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Terapia em dia não é sinônimo de saúde mental: Uma análise sobre o conteúdo Prapretoler

Fonte: Instagram Prapretoler

Atualmente, fazer terapia se tornou sinônimo de resolução de todo e qualquer tipo de problemas ou sofrimento. Dita-se que tudo se resolve com terapia, mas não é bem assim. Há muito para além da terapia: existem contextos, e mais contextos em que o paciente precisará muito mais do que acompanhamento psicológico. Começando do mais primordial que é ter suas necessidades básicas atendidas: segurança alimentar, moradia e pertencimento. Além desses fatores, há o contexto sociocultural no qual os indivíduos estão inseridos, que não acolhe todas as suas singularidades e diversidades que é ditado pela classe dominante e não abarca todas as subjetividades. Nesse contexto, desabrocha o sofrimento, pois vive-se em um estado constante de sobrevivência, inadequação e precariedade.

Afirmar que terapia é suficiente para lidar com todo sofrimento é culpabilizar o sujeito por fracassos que estão intrinsecamente ligados à sua situação socioeconômica, à sua falta de oportunidades e acesso a garantia de seus direitos, e até o seu apagamento por falta de representatividade estética e cultural. Então uma mudança de comportamento ou um pensamento positivo não será o suficiente para lidar com esse sofrimento. Neste cenário sabemos que as condições não corroboram para que o sujeito tenha a oportunidade de um bom desempenho.

 “O sofrimento existencial muitas vezes é tido como subjetivo ou particular, podendo ser resolvido com mudanças comportamentais. Mas é fato que o contexto e o território têm muita influência no desempenho individual, criando condições favoráveis ou desfavoráveis.” (Borges; Gomes, 2024).

Um cotidiano marcado por opressões, violências, precariedade, vulnerabilidade e violações de direitos não se resolve em sessão de terapia, é preciso pensar o indivíduo em seu contexto específico de vida. Quando tornamos a terapia um único dispositivo possível para solucionar e elaborar o sofrimento, estamos a universalizando e a aplicando como se coubesse a todos os seres humanos de forma única. Este pensamento já é parte do problema, pois ao padronizar e normatizar o ser humano, negligencia-se as diversas subjetividades. Este ato é realizado pela branquitude, que coloniza toda e qualquer forma de pensamento que se distancie da sua “norma culta”. A visão neoliberal individualiza o campo da saúde mental, coloca o indivíduo como o único responsável pelo bem-estar e manutenção da sua saúde mental. Por isso, o processo terapêutico passa a ser vazio de sentido, implicado apenas de uma prática colonialista e violência simbólica.

Fonte: Freepik

É preciso pensar o sujeito na sua complexidade e multiculturalidade, reduzindo o paradigma de que existe um sujeito padrão, do qual se extrai a média dos demais. Cada ser humano é único em sua subjetividade, legitimidade e formas de existir. Por mais que se desenvolva técnicas e protocolos, jamais devemos tomar como única métrica para se desenhar todos os comportamentos e formas de existir. A relatividade contextual, o “depende”, devem ser eixos norteadores, pois: depende do contexto, do ambiente, da cultura, da raça, do gênero e da classe social a qual o ser humano é atravessado. Todos os marcos interseccionais, por tanto, a clínica deve ser pensada a: 

“Considerar a pertença racial de todo sujeito em sofrimento, ainda que não seja uma temática de interesse do paciente, pois compreende que ela é um dos elementos que estruturam as dimensões biopsicossocial do indivíduo. É uma clínica atenta ao cotidiano, com vista a identificar crenças e valores que fortalecem um referencial de humano universal, que na verdade tem, raça, gênero e classe. É uma prática que se confronta diariamente com a solidão dos múltiplos abandonos e privilégios experimentados pelas diferentes categorias raciais no Brasil” (Borges; Gomes, 2024). 

Assim, quebrando paradigmas de universalidade e hegemonia que circundam o fazer clínico que enquadra e rotula todos os sofrimentos. É estando sensível ao ser humano único que chega a você, é tornando sua escuta apurada e livre, é desconstruindo certezas, é resistir e renunciar o lugar do suposto saber mais sobre o outro por ocupar o espaço do poder, do detentor do conhecimento, é saber ler o sofrimento e compreender em que crenças e valores eles estão estruturados, é quebrar a ideia de ser humano universal, é ouvir para além dos estereótipos, é emancipar o saber psicológico, torna-lo capaz de atender todas as camadas sociais e culturais é:

“A psicologia precisa assumir seu passado-presente como operadora da colonização das subjetividades enquanto ciência da norma, que nada mais é do que as formas hegemônicas (brancura, cisgeneridade, masculinidade, heterossexualidade, magreza e etc.) convertidas norma de saúde. Para além de mera culpa, a psicologia precisa fazer seu compromisso ético-político e se divorciar da norma como baliza ontológica e etiológica! Não adianta ter discurso alinhado e prática violenta! Afinal, há violências que são cometidas com voz suave e palavras doces. Denunciar a norma como produtor de sofrimento e violência é fundamental para questionar as práticas de ajustamento que recebem cotidianamente roupagens mais coloridas em eufemismos da gramática psi.” (Miranda,2024).

Por isso é necessário o cuidado para não cair na cilada de afirmar que a clínica é o único dispositivo de manutenção de saúde mental enquanto ferramenta da psicologia, para não a colocar a favor de uma ciência que normatiza, coloniza e violenta diferentes subjetividades, produzida para uma lógica de mercado que desconsidera outras formas e construções de saberes.

Referências 

BORGES, Bárbara, GOMES, Francianai. Nem todo mundo precisa de terapia, algumas pessoas precisam apenas experimentar um cotidiano digno. Bahia. 21 Jul. 2024. Instagram: @prapretoler. Disponível em: <link>. Acessado em 18 set. 2024.

BORGES, Bárbara, GOMES, Francianai. Não confunda vulnerabilidade socioeconômica com sofrimento existencial. Bahia. 21 Jul. 2024. Instagram: @prapretoler. Disponível em: <link>. Acessado em 18 set. 2024.

MIRANDA, Deivison. (sem título). Bahia. 20 Ago. 2024. Instagram: @deivisonmiranda_. Disponível em: <link>. Acessado em 18 set. 2024.

 

 

 

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