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Da pompa à decadência, “Blue Jasmine” mostra a dificuldade de se encarar as mudanças


Com duas indicações ao Oscar:

Melhor Atriz (Cate Blanchett) e Melhor Atriz Coadjuvante (Sally Hawkins)

Depois de passar um bom período ambientando os seus filmes no Velho Continente, Wood Allen retoma a paisagem norte-americana com o provocante “Blue Jasmine”, o 49º longa-metragem de sua autoria, e que conta com uma atuação extraordinária da atriz Cate Blanchett (indicada ao Oscar de Melhor Atriz). A comédia dramática mostra uma dinâmica de vida que não observa a chamada complementaridade das oposições, ao estilo daoísta (o famoso “sobe e desce da vida”); assim, a “encruzilhada” em que cada personagem se mete – notadamente Jasmine – delineia, em alguma medida, a dificuldade de experimentar as mudanças que ocorrem no cotidiano. No filme, Allen destaca essas transformações ao retratar a crise estadunidense de 2008.

 

 

Blue Jasmine mostra o reencontro de duas irmãs separadas tanto pela distância continental entre Nova Yorque (costa leste) e São Francisco (Costa Oeste), quanto pelo (abissal) estilo de vida que levam. Jasmine (Cate Blanchett) é a personificação do americano “ressacado” com o estouro da bolha imobiliária, alguém que experimentou todas as benesses que o acúmulo de capital proporciona, e que mesmo na derrota ainda guarda alguma elegância. A irmã, Ginger (Sally Hawkins), representa a expressão proletária, “sem grandes ambições”, cujas preocupações orbitam em torno do namorado ciumento. Os conflitos decorrentes deste encontro mostram uma Jasmine que insiste em negar a própria decadência, e que busca um futuro calcado nas lembranças do passado.

 

 

Jasmine foi casada com o investidor Hal (Alec Baldwin), e também a última a perceber [se é que queria perceber] as gritantes mudanças que ocorreram no seu entorno; nos “tempos dourados”, o esposo lhe proporcionou joias e festas caras e o exagero nas compras, sem jamais contar com a possibilidade de que em algum momento tal circunstância se exauriria. Mas este dia chegou, e o ápice da derrocada vem com a prisão de Hal, acusado de fraude. Diante da trágica conjuntura, Jasmine é obrigada a iniciar um rápido e doloroso processo de mudança de vida, mas a resistência à alteridade realça uma personagem com traços neuróticos, que vai da simpatia e bom-tom ao desespero e desatino, o que agiganta ainda mais a atuação de Blanchett. Em certa medida, Allen também demonstra a situação de confusão de parte de uma sociedade que teve tudo, e que de repente se vê absolutamente tolhida.

 

 

Jasmine carrega consigo uma tristeza e uma vulnerabilidade que a desnuda e desnorteia. Há um esforço tremendo para seguir em frente, mas a aversão “ao rebaixamento” faz com que ela sucumba às próprias expectativas (frustradas); o desprezo ao outro (notadamente em relação à irmã e seu estilo) neutraliza qualquer possibilidade de dinamizar a “nova” vida. Incapaz de se reconhecer na diferença, Jasmine perde as bases da própria existência e mergulha numa tensão e conflito que prendem completamente o expectador.

Blue Jasmine mostra que, assim como os humores, atualmente a vida pode apresentar diferentes nuances em curtíssimos espaços de tempo. Estar atento às [inevitáveis] mudanças é uma forma e tanto de reconhecer que, no fundo, como bem pontuou Heráclito de Éfeso 2.540 anos atrás, “não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio”. Resistir às mudanças, portanto, é abrir caminho para a ampliação do sofrimento e do deslocamento. Blue Jasmine retrata bem esta dinâmica.

 

FICHA TÉCNICA:

BLUE JASMINE

Roteiro e Direção: Woody Allen
Elenco: Cate Blanchett, Joy Carlin, Richard Conti, Glen Caspillo, Alec Baldwin, Charlie Tahan
Duração: 1h38min
País: EUA
Ano: 2013

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