Mindfulness e Terapia Focada na Compaixão podem ajudar no alívio de sintomas de ansiedade, depressão e estresse em professores

É perceptível que a constante sobrecarga de trabalho ocasiona problemas físicos e mentais.  Segundo uma pesquisa promovida pelo site Nova Escola, realizada com 5 mil docentes, apontou que 60% dos professores se queixaram de sintomas de ansiedade, estresse e dores de cabeça. Durante intervenções de grupos terapêuticos, métodos são utilizados para a diminuição desses sintomas, o uso de técnicas como o Mindfulness, Terapia Focada na Compaixão podem ajudar no controle e alívio desses sintomas.

Através da Atenção Plena e da Terapia Focada na Compaixão abordadas pelo método socrático, podem controlar e reduzir quadros de ansiedade, estresse e níveis moderados de depressão. O espaço de discussão é necessário para a humanização dos professores e diminuição das patologias. O fato de poder compartilhar suas inseguranças e medos, faz com que as ansiedades diminuam.

Humanização do trabalho docente

A natureza do trabalho docente é, por si só, complexa e marcada por desafios. É recorrente, na literatura da educação, abordar a natureza do trabalho docente sem uma articulação com as condições de vida, trabalho e saúde mental do sujeito que o realiza: o professor. Ansiedade, depressão, desesperança, estresse crônico e síndrome de Burnout são os distúrbios mais listados quando se refere ao adoecimento  dos professores da Educação Básica (CNTE, 2021; Nascimento e Seixas, 2020). Além dos sintomas de saúde mental, também é comum encontrar danos físicos, tais como: problemas nas cordas vocais, lesão por esforço repetitivo e doenças do aparelho respiratório. Esse quadro aponta danos sociais, posto que indicam ausência de condições efetivas de aprendizagem de todos, em especial, as crianças. É possível que, se houver um cruzamento com o baixo desempenho das crianças em avaliações externas, se encontre uma possível raiz/origem das condições adversas nas quais ocorrem as relações sociais no interior das escolas.

Por ocasião do risco de perda do direito especial de aposentadoria, vinte e cinco anos de efetivo exercício como professor, a pauta da saúde do trabalhador da educação passou a ocupar lugar na luta sindical com a realização de pesquisa sobre o levantamento da saúde do profissional de educação. Os resultados surpreenderam a todos: sindicalistas, pesquisadores e gestores da educação. O adoecimento físico era realidade visto o quantitativo de licença para tratamento de saúde; mas a pesquisa, à época, trouxe à luz dados até então obscuros no que se refere à saúde mental do professor (CODO, 2002; CNTE, 2003). Nessa pesquisa, realizada em parceria com a Universidade de Brasília, os elementos que constituem a Síndrome de Burnout, como a exaustão emocional, a perda de envolvimento pessoal e a despersonalização contribuíram, significativamente, para o tema saúde dos trabalhadores da educação ocupar lugar no cenário nacional.

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Em busca no google com os descritores “professor” e “adoecimento” encontra-se, aproximadamente 1.100.000 resultados em 0,48 segundos. Ocupar lugar no cenário nacional parece ter sido na multiplicação de estudos que apreendem a realidade do adoecimento do professor e a ampliação dos contratos das Redes de Ensino de Plano de Saúde, porém o quadro só tem se agravado.  Em estudo bibliográfico Nascimento e Seixas (0000) afirmam que essa realidade não difere quanto o estabelecimento, se público ou privado, ou o nível de atuação, se Educação Básica ou Superior.

Os professores da Educação Básica perderam o direito à aposentadoria especial de 25 anos. Viveram o isolamento social no contexto da pandemia e as escolas foram fechadas por dois anos. O estudo “Novas formas de trabalhar, novos modos de adoecer” teve como objetivo central conhecer os impactos do trabalho remoto na saúde emocional dos trabalhadores em educação promovido pelo CNTE e os resultados são, de igual mota, aterradores, tais quais já apontados pelas pesquisas publicadas: 24% com depressão, 20% ansiedade e 20% alto nível de estresse; além de transtornos mentais e síndrome de Burnout. Que empresa é produtiva com um quadro de pessoal tão acometido por adoecimento mental? E quando essa “empresa” é uma instituição de ensino, de educação escolar?

O espaço de discussão é necessário para a humanização da categoria e diminuição das patologias. O fato de poder compartilhar suas inseguranças e medos,

faz com que as ansiedades diminuam. Ressalta-se que de maneira geral é dada muita importância a discussão de dados objetivos, homem máquina, produtivo. Porém, são os aspectos subjetivos que evitam explosões e encenações no ambiente de trabalho.

O inventário da saúde do professor realizado pelo CNTE, em parceria com o Laboratório de Psicodinâmica e clínica do Trabalho da UnB, aponta que é necessário o alargamento do diálogo nas relações de trabalho, bem como o compartilhamento de experiências para melhorar as relações pessoais no interior das escolas. No pós pandemia a síntese do inventário aponta que a realidade no interior das escolas pode assim ser sintetizada: “trabalhadores hiperativos, competição exacerbada, descarte dos diferentes, exigências incompatíveis com a realidade, desvalorização das entregas, falta de autonomia, opressão burocrática, disponibilidade plena e flexibilidade total, tomando a máquina como ideal da produtividade humana foram alguns dos sintomas verificados nesse novo modelo de trabalho.” De fato, observa-se que o professor deverá tomar consciência dessas condições e há que se resgatar a consciência sobre sua capacidade de prestar a atenção em si e nas suas próprias sensações para, assim, tomar seu lugar de professor nas relações de trabalho no interior da escola.

Em face a esse grave quadro de adoecimento mental do professor indica-se, a seguir, as técnicas que estão sendo propostas para serem aplicadas em Grupo Terapêutico de professores da Educação Básica.

 

O que é dinâmica de grupo

O ser, da espécie humana, torna-se ser humano na convivência. Não nasce pronto com os das demais espécies: torna-se. O ser humano sendo um ser social somente existe em função de seus relacionamentos grupais. Segundo  Zimerman e Osório (1997) citado por MELO (2014), “todo indivíduo é um grupo na medida em que, no seu mundo interno, há um grupo de personagens introjetados, como os pais, os irmãos entre outros, que convivem e interagem entre si” (p. 01). Desse modo observa-se que para compreendermos o ser humano, devemos estudar sua vida em grupo.

Reunidas em grupo, as pessoas apresentam maior riqueza e complexidade das qualidades da dimensão humana, como a comunicação, por exemplo. O campo do conhecimento sobre a convivência em grupo e de suas relações com os outros grupos e com as instituições mais amplas é denominado dinâmica de grupo. A dinâmica de grupo desenvolveu-se no século XX. ocasião em que, sobretudo, psicólogos e sociólogos passaram a dar um tratamento mais científico ao estudo de grupo (MELO, 2014).

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Kurt Lewin é considerado o fundador da moderna dinâmica de grupo. Com seu trabalho na Universidade de Iowa, por volta dos anos 1940, e, mais tarde, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Lewin estabeleceu esse campo de estudo e atraiu pesquisadores e recursos financeiros para este tipo de pesquisa. Os artigos de Lewin publicados na década de quarenta do século XX e depois reunidos nos livros Teoria de campo em Ciência Social (1965) e Problemas de dinâmicas de grupo (1978), prepararam o terreno para investigações e publicações do pós-guerra.

Para Lewin (1978), um grupo é mais do que a soma de seus membros: consiste numa totalidade dinâmica que não resulta apenas da soma de seus integrantes, tendo propriedades específicas enquanto totalidade, princípio da Escola da Gestalt. Possui estrutura própria, objetivos e relações com outros grupos que atuam no mesmo espaço físico. A essência de um grupo não é a semelhança ou a diferença entre seus membros, mas sua interdependência. Lewin caracteriza um grupo como sendo um todo dinâmico, o que significa que uma mudança no estado de uma das suas partes provoca mudanças em todas as outras.

Nesse sentido, as tentativas com vistas à realização dos objetivos grupais criam no grupo um processo de interação entre as pessoas, que se influenciam reciprocamente e pode haver a produção de novos significados e metas. São esses os resultados que almejamos na proposição deste projeto de intervenção em grupo de professores da Educação Básica com a aplicação das técnicas apresentadas a seguir.

O que é Mindfulness

A tradução para o português significa atenção plena. Cada vez mais é comum não observarmos nossa rotina diária. Às vezes, ao final do dia nem lembramos das atividades realizadas. Isso decorre de um estilo de vida no qual as atividades e ações ocorrem no “piloto automático”, sem a devida atenção do fazer. A técnica da atenção plena, com base no funcionamento fisiológico do ser humano, orienta-nos a dar atenção à prática da consciência sem julgamentos e no momento presente. Afirmam os pesquisadores que a prática diária e cotidiana da atenção plena pode transformar o cérebro humano reduzindo o estresse e liberando a criatividade, portanto, melhorando o desempenho da pessoa como um todo.

Estudos realizados pela Universidade Britânica e Universidade de Tecnologia de Chemnitz(2017) demonstram que a prática da atenção plena promove alterações em duas áreas do cérebro humano, quais sejam: o córtex cingulado anterior localizado ao fundo na região da testa, atrás do lobo frontal. Essa região está associada à autorregulação, ou seja, capacidade de dar direção intencional à atenção e ao comportamento, o que nos leva a suprimir reações automáticas.

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A outra região do cérebro que sofre alteração com a prática da atenção plena é o hipocampo, no qual encontrou-se quantidades de massa cinzenta aumentada nos participantes de programas de atenção plena, na pesquisa citada acima. O hipocampo localiza-se no interior da região temporal em cada hemisfério e é parte do sistema límbico, estruturas interiores associadas à emoção e à memória e é coberta por receptores do cortisol, hormônio do estresse. O hipocampo pode ser danificado pelo estresse crônico, tornando-o menor. Essa área é importante para a resiliência, aptidão essencial para os dias atuais estressantes.

Neurocientistas descobriram que a prática da atenção plena afeta áreas do cérebro relacionadas com a percepção, a consciência corporal, a tolerância à dor, a regulação da emoção, a introspecção, o pensamento complexo e o senso de si mesmo.

Mindfulness ou atenção plena é o processo de perceber ativamente coisas novas. Quando você faz isso, se coloca no momento presente. Torna-se mais sensível ao contexto e à perspectiva. Essa é a essência do envolvimento, do engajamento. O processo do Mindfulness é gerador de energia, não consumidor.

O que é Terapia Focada na Compaixão

A Terapia Focada na Compaixão (TFC) enraiza-se em uma análise evolucionista e funcional de sistemas básicos de motivação social (e.g., viver em grupos, formar hierarquias e rankings, buscar parceiros sexuais, ajudar e compartilhar com aliados e cuidar de iguais) e diferentes sistemas emocionais funcionais (e.g., responder a ameaças, buscar recursos e estados de contentamento/segurança).

Além disso, há cerca de 2 milhões de anos atrás, os (pré-)humanos começaram a evoluir uma série de competências cognitivas para a racionalização, reflexão, antecipação, imaginação, mentalização e criação de um senso de self socialmente contextualizado. Essas novas competências podem causar grandes dificuldades na organização de motivações e sistemas emocionais arcaicos.

A TFC sugere que nosso cérebro evoluído é, portanto, potencialmente problemático por conta de seu “design” básico, sendo facilmente induzido a comportamentos destrutivos e problemas de saúde mental (chamamos isso de “cérebro complicado”, “tricky brain”). Contudo, mamíferos e especialmente seres humanos possuem também motivações e emoções evoluídas para o comportamento afiliativo, de cuidado e altruísmo que pode organizar nosso cérebro de maneira a se distanciar significativamente de nossos potenciais destrutivos.(GILBERT, 2014)

Assim, a TFC salienta a importância de desenvolver a capacidade das pessoas de acessar (de maneira mindful), tolerar e direcionar motivações e emoções afiliativas para elas mesmas e os outros, além de cultivar a compaixão interna como uma maneira de organizar nosso “cérebro complicado” de formas pró-sociais e mentalmente saudáveis.

Maiêutica Socrática

A Maiêutica Socrática ou o Diálogo Socrático, refere-se a um questionamento gradual e sistemático sobre uma temática específica, acarretando um eventual debate de paradigmas e conclusões, possuindo como objetivo principal a percepção de lacunas lógicas ou não acuradas.

Segundo Beck et al., (1979); J.Beck, (1997) e Overholser, (1993), os objetivos do questionamento socrático envolvem a obtenção de informações, assim como o conhecimento acerca da demanda. Além disso, abrange a identificação de estratégias de enfrentamento e a identificação de estressores, considerando o funcionamento biológico, psicológico e social. Abrange fomentar a conversão de queixas vagas em problemas concretos, construindo a decisão colaborativa a respeito do enfoque relacionado aos problemas.

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Ademais, abrange examinar o significado atribuído pelos integrantes aos eventos e avaliar as consequências de pensamentos, emoções ou comportamentos. Observa-se a identificação de cognições específicas associadas a emoções ou comportamentos  disfuncionais, assim como a avaliação das auto verbalizações dos integrantes. Segundo Arlinda dos Santos Melo (2012), na medida em que o paciente identifica questões para as quais desconhece as respostas, pode se motivar a aprender e tentar descobrir soluções para as suas dificuldades.

Considerações finais

É importante um olhar crítico para a saúde mental do professor em adoecimento psíquico. Entender que questões psicológicas e emocionais afetam ações do cotidiano é necessário para que uma intervenção terapêutica seja aplicada, a fim de promover uma saúde mental equilibrada do sujeito para que dessa forma sintomas psíquicos sejam aliviados. Sintomas de ansiedade, depressão e estresse têm aumentado em níveis alarmantes, compreender que um plano de ação precisa ser implantado, pode evitar um sofrimento psíquico maior, que pode ocasionar em outros sintomas.

Observa-se que com os conhecimentos adquiridos e os resultados advindos do bem estar proporcionado com a prática das técnicas aplicadas, possam corroborar aos participantes, em alguma medida, a ressignificação do estilo de vida, propiciando o autoconhecimento e desenvolvendo uma postura empática se empenhando em tornar as relações de trabalho menos conflitivas e pesadas. A intervenção em grupo terapêutico com professores é fundamental para psicoeducação e para contribuir com a diminuição desses quadros de sintomas psicológicos, consequentemente, refletindo em uma melhor qualidade no ensino e na aprendizagem dos estudantes.

Referências

BRUM, Eliane. Exaustos-e-correndo-e-dopados. Jornal Online El País Brasil. Publicado em 4 de julho de 2016. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/. Acesso em: 02 de maio de 2022.

CARVALHEIRO, Gabriela; TOLFO, Suzana da Rosa. Trabalho e depressão: um estudo com profissionais afastados do ambiente laboral. Disponível em https://www.scielo.br. Acesso em: 03 de maio de 2022.

CASTANHEL, Flavia Del; LIBERALI, Rafaela. Redução de Estresse Baseada em Mindfulness nos sintomas de câncer de mama: revisão sistemática e metanálise. Einstein: São Paulo, 2018. Disponível em https://www.scielo.br/ Acesso em: 3 de maio de 2022. 

CODO, Wanderley. (Org.). Educação: carinho e trabalho. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

Confederação Nacional dos trabalhadores da educação. Retrato da Escola, n. 3 Brasília, DF: CNTE, 2003.

DOURADO, L. F. Editorial. Retratos da Escola, Brasília, DF, n. 11, v. 6, p. 297-299, jul./dez. 2012.

GILBERT, Paul. As origens e a natureza da terapia focada na compaixão. British Journal of Clinical Psychology (2014), 53, p. 6-41

GOUVÊA, Leda Aparecida Vanelli Nabuco de. As condições de trabalho e o adoecimento de professores na agenda de uma entidade sindical Saúde debate 40 (111), Oct-Dec/2016 Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-1104201611116   Acesso em 26/06/2022

HEBERLE, Andréia Yess; , Lisandra Antunes de. Grupos terapêuticos em saúde mental – uma modalidade na prática dos serviços de atenção à saúde mental. Disponível em: http://www.uniedu.sed.sc.gov.br/ Acesso em: 3 de maio de 2022.

NASCIMENTO, Kelen Braga & SEIXAS, Carlos Eduardo. O adoecimento do professor da Educação Básica no Brasil: apontamentos da última década de pesquisas. Disponivel em https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/36/ Acesso em 27/06/022

PARISI, Silvana. Separação amorosa e individuação feminina: uma abordagem em grupo de mulheres no enfoque da Psicologia Analítica. Tese de Doutorado em Psicologia, Universidade de São Paulo. São Paulo: 2009. 272 pág

MELO, Armando Sérgio Emerenciano de et alli. Conceitos básicos em intervenção grupal Encontro Revista de Psicologia  (Volume 17/ 26 – 2014)

Autores:

Alília Cesário dos Santos
Dilsilene Maria Ayres de Santana
Kassandra Quedi Valduga
Matheus Gouveia