Atualmente, fazer terapia se tornou sinônimo de resolução de todo e qualquer tipo de problemas ou sofrimento. Dita-se que tudo se resolve com terapia, mas não é bem assim. Há muito para além da terapia: existem contextos, e mais contextos em que o paciente precisará muito mais do que acompanhamento psicológico. Começando do mais primordial que é ter suas necessidades básicas atendidas: segurança alimentar, moradia e pertencimento. Além desses fatores, há o contexto sociocultural no qual os indivíduos estão inseridos, que não acolhe todas as suas singularidades e diversidades que é ditado pela classe dominante e não abarca todas as subjetividades. Nesse contexto, desabrocha o sofrimento, pois vive-se em um estado constante de sobrevivência, inadequação e precariedade.
Afirmar que terapia é suficiente para lidar com todo sofrimento é culpabilizar o sujeito por fracassos que estão intrinsecamente ligados à sua situação socioeconômica, à sua falta de oportunidades e acesso a garantia de seus direitos, e até o seu apagamento por falta de representatividade estética e cultural. Então uma mudança de comportamento ou um pensamento positivo não será o suficiente para lidar com esse sofrimento. Neste cenário sabemos que as condições não corroboram para que o sujeito tenha a oportunidade de um bom desempenho.
“O sofrimento existencial muitas vezes é tido como subjetivo ou particular, podendo ser resolvido com mudanças comportamentais. Mas é fato que o contexto e o território têm muita influência no desempenho individual, criando condições favoráveis ou desfavoráveis.” (Borges; Gomes, 2024).
Um cotidiano marcado por opressões, violências, precariedade, vulnerabilidade e violações de direitos não se resolve em sessão de terapia, é preciso pensar o indivíduo em seu contexto específico de vida. Quando tornamos a terapia um único dispositivo possível para solucionar e elaborar o sofrimento, estamos a universalizando e a aplicando como se coubesse a todos os seres humanos de forma única. Este pensamento já é parte do problema, pois ao padronizar e normatizar o ser humano, negligencia-se as diversas subjetividades. Este ato é realizado pela branquitude, que coloniza toda e qualquer forma de pensamento que se distancie da sua “norma culta”. A visão neoliberal individualiza o campo da saúde mental, coloca o indivíduo como o único responsável pelo bem-estar e manutenção da sua saúde mental. Por isso, o processo terapêutico passa a ser vazio de sentido, implicado apenas de uma prática colonialista e violência simbólica.
Fonte: Freepik
É preciso pensar o sujeito na sua complexidade e multiculturalidade, reduzindo o paradigma de que existe um sujeito padrão, do qual se extrai a média dos demais. Cada ser humano é único em sua subjetividade, legitimidade e formas de existir. Por mais que se desenvolva técnicas e protocolos, jamais devemos tomar como única métrica para se desenhar todos os comportamentos e formas de existir. A relatividade contextual, o “depende”, devem ser eixos norteadores, pois: depende do contexto, do ambiente, da cultura, da raça, do gênero e da classe social a qual o ser humano é atravessado. Todos os marcos interseccionais, por tanto, a clínica deve ser pensada a:
“Considerar a pertença racial de todo sujeito em sofrimento, ainda que não seja uma temática de interesse do paciente, pois compreende que ela é um dos elementos que estruturam as dimensões biopsicossocial do indivíduo. É uma clínica atenta ao cotidiano, com vista a identificar crenças e valores que fortalecem um referencial de humano universal, que na verdade tem, raça, gênero e classe. É uma prática que se confronta diariamente com a solidão dos múltiplos abandonos e privilégios experimentados pelas diferentes categorias raciais no Brasil” (Borges; Gomes, 2024).
Assim, quebrando paradigmas de universalidade e hegemonia que circundam o fazer clínico que enquadra e rotula todos os sofrimentos. É estando sensível ao ser humano único que chega a você, é tornando sua escuta apurada e livre, é desconstruindo certezas, é resistir e renunciar o lugar do suposto saber mais sobre o outro por ocupar o espaço do poder, do detentor do conhecimento, é saber ler o sofrimento e compreender em que crenças e valores eles estão estruturados, é quebrar a ideia de ser humano universal, é ouvir para além dos estereótipos, é emancipar o saber psicológico, torna-lo capaz de atender todas as camadas sociais e culturais é:
“A psicologia precisa assumir seu passado-presente como operadora da colonização das subjetividades enquanto ciência da norma, que nada mais é do que as formas hegemônicas (brancura, cisgeneridade, masculinidade, heterossexualidade, magreza e etc.) convertidas norma de saúde. Para além de mera culpa, a psicologia precisa fazer seu compromisso ético-político e se divorciar da norma como baliza ontológica e etiológica! Não adianta ter discurso alinhado e prática violenta! Afinal, há violências que são cometidas com voz suave e palavras doces. Denunciar a norma como produtor de sofrimento e violência é fundamental para questionar as práticas de ajustamento que recebem cotidianamente roupagens mais coloridas em eufemismos da gramática psi.” (Miranda,2024).
Por isso é necessário o cuidado para não cair na cilada de afirmar que a clínica é o único dispositivo de manutenção de saúde mental enquanto ferramenta da psicologia, para não a colocar a favor de uma ciência que normatiza, coloniza e violenta diferentes subjetividades, produzida para uma lógica de mercado que desconsidera outras formas e construções de saberes.
Referências
BORGES, Bárbara, GOMES, Francianai. Nem todo mundo precisa de terapia, algumas pessoas precisam apenas experimentar um cotidiano digno. Bahia. 21 Jul. 2024. Instagram: @prapretoler. Disponível em: <link>. Acessado em 18 set. 2024.
BORGES, Bárbara, GOMES, Francianai. Não confunda vulnerabilidade socioeconômica com sofrimento existencial. Bahia. 21 Jul. 2024. Instagram: @prapretoler. Disponível em: <link>. Acessado em 18 set. 2024.
MIRANDA, Deivison. (sem título). Bahia. 20 Ago. 2024. Instagram: @deivisonmiranda_. Disponível em: <link>. Acessado em 18 set. 2024.
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Casa das estrelas: O mundo narrado pelo olhar das crianças e uma perspectiva psicológica da experiência infantil
2 de setembro de 2023 talita marques texeira
Livro
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Casa das estrelas: o universo pelo olhar das crianças
“Casa das Estrelas” é uma obra cativante escrita por Javier Naranjo que nos transporta para um mundo de imaginação e criatividade. O livro, composto por neologismo, é um convite para explorar o universo da linguagem de forma lúdica e poética. Naranjo brinca com as palavras e as ideias de maneira única, criando uma atmosfera mágica e nos convida a ver o mundo com olhos de criança. Com sua escrita envolvente e criativa, o autor nos presenteia com um livro que celebra a magia da linguagem e a capacidade sincera das crianças de se expressarem.
Javier Naranjo, um professor e poeta colombiano, ao longo dos anos, coletou definições dadas por seus alunos do primário a palavras, objetos, ideias, lugares e sentimentos. Reunidos no grande sucesso “Casa das Estrelas”, esses pequenos neologismos oferecem uma ampla perspectiva de interpretações, variando entre o poético, o lúdico, o melancólico e o revelador.
A obra apresenta definições singelas, porém profundas, como por exemplo, “poesia”, que é descrita como “É como estar cantando”, ou “amor”, definido como “É quando batem em você e dói muito”. Além disso, os neologismos abordam questões sociais e políticas, como a definição de “guerra” que diz: “Gente que se mata por um pedaço de terra ou de paz”.
“Casa das Estrelas” também revela uma visão crítica e perspicaz das crianças, como na definição de “adulto”: “Pessoa que, em toda coisa que fala, vem primeiro ela.” Através dessas definições, Naranjo nos lembra da desenvoltura e da simplicidade das crianças ao abordar temas complexos, oferecendo uma obra que nos convida a refletir sobre a natureza da linguagem e da sociedade.
Fonte:www.delivroemlivro.com.br
Adulto: Pessoa que, em toda coisa que fala, fala primeiro de si. (Andrés Felipe Bedoya, 8 anos)
“Casa das Estrelas” é uma obra que encanta leitores de todas as idades. É um convite para nos perdermos nas palavras e nos deixarmos levar pela beleza das histórias que habitam o céu noturno. Naranjo nos lembra que a literatura tem o poder de nos transportar para mundos desconhecidos e nos fazer questionar a realidade que nos cerca. É um livro que nos convida a olhar para o céu com uma perspectiva renovada e a encontrar estrelas cadentes em nossos próprios pensamentos; uma obra poética e inspiradora que nos convida a explorar as maravilhas da linguagem e da imaginação.
Em uma perspectiva psicanalítica, a nomenclatura de palavra se dá pela técnica de associação livre, desenvolvida por Freud para que seus pacientes expusesse sem influência do terapeuta seus pensamentos a respeito de uma palavra, dessa forma conteúdos vinha à tona; Já segundo a teoria de Jean Piaget do desenvolvimento psicossocial, as crianças passam por estágios de desenvolvimento cognitivo, cada um com características psicossociais específicas. Durante a segunda infância, a criança está no estágio operacional concreto, onde desenvolve habilidades de pensamento lógico e começa a interagir com os outros de maneira mais cooperativa. Piaget acreditava que o desenvolvimento moral e social se baseia na capacidade cognitiva da criança para compreender as regras e normas sociais. Assim, o desenvolvimento psicossocial na visão de Piaget está fortemente relacionado ao desenvolvimento cognitivo e à interação com o ambiente social.
Parafraseando o conceito de estímulo e resposta em Análise do Comportamento, as palavras são estímulos e sua significação as respostas, que surgem a partir do repertório das crianças, a partir de suas experiências e comunidade verbal, que auxiliam os indivíduos na nomeação de seus eventos privados e sensações corporais. Assim fica possível ver que ao expressar o significado das palavras, as crianças expressam assim como citou Skinner “O fato da privacidade não pode, é claro, ser questionado. Cada pessoa está em contato especial com uma pequena parte do universo contida dentro de sua própria pele.” (1963/1969)
A qualidade do vínculo entre psicólogos clínicos e clientes é um catalisador para mudança terapêutica
De acordo com o ponto de vista de Brandão et al. (2018), a relação terapeuta-paciente está intimamente ligada ao vínculo construído ao longo dos atendimentos realizados pelos profissionais de saúde. Quando há uma relação de confiança de ambas as partes, os resultados podem ser mais satisfatórios”. E conforme traz Mâcedo e Rocha (2015), é por meio desse vínculo formado entre o profissional e paciente que por meio da comunicação entre si, proporcionará um desenvolvimento maior e o que os autores chamam de “encontro autêntico consigo mesmo”.
Mas quais os meios que podem ser utilizados pelos profissionais para que esse processo de vinculação dê certo? Ainda conforme Mâcedo e Rocha (2015), o processo terapêutico é algo único e particular de cada paciente, o que deve ser levado em conta toda a subjetividade do sujeito. Brandão et al. (2018) expõe em seu trabalho a visão de autores que colocam que a postura, comportamentos e até mesmo gestos utilizados podem influenciar no processo. Assim como quando o paciente experimenta atitudes de impaciência, falas de julgamentos ou desqualificação do seu sofrer, atitudes como essas acabam por atrapalhar a criação do vínculo terapêutico, visto que, é necessário acolhimento, respeito e compreensão acerca das demandas daquele sujeito.
“Antônio (2017) propõe cinco princípios centrais que pautam a relação de interagência, são eles: presença, empatia, integralidade, autonomia e corresponsabilidade. (…) a presença, num sentido teórico geral, pode ser compreendida à luz do conceito de atenção plena que é uma postura de curiosidade, abertura e aceitação das experiências do momento presente. Pode se manifestar na disponibilidade mental e de escuta com a interagente, e também envolve aspectos do espaço físico” (Brandão et al. 2018).
Além desses fatores, Jorge (1999) evidencia em seu trabalho que até o local que em que é ofertado o processo, espaço esse, denominado de Setting Terapêutico é algo que gera impacto no processo de vinculação, pois é nesse espaço que será o local de escuta e acolhimento. Ademais, o sigilo profissional é uma atitude de suma importância, independentemente em que situações se encontra.
“(…)sigilo profissional que protege o cliente contra censuras, críticas, represálias. O sigilo, na verdade, é a questão mais elementar da ótica profissional e da civilidade, é o mínimo que se deve ao outro, paciente ou não. O sigilo implica uma conduta prático-moral e uma postura teórico-moral ou ética” (Jorge, 1999).
Trazendo o Código de Ética que rege a profissão do psicólogo, evidencia que “Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional” (Conselho Federal de Psicologia, 2005), mas traz a ressalva de que em situações que são consideradas perigosas para o paciente, há a possibilidade de realizar quebra de sigilo com o intuito de promover proteção para aquele sujeito, como consta no artigo 10.
“Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.
Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias”.
Voltando para o ponto de vista de Jonas (1999), o autor elucida que outra atitude por parte do profissional que ajuda na criação, estabilidade e manutenção do vínculo terapeuta-paciente, se dá pela oferta de um olhar e uma postura empática por parte do profissional. De acordo com o autor, a empatia é “a capacidade de se imergir no mundo subjetivo do outro e de participar de sua experiência, na extensão em que a comunicação verbal e não-verbal o permite”, se tornando até mesmo uma forma de ter “sucesso” nessa relação e/ou maneiras de diminuir os episódios de tentativas de fugas ou desistência do tratamento por parte do paciente.
Jorge (1999) informa que a postura que o profissional utilizará durante o contato com o paciente é importante que se dê de maneira afetiva, pois para ele, apesar de esperar uma postura de neutralidade por parte do terapeuta, o oferecimento de uma postura afetiva se torna mais benéfico sendo “caloroso e recíproco”, mas evidencia que é necessária uma cautela com essas posturas, pois não se sabe até que ponto poderia se tornar um problema.
O autor traz que é esperado como parte do profissional que durante todo o processo, ele apresente a capacidade de atender e responder ao paciente. Sobre o ato de atender, Jorge (1999) salienta que
“Atender é a habilidade que o terapeuta tem ou desenvolve no sentido de ser capaz de comunicar de forma não-verbal e de maneira clara sua disponibilidade e seu interesse pelo paciente, ouvindo-o com atenção, de maneira silenciosa, preparando para ele um ambiente seguro e adequado para as ações que ali se desenvolverão. Oferecendo ajuda corporal quando for o caso, olhando-o frente a frente, chamando-o pelo nome, colocando-se de prontidão de maneira discreta para atendê-lo, observando com persistência e afabilidade seu comportamento quanto aos seus interesses, sentimentos, carências e desejos”.
Enquanto o responder ele subdivide em: responder ao conteúdo, ao sentimento, e ao conteúdo e sentimento. O responder ao conteúdo é a capacidade do profissional em compreender nas falas/queixas expostas pelo paciente o porquê procurou por auxílio e nesse ponto o que influenciará, conforme o autor, é a capacidade de escuta daquele terapeuta. Já o responder ao sentimento, Jorge (1999) explica que seria a capacidade do terapeuta em perceber e compreender de forma clara o que está realmente sendo exposto pelo paciente e o responder ao conteúdo e sentimento, o autor pontua que é a junção das habilidades de “responder ao conteúdo e responder ao sentimento”, pois com esse item, o profissional consegue compreender a maneira e o motivo pelo qual o sujeito encontra-se em estado de sofrimento.
Quando esse vínculo terapeuta-paciente é formado e é ofertado ao paciente um profissional, que Mâcedo e Rocha (2015) colocam como um terapeuta real, que o aceita e compreende-o de acordo com suas particularidades, consegue gerar no próprio paciente a capacidade dele em se escutar, respeitar e conseguir aceitar-se. Sobre esse processo de mudanças no paradigma do paciente e os efeitos que geram, os autores Mâcedo e Rocha (2015), trazem a visão de Carl Roges (1997, p. 43) que diz que
“Então o outro individuo na relação: experienciará e compreenderá aspectos de si mesmo que havia anteriormente reprimido; dar-se-á conta de que está se tornando mais integrado, mais apto a funcionar efetivamente; tornar-se-á mais semelhante à pessoa que gostaria de ser; será mais autodiretivo e autoconfiante; realizar-se-á mais enquanto pessoa, sendo mais único e autoexpressivo; será mais compreensivo, mais aceitador com relação aos outros; estará mais apto a enfrentar os problemas da vida adequadamente e de forma mais tranquila”.
Quando esse vínculo terapeuta-paciente se dá de maneira positiva, traz como consequência um processo terapêutico significativo e com espaço para promover o crescimento, tornando o sujeito autônomo e independente, assim como sugere Mâcedo e Rocha (2015), complementando que
“Caminhar para o crescimento, é focar nas potencialidades do indivíduo e no que de melhor ele apresenta, e não no sintoma e no problema que por vezes o nomeia. (…) é possível citar palavras que significam terreno fértil para o crescimento: confiança, aceitação, respeito, não julgamento, responsabilidade etc. A terapia é o encontro de duas pessoas que procuram atingir níveis mais altos da sua existência, descobrindo no caminhar ausência e presença de recursos que impulsionam o desenvolvimento de si mesmos, através da descoberta do que cada um traz consigo”
Ainda sob os efeitos que a relação terapeuta-paciente proporciona, pode-se levar em consideração o ponto de vista de Lima (2007) onde expõe que “o papel do terapeuta como agente reforçador, no contexto supracitado, é primordial para promoção e manutenção de uma relação interpessoal de ajuda, com a finalidade de viabilizar mudanças no processo terapêutico”. Assim sendo, pode-se concluir que ao adentrar em um processo terapêutico se faz necessário a promoção de um espaço de escuta, acolhimento, respeito para que seja possível a criação e fortalecimento do vínculo necessário para esse processo, pois como evidenciado nos autores utilizados, a relação terapeuta-paciente será um dos gerados de mudanças nos paradigmas dos sujeitos.
Referências
BRANDÃO, Amanda Soares et al. A Relação Terapeuta-Paciente e sua Contribuição à Qualidade da Assistência. CIPEEX, v. 2, p. 1817-1820, 2018.
Código de Ética Profissional do Psicólogo, Resolução n.º 10/05, 2005. ________. Psicologia, ética e direitos humanos. Comissão Nacional de Direitos Humanos.
JORGE, Rui Chamone. A relação terapeuta-paciente. Belo Horizonte: Ed, 1999.
LIMA, Eduardo Rodrigues. O papel da relação terapêutica para o sucesso da terapia. 2007.
MACÊDO, Ícaro Berbert; ROCHA, Marcos Aurélio Lordão. Relação terapêutica: chave para o crescimento. Psicologia. com. pt disponível em: http://www. psicologia. pt/artigos/textos A, v. 855, 2015.
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Mindfulness e Terapia Focada na Compaixão podem ajudar no alívio de sintomas de ansiedade, depressão e estresse em professores
É perceptível que a constante sobrecarga de trabalho ocasiona problemas físicos e mentais. Segundo uma pesquisa promovida pelo site Nova Escola, realizada com 5 mil docentes, apontou que 60% dos professores se queixaram de sintomas de ansiedade, estresse e dores de cabeça. Durante intervenções de grupos terapêuticos, métodos são utilizados para a diminuição desses sintomas, o uso de técnicas como o Mindfulness, Terapia Focada na Compaixão podem ajudar no controle e alívio desses sintomas.
Através da Atenção Plena e da Terapia Focada na Compaixão abordadas pelo método socrático, podem controlar e reduzir quadros de ansiedade, estresse e níveis moderados de depressão. O espaço de discussão é necessário para a humanização dos professores e diminuição das patologias. O fato de poder compartilhar suas inseguranças e medos, faz com que as ansiedades diminuam.
Humanização do trabalho docente
A natureza do trabalho docente é, por si só, complexa e marcada por desafios. É recorrente, na literatura da educação, abordar a natureza do trabalho docente sem uma articulação com as condições de vida, trabalho e saúde mental do sujeito que o realiza: o professor. Ansiedade, depressão, desesperança, estresse crônico e síndrome de Burnout são os distúrbios mais listados quando se refere ao adoecimento dos professores da Educação Básica (CNTE, 2021; Nascimento e Seixas, 2020). Além dos sintomas de saúde mental, também é comum encontrar danos físicos, tais como: problemas nas cordas vocais, lesão por esforço repetitivo e doenças do aparelho respiratório. Esse quadro aponta danos sociais, posto que indicam ausência de condições efetivas de aprendizagem de todos, em especial, as crianças. É possível que, se houver um cruzamento com o baixo desempenho das crianças em avaliações externas, se encontre uma possível raiz/origem das condições adversas nas quais ocorrem as relações sociais no interior das escolas.
Por ocasião do risco de perda do direito especial de aposentadoria, vinte e cinco anos de efetivo exercício como professor, a pauta da saúde do trabalhador da educação passou a ocupar lugar na luta sindical com a realização de pesquisa sobre o levantamento da saúde do profissional de educação. Os resultados surpreenderam a todos: sindicalistas, pesquisadores e gestores da educação. O adoecimento físico era realidade visto o quantitativo de licença para tratamento de saúde; mas a pesquisa, à época, trouxe à luz dados até então obscuros no que se refere à saúde mental do professor (CODO, 2002; CNTE, 2003). Nessa pesquisa, realizada em parceria com a Universidade de Brasília, os elementos que constituem a Síndrome de Burnout, como a exaustão emocional, a perda de envolvimento pessoal e a despersonalização contribuíram, significativamente, para o tema saúde dos trabalhadores da educação ocupar lugar no cenário nacional.
Fonte: Imagem por Freepik
Em busca no google com os descritores “professor” e “adoecimento” encontra-se, aproximadamente 1.100.000 resultados em 0,48 segundos. Ocupar lugar no cenário nacional parece ter sido na multiplicação de estudos que apreendem a realidade do adoecimento do professor e a ampliação dos contratos das Redes de Ensino de Plano de Saúde, porém o quadro só tem se agravado. Em estudo bibliográfico Nascimento e Seixas (0000) afirmam que essa realidade não difere quanto o estabelecimento, se público ou privado, ou o nível de atuação, se Educação Básica ou Superior.
Os professores da Educação Básica perderam o direito à aposentadoria especial de 25 anos. Viveram o isolamento social no contexto da pandemia e as escolas foram fechadas por dois anos. O estudo “Novas formas de trabalhar, novos modos de adoecer” teve como objetivo central conhecer os impactos do trabalho remoto na saúde emocional dos trabalhadores em educação promovido pelo CNTE e os resultados são, de igual mota, aterradores, tais quais já apontados pelas pesquisas publicadas: 24% com depressão, 20% ansiedade e 20% alto nível de estresse; além de transtornos mentais e síndrome de Burnout. Que empresa é produtiva com um quadro de pessoal tão acometido por adoecimento mental? E quando essa “empresa” é uma instituição de ensino, de educação escolar?
O espaço de discussão é necessário para a humanização da categoria e diminuição das patologias. O fato de poder compartilhar suas inseguranças e medos,
faz com que as ansiedades diminuam. Ressalta-se que de maneira geral é dada muita importância a discussão de dados objetivos, homem máquina, produtivo. Porém, são os aspectos subjetivos que evitam explosões e encenações no ambiente de trabalho.
O inventário da saúde do professor realizado pelo CNTE, em parceria com o Laboratório de Psicodinâmica e clínica do Trabalho da UnB, aponta que é necessário o alargamento do diálogo nas relações de trabalho, bem como o compartilhamento de experiências para melhorar as relações pessoais no interior das escolas. No pós pandemia a síntese do inventário aponta que a realidade no interior das escolas pode assim ser sintetizada: “trabalhadores hiperativos, competição exacerbada, descarte dos diferentes, exigências incompatíveis com a realidade, desvalorização das entregas, falta de autonomia, opressão burocrática, disponibilidade plena e flexibilidade total, tomando a máquina como ideal da produtividade humana foram alguns dos sintomas verificados nesse novo modelo de trabalho.” De fato, observa-se que o professor deverá tomar consciência dessas condições e há que se resgatar a consciência sobre sua capacidade de prestar a atenção em si e nas suas próprias sensações para, assim, tomar seu lugar de professor nas relações de trabalho no interior da escola.
Em face a esse grave quadro de adoecimento mental do professor indica-se, a seguir, as técnicas que estão sendo propostas para serem aplicadas em Grupo Terapêutico de professores da Educação Básica.
O que é dinâmica de grupo
O ser, da espécie humana, torna-se ser humano na convivência. Não nasce pronto com os das demais espécies: torna-se. O ser humano sendo um ser social somente existe em função de seus relacionamentos grupais. Segundo Zimerman e Osório (1997) citado por MELO (2014), “todo indivíduo é um grupo na medida em que, no seu mundo interno, há um grupo de personagens introjetados, como os pais, os irmãos entre outros, que convivem e interagem entre si” (p. 01). Desse modo observa-se que para compreendermos o ser humano, devemos estudar sua vida em grupo.
Reunidas em grupo, as pessoas apresentam maior riqueza e complexidade das qualidades da dimensão humana, como a comunicação, por exemplo. O campo do conhecimento sobre a convivência em grupo e de suas relações com os outros grupos e com as instituições mais amplas é denominado dinâmica de grupo. A dinâmica de grupo desenvolveu-se no século XX. ocasião em que, sobretudo, psicólogos e sociólogos passaram a dar um tratamento mais científico ao estudo de grupo (MELO, 2014).
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Kurt Lewin é considerado o fundador da moderna dinâmica de grupo. Com seu trabalho na Universidade de Iowa, por volta dos anos 1940, e, mais tarde, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Lewin estabeleceu esse campo de estudo e atraiu pesquisadores e recursos financeiros para este tipo de pesquisa. Os artigos de Lewin publicados na década de quarenta do século XX e depois reunidos nos livros Teoria de campo em Ciência Social (1965) e Problemas de dinâmicas de grupo (1978), prepararam o terreno para investigações e publicações do pós-guerra.
Para Lewin (1978), um grupo é mais do que a soma de seus membros: consiste numa totalidade dinâmica que não resulta apenas da soma de seus integrantes, tendo propriedades específicas enquanto totalidade, princípio da Escola da Gestalt. Possui estrutura própria, objetivos e relações com outros grupos que atuam no mesmo espaço físico. A essência de um grupo não é a semelhança ou a diferença entre seus membros, mas sua interdependência. Lewin caracteriza um grupo como sendo um todo dinâmico, o que significa que uma mudança no estado de uma das suas partes provoca mudanças em todas as outras.
Nesse sentido, as tentativas com vistas à realização dos objetivos grupais criam no grupo um processo de interação entre as pessoas, que se influenciam reciprocamente e pode haver a produção de novos significados e metas. São esses os resultados que almejamos na proposição deste projeto de intervenção em grupo de professores da Educação Básica com a aplicação das técnicas apresentadas a seguir.
O que é Mindfulness
A tradução para o português significa atenção plena. Cada vez mais é comum não observarmos nossa rotina diária. Às vezes, ao final do dia nem lembramos das atividades realizadas. Isso decorre de um estilo de vida no qual as atividades e ações ocorrem no “piloto automático”, sem a devida atenção do fazer. A técnica da atenção plena, com base no funcionamento fisiológico do ser humano, orienta-nos a dar atenção à prática da consciência sem julgamentos e no momento presente. Afirmam os pesquisadores que a prática diária e cotidiana da atenção plena pode transformar o cérebro humano reduzindo o estresse e liberando a criatividade, portanto, melhorando o desempenho da pessoa como um todo.
Estudos realizados pela Universidade Britânica e Universidade de Tecnologia de Chemnitz(2017) demonstram que a prática da atenção plena promove alterações em duas áreas do cérebro humano, quais sejam: o córtex cingulado anterior localizado ao fundo na região da testa, atrás do lobo frontal. Essa região está associada à autorregulação, ou seja, capacidade de dar direção intencional à atenção e ao comportamento, o que nos leva a suprimir reações automáticas.
Fonte: Imagem por pressfoto no Freepik
A outra região do cérebro que sofre alteração com a prática da atenção plena é o hipocampo, no qual encontrou-se quantidades de massa cinzenta aumentada nos participantes de programas de atenção plena, na pesquisa citada acima. O hipocampo localiza-se no interior da região temporal em cada hemisfério e é parte do sistema límbico, estruturas interiores associadas à emoção e à memória e é coberta por receptores do cortisol, hormônio do estresse. O hipocampo pode ser danificado pelo estresse crônico, tornando-o menor. Essa área é importante para a resiliência, aptidão essencial para os dias atuais estressantes.
Neurocientistas descobriram que a prática da atenção plena afeta áreas do cérebro relacionadas com a percepção, a consciência corporal, a tolerância à dor, a regulação da emoção, a introspecção, o pensamento complexo e o senso de si mesmo.
Mindfulness ou atenção plena é o processo de perceber ativamente coisas novas. Quando você faz isso, se coloca no momento presente. Torna-se mais sensível ao contexto e à perspectiva. Essa é a essência do envolvimento, do engajamento. O processo do Mindfulness é gerador de energia, não consumidor.
O que é Terapia Focada na Compaixão
A Terapia Focada na Compaixão (TFC) enraiza-se em uma análise evolucionista e funcional de sistemas básicos de motivação social (e.g., viver em grupos, formar hierarquias e rankings, buscar parceiros sexuais, ajudar e compartilhar com aliados e cuidar de iguais) e diferentes sistemas emocionais funcionais (e.g., responder a ameaças, buscar recursos e estados de contentamento/segurança).
Além disso, há cerca de 2 milhões de anos atrás, os (pré-)humanos começaram a evoluir uma série de competências cognitivas para a racionalização, reflexão, antecipação, imaginação, mentalização e criação de um senso de self socialmente contextualizado. Essas novas competências podem causar grandes dificuldades na organização de motivações e sistemas emocionais arcaicos.
A TFC sugere que nosso cérebro evoluído é, portanto, potencialmente problemático por conta de seu “design” básico, sendo facilmente induzido a comportamentos destrutivos e problemas de saúde mental (chamamos isso de “cérebro complicado”, “tricky brain”). Contudo, mamíferos e especialmente seres humanos possuem também motivações e emoções evoluídas para o comportamento afiliativo, de cuidado e altruísmo que pode organizar nosso cérebro de maneira a se distanciar significativamente de nossos potenciais destrutivos.(GILBERT, 2014)
Assim, a TFC salienta a importância de desenvolver a capacidade das pessoas de acessar (de maneira mindful), tolerar e direcionar motivações e emoções afiliativas para elas mesmas e os outros, além de cultivar a compaixão interna como uma maneira de organizar nosso “cérebro complicado” de formas pró-sociais e mentalmente saudáveis.
Maiêutica Socrática
A Maiêutica Socrática ou o Diálogo Socrático, refere-se a um questionamento gradual e sistemático sobre uma temática específica, acarretando um eventual debate de paradigmas e conclusões, possuindo como objetivo principal a percepção de lacunas lógicas ou não acuradas.
Segundo Beck et al., (1979); J.Beck, (1997) e Overholser, (1993), os objetivos do questionamento socrático envolvem a obtenção de informações, assim como o conhecimento acerca da demanda. Além disso, abrange a identificação de estratégias de enfrentamento e a identificação de estressores, considerando o funcionamento biológico, psicológico e social. Abrange fomentar a conversão de queixas vagas em problemas concretos, construindo a decisão colaborativa a respeito do enfoque relacionado aos problemas.
Fonte: Imagem por frimufilms no Freepik
Ademais, abrange examinar o significado atribuído pelos integrantes aos eventos e avaliar as consequências de pensamentos, emoções ou comportamentos. Observa-se a identificação de cognições específicas associadas a emoções ou comportamentos disfuncionais, assim como a avaliação das auto verbalizações dos integrantes. Segundo Arlinda dos Santos Melo (2012), na medida em que o paciente identifica questões para as quais desconhece as respostas, pode se motivar a aprender e tentar descobrir soluções para as suas dificuldades.
Considerações finais
É importante um olhar crítico para a saúde mental do professor em adoecimento psíquico. Entender que questões psicológicas e emocionais afetam ações do cotidiano é necessário para que uma intervenção terapêutica seja aplicada, a fim de promover uma saúde mental equilibrada do sujeito para que dessa forma sintomas psíquicos sejam aliviados. Sintomas de ansiedade, depressão e estresse têm aumentado em níveis alarmantes, compreender que um plano de ação precisa ser implantado, pode evitar um sofrimento psíquico maior, que pode ocasionar em outros sintomas.
Observa-se que com os conhecimentos adquiridos e os resultados advindos do bem estar proporcionado com a prática das técnicas aplicadas, possam corroborar aos participantes, em alguma medida, a ressignificação do estilo de vida, propiciando o autoconhecimento e desenvolvendo uma postura empática se empenhando em tornar as relações de trabalho menos conflitivas e pesadas. A intervenção em grupo terapêutico com professores é fundamental para psicoeducação e para contribuir com a diminuição desses quadros de sintomas psicológicos, consequentemente, refletindo em uma melhor qualidade no ensino e na aprendizagem dos estudantes.
Referências
BRUM, Eliane. Exaustos-e-correndo-e-dopados. Jornal Online El País Brasil. Publicado em 4 de julho de 2016. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/. Acesso em: 02 de maio de 2022.
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Restringir a alimentação ou passar por períodos de compulsão e purgação podem ser sinais de um transtorno alimentar. Se não tratados, os distúrbios alimentares podem ter efeitos devastadores na saúde mental e física do indivíduo.
“O Mínimo para viver”, tradução do filme “To the Bone”, é um filme lançado na Netflix em 2017 que mostra a história de Ellen sobre a luta contra a anorexia e o sofrimento que surge com esse transtorno alimentar.
O filme conta que Ellen abandonou a faculdade e está lutando para concluir o tratamento hospitalar para seu diagnóstico e, como resultado, volta a morar com o pai e a madrasta. A história segue Ellen através de seu processo de tratamento, que é auxiliado por familiares próximos, amigos e terapeutas que querem ajudá-la a continuar progredindo nessa busca pela cura. Este filme captura o impacto psicológico que a anorexia pode ter na pessoa e também na sua rede de apoio. Ele fornece uma visão sob a ótica do paciente, e seus pensamentos e sentimentos experimentados durante o diagnóstico e o tratamento do transtorno.
Após diversas internações e tratamentos frustrados Ellen conhece o médico Dr. William Beckham (Keanu Reeves), famoso pelo seu método nada comum de tratar doenças como a dela. Depois de se convencer que o tipo de tratamento que ele oferece é sua melhor e talvez até sua última opção, Ellen começa a frequentar a clínica de Beckham, um lugar diferente, mais confortável e com ares de lar, onde ela divide o teto com outros seis pacientes.
A trama demonstra a complexidade da doença, e todas as nuances que a envolvem. Não se trata apenas de voltar a se alimentar normalmente. Como em uma relação de causa e efeito, outras enfermidades podem surgir em decorrência da anorexia, desde o mal funcionamento de órgãos à osteoporose.
A decepção consigo mesma é repetidamente vivida no corpo, entre comer e vomitar, controlando severamente e castigando seu corpo nos exercícios doloridos, para conseguir um pouco de alívio no seu sofrimento psíquico.
Fonte: encurtador.com.br/finLP
A Anorexia Nervosa (AN) é um transtorno alimentar (TA) caracterizado pela auto-inanição, ou seja, é a própria pessoa provocar um estado de debilidade extrema por falta de alimentação que leva o corpo a consumir os seus próprios tecidos para obter as calorias necessárias para se manter vivo, degradando órgãos, músculos e gordura corporal. Se caracteriza também pela preocupação exacerbada da forma física e um medo extremo de comida.
A Anorexia Nervosa tem sido associada a vários fatores de risco e manutenção de transtornos. Os fatores de risco são quaisquer situações que aumentem a probabilidade de ocorrência de uma doença ou agravo à saúde. Os fatores de manutenção predizem persistência de sintomas versus remissão ao longo do tempo em indivíduos já sintomáticos para um transtorno.
Em algumas cenas durante o filme, Ellen contava as calorias presentes na comida que estava em seu prato além de mostrar ela fazendo abdominais e medindo o braço para verificar se ela conseguia fechar a mão ao redor do bíceps. A menção ao uso de laxantes também aparece, além de mostrar a rotina da instituição na qual ela estava fazendo tratamento, com altos e baixos, recaídas e a real dificuldade do tratamento.
Estas cenas demonstram como a anorexia não só reflete na saúde física de alguém, como impacta muito a saúde mental do indivíduo, e tal fator é determinante no curso da doença. Como citado anteriormente, além da alteração física, há o medo de ganhar peso e alteração da imagem corporal e da consciência sobre o transtorno. Os pensamentos a respeito do problema influenciam fortemente na manutenção do transtorno, pois a pessoa se olha no espelho e enxerga alguém gorda ou que não está suficientemente magra, e não há evidências externas que façam a pessoa se convencer do contrário.
Nesses casos a tendência de o sujeito com anorexia falar que está com tudo sob controle ou de negar a doença é alta. Geralmente a busca por tratamento acontece já em um estado avançado e os prejuízos já estão muito acentuados.
O filme também enfatiza como é essencial a participação da família na prevenção e no curso do tratamento. É importante que os familiares estejam alinhados sobre o transtorno para o sucesso neste processo.
No caso da família da personagem principal, o filme mostrou as dificuldades que eles tinham de lidar com o transtorno. A mãe não suportou o quadro da filha e fez com que Ellen se mudasse para a casa do pai o qual é ausente e aparentemente irritado, tenta constantemente se manter alheio de todas as situações, encontrando pretextos para não se encontrar com a filha e não comparecer à terapia familiar.
A madrasta e a irmã são as mais presentes e as que mais encorajam o tratamento de Ellen, porém ambas (assim como a mãe também), fazem menções inadequadas que atingem ela, como por exemplo falar constantemente sobre como sua aparência está, e falas que não contribuem como “coma Ellen” e “se você morrer eu te mato”.
Fonte: encurtador.com.br/uwDGQ
A Terapia Cognitivo Comportamental tradicionalmente se concentra em relatos baseados em sintomas, sugerindo que tanto o controle quanto a supervalorização do peso e forma física mantêm a AN. A TCC se baseia em dois princípios: o primeiro diz que nossas cognições têm influência sobre o nosso comportamento; o segundo refere-se ao fato de que o modo como agimos afeta nossas emoções e pensamentos.
Algumas características em relação à AN podem incluir: perfeccionismo clínico, baixa autoestima, intolerância ao humor e dificuldades interpessoais como focos adicionais de tratamento.
O tratamento pode conter diversas complicações, com probabilidade de recaídas, já que o fator psicológico tem muita influência, como ilustrado no filme. Utilizando técnicas cognitivas e comportamentais, a TCC busca aumentar a motivação para a mudança, aumentar diretamente o ganho de peso ao mesmo tempo em que aborda preocupações com peso e forma e se prepara para contratempos para manter os ganhos obtidos a longo prazo. A TCC também é importante para o trabalho da imagem corporal e dos padrões estéticos que são muito elevados nas pessoas com AN.
Dentre alguns objetivos, levar o paciente a desenvolver um padrão regular e flexível de alimentação é um grande passo na recuperação da saúde e bem estar deste indivíduo. E este resultado está intimamente ligado ao surgimento de um indivíduo com capacidade de tomar consciência, dar sentido, regular, aceitar, expressar e transformar a experiência emocional, usando-a de forma flexível e adaptativa para se conhecer, buscar formas saudáveis de agir consigo mesmo, nos seus relacionamentos e no mundo.
FICHA TÉCNICA
Título: O Mínimo para Viver Dirigido por: Marti Noxon Data de Estreia: 22 de janeiro de 2017 Duração: 107 minutos Classificação: 14 anos Gênero: Comédia/Drama País de Origem: EUA
REFERÊNCIAS
NARDI, Helena Beyer; MELERE, Cristiane. O papel da terapia cognivo-comportamental na anorexia nervosa. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, São Paulo, v. 16, 2014. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55452014000100006. Acesso em: 31/05/2022.
VTM Neurodiagnóstico. Tratamento para anorexia e o filme “O Mínimo Para Viver”. Disponível em: https://vtmneurodiagnostico.com.br/cine_psiconeurologia/tratamento-para-anorexia-e-o-filme-o-minimo-para-viver/. Acesso em: 2/06/2022.
DESENVOLVIVER. O mínimo para viver: conscientizações e problematizações. Disponível em: https://desenvolviver.com/psicoterapia/o-minimo-para-viver-conscientizacoes-e-problematizacoes/#:~:text=%E2%80%9CO%20m%C3%ADnimo%20para%20viver%E2%80%9D%20%C3%A9,a%20realidade%20que%20este%20mostra.. Acesso em: 02/06/2022.
FRONTEIRAS PSICOLOGIA. Anorexia Nervosa e um Eu Emocional Perdido: Uma Formulação Psicológica do Desenvolvimento, Manutenção e Tratamento da Anorexia Nervosa. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2019.00219/full#F1. Acesso em: 31 mai. 2022.
Em 1929, Carl Gustav Jung publicou o texto “Os problemas da psicoterapia moderna”, para o Anuário Médico Suíço o texto. Nele, que mais tarde veio compor o quinto capítulo do décimo sexto livro de suas obras completas: “A prática da psicoterapia”, Jung fala sobre as etapas do processo terapêutico, que em seu modelo teórico, teriam quatro fases. O presente texto é um resumo deste trabalho.
Na tentativa de englobar a psicanálise de Freud, a psicologia individual de Adler e outras tendências no campo da psicologia complexa, Jung entende o processo psicoterapêutico como um percurso que passa por diferentes momentos, e que em cada um deles, os diversos campos da psicologia podem contribuir para o processo.
“Devido à extrema diversidade das tendências da nossa psicologia, é imenso o esforço que temos que fazer para sintetizar os pontos de vista. Faço, portanto, esta tentativa de dividir as propostas e o trabalho, em classes, ou melhor, em etapas” (JUNG, 2013, § 122).
Segundo Jung (Ibid., § 123), “As origens de qualquer tratamento analítico da alma estão no modelo do sacramento da confissão.” Essa etapa passa pelo processo do sujeito se ver com seus segredos, que, diante do surgimento da parte oculta do psiquismo, devido à invenção da ideia do pecado, o segredo, a “coisa recalcada”, passa a ter um efeito deletério para a alma.
“O possuir um segredo tem o mesmo efeito do veneno, de um veneno psíquico que torna o portador do segredo estranho à comunidade” (Ibid., §124).
Apesar do segredo, em doses baixas, ser salutar, por fazer um serviço à construção da individualidade, aquele que fica por demais restrito ao indivíduo, sem compartilhamento, pode ser destrutivo. Para Jung (Ibid., § 125), “este tem o mesmo efeito da culpa, segregando seu infeliz portador do convívio com os demais seres humanos.” Quando elevado a um nível radical, ele pode se tornar oculto até ao próprio sujeito. O conteúdo secreto já não é conscientemente encoberto, mas é oculto até perante si mesmo, e com isso separa-se da consciência na forma de um complexo autônomo, formando uma espécie de psique fechada, cuja fantasia desenvolve uma atividade própria, perturbando a atividade consciente.
Outra forma de contenção deletéria exercida é a dos afetos:
“O afeto contido, do mesmo modo que o segredo inconsciente atua como fator de isolamento e perturbação, e provoca sentimento de culpa. A natureza não nos perdoa, por assim dizer, quando, ao guardarmos um segredo, passamos a perna na humanidade. Do mesmo modo, ela nos leva a mal, quando ocultamos as nossas emoções aos nossos semelhantes” (Ibid., § 130).
Sendo o segredo e a contenção de ordem exclusivamente pessoal danosos para a alma, a natureza reage, enfim, por meio da doença.
“Esconder sua qualidade inferior, bem como viver sua inferioridade, excluindo-se, parece que são pecados naturais. E parece que existe como que uma consciência da humanidade que pune sensivelmente todos os que, de algum modo ou alguma vez, não renunciaram à orgulhosa virtude da autoconservação e da autoafirmação e não confessaram sua falibilidade humana. Se não o fizerem, um muro intransponível segregá-los-á, impedindo-os de se sentirem vivos, de se sentirem homens no meio de outros homens” (Ibid., § 132).
Esta etapa da confissão, dá ensejo para as primeiras descobertas da psicanálise. A catarse, que visa à confissão completa, não se limita a uma constatação intelectual dos fatos pelo pensamento, como também à liberação dos afetos contidos, “à constatação dos fatos pelo coração” (Ibid., 134).
Devido ao fato de que nem sempre é possível promover uma aproximação do paciente ao seu inconsciente, ao ponto de eles conseguirem perceber sua sombra através do método catártico, a prática da psicoterapia não pode se limitar a esse método. São muitos os indivíduos que são fervorosamente ligados ao seu consciente, não cedendo ao recuo dela e, portanto, não recorrem ao inconsciente. Nesse caso, se exige uma técnica toda especial para a aproximação do inconsciente (Ibid.).
Também há o fato de a catarse promover uma diminuição dos sintomas, porém não oferecer uma compreensão por parte do paciente dos processos que ocorrem em sua dinâmica psíquica, podendo gerar outras situações adversas, como o apego do paciente em relação ao psicoterapeuta, necessitando sempre do seu auxílio com o mesmo método, ou o apego ao seu próprio inconsciente, gerando uma fixação nociva em relação a ele (Ibid.).
Por isso, torna-se necessária a segunda etapa da psicoterapia: a compreensão. Para tanto, se dá atenção primeiramente às fixações, seguindo o método psicanalítico de Freud. Nos casos de dependência do terapeuta, se constata que esse vínculo corresponde, em sua natureza, à relação pai-filho, ou seja, um tipo de relação infantil que não se consegue evitar. Tratando-se de uma formação neurótica, um novo sintoma desencadeado pelo próprio tratamento, “FREUD acertou ao batizar esse sintoma de transferência” (Ibid., § 139).
“Enquanto o método catártico, em sua essência, devolve ao eu conteúdos que normalmente deveriam fazer parte do consciente, o esclarecimento da transferência faz com que venham à tona conteúdos que, naquela forma, jamais teriam tido condições de se tornarem conscientes. Em princípio, é esta a diferença entre as etapas da confissão e do esclarecimento” (Ibid., § 141).
Já em outros casos, o sujeito, ao invés de se fixar ao terapeuta, se fixa às representações das fantasias do próprio inconsciente, e nele se emaranham. Este fato, revela que ele ainda se encontra em estado de identificação com os pais, lhe conferindo autoridade, independência e espírito crítico, o que lhe faz opor resistência à catarse.
“Aquilo que o paciente transfere para o médico tem que ser interpretado, isto é, deve ser esclarecido. Uma vez que o próprio paciente nem sabe o que está transferindo, o médico é obrigado a submeter a uma análise interpretativa todos os fragmentos disponíveis da fantasia do paciente” (Ibid., § 144).
Com o processo de esclarecimento das origens da fixação, o paciente, se deparando com a infantilidade e inutilidade de sua posição, desce a um nível mais modesto e de relativa insegurança, podendo gerar efeitos salutares. Pode também o fazer perceber que sua necessidade de fazer exigências ao outro é produto de um comodismo infantil, que deve ser substituído por uma maior responsabilidade pessoal (Ibid.).
“Armado da convicção de sua própria insuficiência, lançar-se-á à luta pela existência, a fim de ir consumindo em trabalhos e experiências progressivas todas aquelas forças e aspirações que até agora o tinham levado a agarrar-se obstinadamente ao paraíso da infância ou, pelo menos, a recordá-lo com saudades. As ideias que o nortearão moralmente daqui para a frente serão: adaptar-se normalmente e ter paciência com a própria incapacidade, eliminando as emoções e ilusões, na medida do possível” (Ibid., § 149).
Nesse novo estágio, o indivíduo com forte sensibilidade moral pode, devido sua elaboração, reunir um ímpeto mobilizador suficiente para fazer do processo terapêutico vivenciado um êxito. Isso pode despertar nele forças adormecidas, que poderão intervir favoravelmente em seu desenvolvimento. Porém, em pessoas com parca fantasia moral, tal insight em si pode de nada adiantar. “O método do esclarecimento ou elucidação sempre pressupõe índoles sensíveis, aptas a tirarem conclusões morais, independentes de seus conhecimentos” (Ibid., § 150).
Além disso, nem todas as pessoas podem ser analisadas sobre o espectro unilateral causalista freudiano, “Sem dúvida, todos têm esse aspecto, mas nem sempre é ele que predomina.” (Ibid., § 150). Aqui, adentramos na terceira fase do processo terapêutico: a educação para o ser social.
Há inúmeras neuroses que podem ser mais bem explicados sob o prisma do instinto do poder, idealizado por Alfred Adler, onde o indivíduo “arranja” sintomas para conseguir prestígio fictício, explorando sua neurose. Até mesmo sua transferência e demais fixações servem a sua vontade de poder. Por essa via, Adler visa a psicologia do oprimido ou do fracassado na sociedade, cuja única paixão é a necessidade de prestígio. “Estes casos são neuróticos, porque continuam achando que estão sendo oprimidos, e combatem moinhos de vento com as suas fixações, impossibilitando sistematicamente a consecução dos objetivos que mais almejam” (Ibid., § 151).
A via Adleriana, segue onde para a última etapa. Para além do insight, se faz necessária a educação social, tentando tornar a pessoa normalmente ajustada, mediante todos os recursos da educação. Nessa parte, é possível que haja um certo distanciamento do inconsciente, visto que, visando o ajustamento em vias de adaptação e cura, é desejável que se aparte do lado que carrega as características sombrias e más da natureza humana.
“A educação vem por fim, e mostra que uma árvore que cresceu torta não endireita com uma confissão, nem com o esclarecimento, mas que ela só pode ser aprumada pela arte e técnica de um jardineiro. Só agora é que se consegue a adaptação normal” (Ibid., § 153).
Para satisfazer uma necessidade a mais, transcendendo tudo o que foi feito até então, Jung desenvolveu a quarta fase, e denomina-a como transformação. A finalidade dessa etapa passa pela exigência da alma de alguns sujeitos a tornar-se mais do que simplesmente socialmente ajustados.
“A simples noção de “normal” ou “ajustado” já implica limitar-se à média, que só pode ser sentido como progresso por aquele que, por si, já tem dificuldade em dar conta da sua vida dentro do mundo que o cerca, como, por exemplo aquele que, devido à sua neurose, é incapaz de levar uma existência normal” (Ibid., § 161).
Porém, para as pessoas cuja capacidade é superior ao homem médio, e suas realizações sempre foram mais do que satisfatórias, a ideia da normalidade pode não significar algo satisfatório.
“[…] significa o próprio leito de Procusto, isto é, o tédio mortal, insuportável, um inferno estéril sem esperança. Consequentemente, existem dois tipos de neuróticos: uns que adoecem porque são apenas normais e outros, que estão doentes porque não, conseguem tornar-se normais. (…) a necessidade mais profunda dessas pessoas é, na verdade, poder levar uma vida extranormal” (Ibid., § 161).
O confronto das personalidades do terapeuta e paciente, propicia o encontro de duas realidades irracionais, que, como a mistura de duas substâncias químicas diferentes, geram uma reação transformadora. Tais fenômenos são conhecidos por transferência e contratransferência, onde Jung defende a tese de que:
“De nada adianta ao médico esquivar-se à influência do paciente e envolver-se num halo de profissionalismo e autoridade paternais. Assim, ele apenas se priva de usar um dos órgãos cognitivos mais essenciais de que dispõe. De todo jeito, o paciente vai exercer sua influência, inconscientemente, sobre o médico, e provocar mudanças em seu inconsciente” (Ibid, § 163).
Nessa relação terapeuta-paciente, fatores irracionais promovem uma transformação mútua, sendo decisiva a personalidade do psicólogo ser aquela mais estável e forte. Ele acaba por ser parte integrante do processo psíquico do tratamento tanto quanto o paciente, estando também exposto a influências transformadoras. Segundo o autor, se o terapeuta se fecha a essa influência, ele também perde sua influência – que é inconsciente – sobre o paciente, abrindo uma lacuna em seu campo de consciência, impedindo-o de vê-lo corretamente. É daí que se dá a necessidade de o terapeuta ser obrigatoriamente analisado, exigência feita por Jung e aderida por Freud quando ainda mantinham parceria (Ibid.).
Para Carl Jung, mais importa a personalidade e as condições psíquicas do terapeuta do que, propriamente, as linhas teóricas que ele utilizará no percurso terapêutico. “Você tem que ser a pessoa com a qual você quer influir sobre o seu paciente” (Ibid., § 167).
Ao longo de todo o percurso terapêutico, a relação psicoterapeuta-paciente será aquilo que norteará o tratamento. Dessa forma, para além desse ou daquele constructo teórico, bem como o que o psicólogo acredita ser o método adequado – catarse, educação ou seja lá o que for –, o que promoverá o tratamento será o encontro de duas almas, e, portanto, é muito mais importante preocupar-se com a convicção que o terapeuta tem acerca daquilo que acredita e segue como linha teórica.
Referência:
JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (OC 16/1).
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Como a cirurgia bariátrica mudou minha vida?… Professor compartilha sua experiência
Rodrigo Antonio Magalhães Teixeira, 42 anos, Historiador e Bacharel em Direito, Especialista em História do Brasil e em Educação de Jovens e Adultos integrada a Educação Profissional. Mestre em Educação Profissional. O professor compartilhou com as acadêmicas Ana Laura e Isabela a sua vivência de 4 anos atrás sobre a realização da cirurgia bariátrica, e o impacto dessa decisão nos aspectos biopsicossociais da sua vida.
Fonte: Arquivo Pessoal
En(cena) – A obesidade vem crescendo de forma alarmante no Brasil e em todo o mundo. A cirurgia bariátrica é utilizada para o emagrecimento, o resgate da saúde e melhoria da qualidade de vida, no entanto, é um procedimento que apresenta riscos de complicações pós-operatórias nos aspectos biopsicossociais. Quando que você realizou a cirurgia? Foi um desejo seu ou uma indicação médica inicialmente?
Rodrigo – Primeiramente eu gostaria de agradecer por estar participando desta entrevista. Em relação ao primeiro questionamento, eu fiz a cirurgia há 4 anos exatos, e quanto a questão de ser um desejo ou uma indicação médica, foi realmente uma questão médica. Eu passei por 13 especialistas, e todos eles indicaram a cirurgia bariátrica. E essas indicações foram calcadas em dados científicos, eu estava praticamente com todas as taxas alteradas, estava pré-diabético, já tinha sofrido um infarto aos 33 anos, hoje eu estou com 42, então eu realmente possuía uma série de comorbidades.
En(cena) – As pesquisas e vivências individuais destacam a importância da preparação pré operatória na cirurgia bariátrica, por equipe multidisciplinar, bem como delimitam esta equipe com os mais variados profissionais. Como foi a atuação da equipe e a sua relação com esses profissionais?
Rodrigo – A equipe foi impecável, todos, psicólogos que eu fui, gastroenterologista, tive que ir em hematologista para fazer a questão de riscos cirúrgicos, e todos eles foram extremamente cuidadosos, acolhedores, souberam muito bem conduzir a questão. E todos foram unânimes quanto à questão da necessidade de eu me submeter ao procedimento.
En(cena) – Sabendo da importância do acompanhamento psicológico durante todo o processo de preparação e recuperação do paciente, como foi sua experiência com o profissional da Psicologia que estava inserido na equipe multidisciplinar?
Rodrigo – A psicóloga que me acompanhou se chamava Bárbara, ela teve todo um cuidado, aplicou diversos testes, teve um zelo muito grande em todo o processo. Inclusive explicou a questão dos riscos, principalmente psicologicamente falando, sobre a relação com a comida, a relação do que temos por prazer. Enfim, houve um cuidado muito grande, e eu sou muito grato porque foi indispensável na época.
Fonte: encurtador.com.br/iuQW4
En(cena) – Levando em conta toda a pressão estética presente em nossa sociedade, juntamente com seus padrões, é possível dizer que você como homem também sofre as consequências disso? Se sim, quais?
Rodrigo – Sim, eu faço parte de um corpo, de uma sociedade onde a questão da estética tem um peso, mas pra mim o que realmente pesou foi a questão da saúde, que como eu citei na primeira questão, as taxas alteradas, a mobilidade já estava bem reduzida, com dificuldade inclusive para o emagrecimento, não conseguia fazer isso com aquilo que nós temos como regular. Se eu pudesse mensurar a questão das consequências, por exemplo as roupas, eu não escolhia minhas roupas, as roupas me escolhiam, então ao ter que adquirir uma determinada peça sempre me deixava em uma situação constrangedora.
En(cena) – Avaliando o contexto cirúrgico pelo qual você passou, como pode ser descrita a influência desse processo na sua vida tanto antes quanto agora no pós, houve muitas mudanças? Quais foram elas?
Rodrigo – Se for parar para fazer um balanço, houve mudanças? Sim, muitas. Uma das mais perceptíveis foi a questão da autoestima, foi algo notório, hoje eu me sinto bem comigo mesmo, me sinto bem no meio no qual eu estou, mas também eu tive uma alteração no humor, eu era aparentemente uma pessoa mais alegre mais aberta e eu fiquei mais fechado, mais calado, então isso eu posso mensurar como uma mudança. No fim das contas as mudanças foram mais positivas do que negativas, mas como exemplo negativo, eu desenvolvi uma intolerância a sacarose e tenho síndrome de dumping (ocasionada pela passagem rápida do estômago para o intestino, de alimentos com grandes concentrações de gordura e/ou açúcares, em pacientes submetidos a cirurgias gástricas, como a bariátrica e metabólica, como resultado da alteração anatômica do estômago).
Fonte: encurtador.com.br/vGJMR
En(cena) – Como você percebe suas relações interpessoais antes e após a bariátrica?
Rodrigo – Bom, quanto às relações interpessoais, o meu núcleo familiar e as pessoas mais próximas relatam as mudanças na questão do humor, nas relações secundárias (amigos, colegas) não houve nenhuma alteração drástica. Não que eu tenha ficado mal-humorado, mas sim que eu fiquei mais sério na questão dos posicionamentos.
En(cena) – O que você diria para as pessoas que pretendem passar por esse processo
Rodrigo – Essa questão é bem complexa, porque eu acredito que cada pessoa quando chega, como eu cheguei também a esta fase, essa decisão de se submeter a uma cirurgia bariátrica é porque certamente já passou por outros processos, então assim, a grosso modo o que eu posso dizer é que cada um deve ser juiz de si mesmo. Mas hoje se eu tivesse a oportunidade de tentar outra coisa, outra possibilidade para não fazer a bariátrica, eu tentaria. Porque é uma cirurgia invasiva, hoje eu tenho que tomar vitaminas todos os dias, exige de mim um cuidado com a questão da alimentação, a questão do dumping, então assim, não é cem por cento, melhorou muito, mas aquela ideia de que “meus problemas acabaram, eu não vou ter que fazer mais nada, vai ser uma mágica” isso não existe. Hoje eu estou num processo de lutar contra o reganho, pois sempre existe um reganho, e estou fazendo Funcional e cuidando da alimentação.
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Sessão de Terapia – Nando: impotência sexual como inibição
Sessão de Terapia é uma série brasileira, um drama televisivo original da Globo Play, dirigida e estrelada por Selton Melo. A produção lançada em 2012, ilustra bem o que seria um consultório de psicanálise e acompanha a rotina de um analista e seus analisandos.
A série tem relevante valor pedagógico para os estudantes de psicologia e psicanálise pois as histórias descritas descrevem, muitas vezes, os abstratos e desafiadores conceitos e institutos da obra freudiana entre os quais: transferência; complexo de édipo; inibição sintoma e angústia.
No presente texto apresentaremos uma proposta de como o caso Nando, retratado na 4ª temporada da série, pode ser utilizado para facilitar a compreensão da inibição sexual em Freud.
Nando é um personagem complexo que traz ao telespectador diversos conteúdos relevantes para o estudo e o tratamento dos sofrimentos emocionais na atualidade.
O analisando/paciente é apresentado como sendo um executivo de multinacional, muito bem-sucedido na carreira, que vem apresentando um curioso problema de disfunção erétil, impotência sexual, que por meses o impedira de manter relações sexuais com sua esposa Maria Lúcia.
Para esclarecer a queixa ilustrada, a série indica que as dificuldades de ereção estariam limitadas à específica relação com a esposa, apontando que Nando haveria afastado sintomas físicos após consulta a um urologista, bem como, que este estava apto para outras formas de satisfação sexual (masturbação e até sexo com outras mulheres).
Não havendo causas físicas, ou patológicas, coube a ele buscar apoio profissional para um possível sofrimento psicológico que levava a uma limitação na sua função sexual.
O caso Nando ilustra o conceito freudiano de inibição e, ainda, a distinção proposta pelo autor entre inibição, sintoma e angústia no seu texto de 1926.
Ao propor a psicanálise como cura pela fala, Freud, tinha a linguagem como instrumento e a livre associação como metodologia. Para o autor, deste modo, era relevante indicar as distinções conceituais entre significantes próximos que pudessem gerar confusão acerca de fenômenos parecidos, porém distintos.
Deste modo, a teoria freudiana trata a inibição como a restrição de uma função do corpo, mas que não significa necessariamente algo patológico. Deixando os conteúdos patológicos ligados ao conceito de sintoma (FREUD, p.14).
No texto de 1926, Freud esclarece que “a função sexual está sujeita a muitos transtornos, a maioria dos quais tem o caráter de inibições simples”. (FREUD, p.14). Estas inibições são classificadas como impotência psíquica e, no homem, seria possível identificar os seguintes estágios, além dos distúrbios de natureza perversa ou fetichista:
O afastamento da libido no início do processo (desprazer psíquico), a ausência da preparação física (falta de ereção), a abreviação do ato (ejaculatio praecox), que também pode ser descrita como sintoma, a interrupção do mesmo antes do desfecho natural (ausência de ejaculação), a não ocorrência do efeito psíquico (da sensação de prazer do orgasmo) (FREUD, p.14).
O pai da psicanálise inova ao apontar a ligação entre a inibição, falha da função e a angústia, sofrimento emocional de ordem inconsciente. Para ele, “várias inibições são claramente renúncias à função, pois o exercício desta produziria angústia”.
No seu texto, Freud nota que procedimentos bastante diversos podem perturbar a função, inclusive a função sexual e destaca dentre eles: o afastamento da libido; a piora no cumprimento da função; a dificuldade desta pelo desvio para outras metas; sua prevenção através de medidas de segurança; sua interrupção mediante o desenvolvimento da angústia, quando seu começo não pode mais ser impedido; e, por fim, uma reação a posteriori, que protesta e busca desfazer o acontecido, se a função foi mesmo realizada (FREUD, p.16).
No caso do personagem Nando, em Sessão de Terapia, o desenrolar dos episódios leva a audiência a constatar que uma causa inconsciente para a queixa inicial. A mudança de status de Maria Lúcia no contexto do casamento, que deixou de ocupar o ideal de esposa e mãe submissa muito associada à memória que Nando tinha da própria mãe dele, passando a ganhar mais do que ele, tornando-se uma palestrante e escritora famosa internacionalmente e, ainda, respeitada militante pelo direito das pessoas negras, haveria dado causa a um desejo inconsciente de não fazer sexo com ela e, com isso puni-la, além de ter provocado crise de masculinidade.
Durante as 6 sessões programadas para o personagem, o público vai acompanhando os esforços do analista de promover espaços de fala e livre associação que oportunizassem a Nando reconhecer sua angústia de ser superado por sua esposa em termos profissionais e ressignificar sua posição de masculino construída à luz dos exemplos obtidos ao observar a relação conjugal dos pais na infância, para, com isso, recuperar a funcionalidade plena da sua atividade sexual.
Por fim, vale destacar a relevância deste personagem para os estudos da influência de questões raciais na prática da psicologia e psicanálise. Isso porque, Nando é um homem negro cuja angústia passa pela necessidade de ressignificar o que é ser homem, revisando conceitos machistas, e o que é ser negro, revisando a reverberação inconsciente de experiências de racismo na psique do sujeito e, na construção da sua expressão de masculinidade.
Ano produção: 2012 Dirigido por: Selton Melo Gênero: Drama
Referência:
FREUD, Sigmund. Obras Completas Volume 17, Inibição, sintoma e angústia, O futuro de uma ilusão e outros textos. (1926/1929). Tradução Paulo Cesar de Souza. 1ª Edição. Companhia das Letras. 2014.
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Ansiedade na Pandemia: (En)Cena entrevista psicóloga Samira Brito
A ansiedade é caracterizada como uma sensação desagradável, vaga, cheia de apreensão, medo do novo, tensão, preocupação, angustia que todos os seres humanos experimentam durante a vida em determinadas situações do dia a dia. Já era um fenômeno natural e com a Pandemia, tem agravado esses casos de ansiedade. Para explicar mais sobre esse assunto, entrevistamos a Psicóloga Samira Brito formada na PUC-GO.
(En)Cena – A pandemia pode ter resultado no aumento dos casos de ansiedade? As informações, mensagens e notícias sobre a COVID aumentam a ansiedade? Por quê?
Samira Brito – Sim. Tudo aquilo que foge do nosso controle tem probabilidade de nos assustar. Aquilo que é novo nos assusta. A incerteza assusta. Falar em pandemia é unir a falta de controle, com o novo e o incerto. Quanto mais informações temos, mais vemos o quanto estamos vulneráveis à doença. Não é fácil aceitar a vulnerabilidade.
Fonte: Arquivo Pessoal
(En)Cena – Como lidar com a ansiedade durante a pandemia?
Samira Brito – Entendendo que só podemos controlar o que depende de nós: nossos comportamentos e emoções. Aquilo que não depende cabe a nós aceitarmos e desenvolvermos habilidades de enfrentamento, como autoconhecimento, autocontrole, cuidados com a saúde física e imunológica, se concentrar no momento presente, foco no positivo e nas maneiras de resolver as dificuldades, menos foco nos problemas.
Para controle da ansiedade: aceitar que é só uma ansiedade, não é prejudicial e nem perigosa. Respiração calma e lenta, se conectar a tudo que gera prazer e satisfação (lista de atividades que geram prazer e satisfação), se conectar ao momento presente, questionar os pensamentos negativos (quais provas reais eu tenho de que isso vai acontecer comigo? Se já aconteceu uma vez, qual certeza eu tenho de que vai acontecer de novo?). Importante não lutar contra a ansiedade.
(En)Cena – A ansiedade afeta o sistema imunológico? A alimentação, atividade física e o sono influenciam na redução da ansiedade?
Samira Brito – Sim. De maneira MUITO significativa. Aumentam a sensação de prazer, bem-estar e foco no presente.
(En)Cena – Como identificar a ansiedade? O que acontece durante uma crise?
Samira Brito – Comece avaliando o seu corpo. O que está sentindo? Quais são os sintomas físicos? Está prejudicando alguma área da vida? Interfere no dia a dia? O que você sente é algo que te paralisa? Existe sensação de medo? Durante uma crise de ansiedade o corpo entra em estado de alerta, os músculos enrijecem, o coração dispara, sensação de que aquilo não vai passar. Vontade de fugir daquela situação ou daquele lugar, pensamentos desordenados e negativos.
(En)Cena – Como lidar ou como gerenciar a ansiedade nesse momento de pandemia?
Samira Brito – Aceite a ansiedade no seu corpo; se conecte ao presente; observe o que acontece à sua volta, fora do seu corpo; faça exercícios de respiração (quanto mais calma, melhor); desenvolva ao longo do dia ao mínimo 1 atividade prazerosa; se alimente bem e faça atividade física; tenha pequenas pausas durante o dia para relaxar; se possível, pratique mindfulness.
Fonte: encurtador.com.br/irNY8
(En)Cena – Como saber diferenciar a ansiedade normal da ansiedade patológica?
Samira Brito – Por ser uma emoção saudável e necessária para a nossa sobrevivência, todos nós temos ela escondidinha no nosso corpo. Enquanto nossas ações forem proporcionais às situações, ela é normal. A partir do momento que começam a surgir sintomas que venham a interferir na condução natural do dia a dia, pode ser um indício de que a ansiedade está aumentando. Falta de concentração, diminuição do rendimento pessoal e profissional, relações sociais e familiares prejudicadas, todos sintomas da ansiedade patológica.
(En)Cena – Com a flexibilização do isolamento, muitas pessoas estão enfrentando medo de sair de casa e sofrendo com sentimentos como ansiedade. Quais são as causas desse cenário?
Samira Brito – A falta prolongada de contatos físicos, do toque, dos encontros. Habilidades antes treinadas deixaram de existir. Muitos passaram a viver uma introspecção por obrigação, muitos de repente se viram sozinhos consigo mesmos e sentiram a dor emocional da solidão. O medo de adquirir a doença se tornou mais frequente.
(En)Cena – Quais orientações podemos seguir para reduzir a ansiedade?
Samira Brito – Aceite a ansiedade no seu corpo; se conecte ao presente; observe o que acontece à sua volta, fora do seu corpo; faça exercícios de respiração (quanto mais calma, melhor); desenvolva ao longo do dia ao mínimo 1 atividade prazerosa; se alimente bem e faça atividade física; tenha pequenas pausas durante o dia para relaxar; se possível, pratique mindfulness.
(En)Cena – Como lidar com a ansiedade no luto vivido quando se perde alguém próximo para a COVID?
Samira Brito – Se permitir viver as 5 fases do luto: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Entender que cada um tem sua maneira individual de passar pelo luto e respeitar a SUA maneira de lidar com a dor.
Fonte: encurtador.com.br/CIZ59
(En)Cena – Quando devo procurar um profissional para tratar da ansiedade?
Samira Brito – Se perceber os sintomas surgindo e você não sabe como lidar com eles, mesmo que não chegue a interferir no dia a dia já é importante buscar ajuda.
(En)Cena – Quais técnicas posso utilizar para acalmar uma pessoa que esteja em crise?
Samira Brito – Ensinar a respirar calma e suavemente, ajudar a mudar o foco do que sente no momento para o mundo exterior, observando tudo o que acontece ao seu redor. Aqui, é possível pedir à pessoa que descreva por exemplo tudo o que está vendo, puxar um assunto totalmente aleatório e que seja do entendimento desse indivíduo. Vale oferecer algum alimento que possa aumentar a sensação de bem-estar no corpo ou escutar uma música agradável.
(En)Cena – Quais os impactos no comportamento ou sintomas físicos que a ansiedade pode causar?
Samira Brito – Sensação de morte, sensação de estar paralisado, ao mesmo tempo, agitação interna e motora.
(En)Cena – A pandemia pode agravar os quadros de quem já tem ansiedade patológica?
Samira Brito – Sim. Se já existe o quadro ansioso no indivíduo, aumenta a probabilidade de intensificarem os sintomas, mesmo se estiver em tratamento. Isso porque o ansioso cria expectativas, geralmente negativas.
(En)Cena – Quais os sintomas físicos que a ansiedade pode causar?
Samira Brito – Taquicardia, falta de ar, sudorese, sensação de cansaço, tremores no corpo, tensão muscular, perda ou aumento de peso, náusea.