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A Passagem do meio: da miséria ao significado na meia-idade

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A passagem do meio ocorre quando a pessoa se vê obrigada a encarar a sua vida como algo maior do que a mera sucessão linear dos anos.

Por que tantas pessoas passam por tantos abalos na meia-idade? Por que consideramos essa fase como crise? Qual o significado dessa experiência? Se você faz parte do grupo que se encontra incomodado com suas questões internas, o livro “A passagem do meio” será uma leitura obrigatória e significativa.

A Passagem do Meio – da miséria ao significado na meia-idade” é uma obra do analista junguiano James Hollis, que explora a experiência da meia-idade como um momento crucial de reflexão e transformação. O autor, formado pelo Instituto Carl Gustav Jung em Zurique e atuando em Filadélfia, apresenta temas profundos de maneira clara e acessível, tornando o livro uma leitura essencial para aqueles que se sentem incomodados com suas questões internas.

Este é um livro muito indicado pelos analistas junguianos aos seus pacientes que vivenciam a famosa crise da meia-idade. O autor descreve a meia-idade como um rito de passagem entre a vida adulta e a velhice, um convite para reexaminar a vida e o significado que atribuímos a ela. Hollis argumenta que essa fase não é apenas uma questão de tempo cronológico, mas sim uma jornada psicológica que nos leva a confrontar questões fundamentais sobre quem somos e para onde estamos indo, além da nossa história e dos papéis que representamos. Essas indagações são comuns em pessoas a partir dos 35 anos, especialmente em um mundo em constante mudança, onde muitos vivem a vida no automático e poucos se aventuram a ingressar na busca por um processo de autoconhecimento e a necessidade de responder a questão central do “quem sou eu”. 

O autor nos convida a refletir sobre como nossa concepção de nós mesmos é moldada por experiências passadas, incluindo traumas da infância, e como essas experiências influenciam nossa personalidade adulta. A crise da meia-idade surge quando há um descompasso entre a nossa antiga concepção de eu e as exigências do nosso verdadeiro ser. Essa crise pode gerar sentimentos de vazio e perda de significado, especialmente quando nos sentimos pressionados a atender às expectativas externas.

Hollis enfatiza que a passagem do meio é uma oportunidade para nos tornarmos indivíduos autênticos, além das influências familiares e culturais. Ele nos encoraja a olhar para dentro, a assumir a responsabilidade por nossas vidas e a buscar um crescimento pessoal que vai além das conquistas materiais. A ideia é refletir que a nossa capacidade de crescimento depende muito mais da responsabilidade pessoal e capacidade de interiorizar-se do que das atitudes dos outros.

Fonte: PRI-2802-ENTRELINHAS – (crédito: Maurenilson Freire)

A passagem do meio representa uma intimação interior para que deixemos a vida provisória, marcada pela primeira experiência de mundo que ocorreu ainda quando éramos crianças e avancemos em direção à verdadeira idade adulta, do falso eu para a autenticidade.

A partir da leitura desse livro, é possível perceber que recebemos muito mais do que a genética da nossa família no nosso desenvolvimento, nas nossas escolhas e vivências. Até mesmo na infância mais privilegiada podem haver situações traumáticas. O autor chama a atenção para a experiência inicial do mundo que poderá ser devastadora e moldar a concepção do eu para sempre. 

Outro chamado dessa fase refere-se à ideia de que estamos aqui para nos tornarmos nós mesmos, esse ser misterioso, porém absolutamente único, cujos valores podem diferir dos outros membros da família, e aí somos convidados a recobrar a própria vida, a vivê-la mais conscientemente, a extrair da desgraça um significado. É nessa crise que a pessoa tem a oportunidade de tornar-se indivíduo, ou seja, alguém para além dos determinismos dos pais e do condicionamento cultural.

O que o livro “A passagem do meio” faz é nos chamar a atenção para a necessidade de nos voltarmos para o nosso mundo interno nessa segunda metade da vida, sem a preocupação de corresponder às expectativas externas, seja dos pais ou da sociedade e, dessa forma, não perder a nossa alma ao longo do caminho. Isso requer deixar de achar culpados pelo nosso destino e assim assumir a total responsabilidade pelo nosso bem estar físico, emocional e espiritual. Mesmo que o mundo a nossa volta continue a exigir de nós esforços e atenção, precisamos nos voltar para dentro de nós, crescer e mudar.

Na meia-idade, a capacidade de nos enganarmos é esgotada. De repente, olhamos no espelho e enxergamos que nosso maior inimigo somos nós mesmos.

A obra destaca ainda a importância de revisitar nossos relacionamentos, tanto amorosos quanto familiares, e permitir que cada um siga seu próprio caminho de individuação. Os casais precisam olhar para si, cada um fazendo uma revisão pessoal, olhando-se como pessoas separadas, para então compreender que para ocorrer a renovação é preciso haver mudanças e cada um precisa enxergar sua individualidade. É possível permanecer juntos e assumir um compromisso de crescimento individual. Ninguém tem o direito de impedir o desenvolvimento do outro, isso seria um crime.

Sobre a relação de pais e filhos, o autor chama a atenção de que precisamos garantir aos nossos filhos a mesma liberdade que queríamos ter recebido dos nossos pais. Os pais devem dar aos filhos o direito de serem diferentes e sem nenhuma obrigação. Eles não estão aqui para tomarem conta de nós. E, às vezes, sentimos que não fomos os pais perfeitos e não conseguimos protegê-los das provações da vida. O desejo de controlar, de fazer com que eles vivam nossa vida incompleta, que sigam nosso sistema de valores, não é amor, é narcisismo e dificulta a jornada deles.

Libertar nossos filhos durante a passagem do meio não é apenas útil para eles, mas também necessário para nós, uma vez que libera energia para nosso próprio desenvolvimento.

No âmbito profissional, o autor diferencia emprego de vocação, sugerindo que, na meia-idade, muitos buscam um significado mais profundo em suas carreiras. Essa busca pode levar a mudanças significativas, onde a realização pessoal se torna mais importante do que a segurança financeira. 

Às vezes, é preciso renunciar a segurança material, por mais assustador que seja, para irmos ao encontro de uma pessoa mais ampla que somos chamados a ser. A alma tem suas necessidades que não são atendidas por contracheques e privilégios.

Em resumo, “A Passagem do Meio” nos guia por um processo de autoconhecimento e reflexão, mostrando que a segunda metade da vida pode ser rica e significativa. O livro nos convida a abraçar essa fase como uma oportunidade de crescimento e transformação, permitindo que nos tornemos a melhor versão de nós mesmos.

 

Ficha Técnica

Titulo: A passagem do meio: da miséria ao significado da meia-idade

Autor: James Hollis

Tradução: Claudia Gerpe Duarte

Editora: Paulus

Ano: 1995

Páginas: 172

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