao Homoafetivo: Estereótipos Gays na Literatura. Dossiê Literatura e cultura cabo-verdianas, v.30, , p.145-161, jul.-dez., 2018.

Ur So Gay (song) | The Katy Perry Wiki. Disponível em: <https://katyperry.fandom.com/wiki/Ur_So_Gay_(song)>. Acesso em: 18 de mar. de 2022.

Ur So Gay (Tradução) – Katy Perry. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/katy-perry/1115109/traducao.html>. Acesso em 18 de mar. de 2022.