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Jax Teller: a jornada do herói sob um olhar de contingências

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A trajetória de Jax Teller, em Sons of Anarchy, é uma história marcante de como o comportamento humano pode ser compreendido à luz da Análise do Comportamento. Jax Teller é filho de um dos co-fundadores do clube de um Clube de Motocicleta, o SAMCRO – Sons of Anarchy Motorcycle Club, Redwood Original. Jax reside em uma cidade fictícia chamada Charming, atuando como Vice Presidente do clube que se mantém através da ilegalidade nos entornos da cidade, enquanto possuem um pacto com a Polícia de invisibilidade a troco de manter a cidade livre de criminalidade. Ao longo da série, acompanhamos o desenvolvimento de um personagem complexo, cujas ações são moldadas por um histórico de reforçamentos e por contingências ambientais que se tornam cada vez mais restritivas e aversivas.

Desde o início, Jax se mostra dividido entre a lealdade ao clube e o desejo de seguir um caminho diferente daquele trilhado por seus companheiros, já que, no começo da série, encontrou um manuscrito que seu pai deixou para ele antes de morrer em um acidente de moto – este livro conta com os reais desejos do progenitor para ele e para o grupo. Esse conflito pode ser entendido como resultado da atuação de contingências incompatíveis: de um lado, a manutenção do status dentro do grupo e a valorização de práticas violentas tradicionalmente reforçadas no contexto do SAMCRO; de outro, os valores herdados do pai, expressos do supracitado manuscrito, que indicavam uma busca por um ideal mais pacífico e reformista. Jax se encontra, então, num ambiente onde diferentes fontes de reforçamento disputam o controle sobre seu comportamento, o que contribui para a instabilidade e a oscilação de suas decisões ao longo da série. 

À medida que os eventos se tornam mais incontroláveis — com perdas significativas, ameaças constantes e dilemas morais crescentes —, o comportamento de Jax passa a ser regulado cada vez mais por contingências aversivas. Ele passa a não agir mais para obter reforçadores positivos, mas para evitar consequências ainda mais dolorosas, como a destruição do clube, a morte de pessoas queridas ou a exposição dos filhos à violência. Esse padrão é descrito por Sidman (1989) como controle coercitivo, no qual a presença contínua de estímulos aversivos leva o indivíduo a agir por esquiva ou fuga, muitas vezes reforçando respostas disfuncionais a longo prazo.

Outrossim, durante o decorrer da história, podemos perceber que o modo como Jax fala sobre si mesmo — a forma como se define e justifica suas ações — revela a importância do comportamento verbal na manutenção de sua identidade e de suas escolhas. Ele se descreve como alguém destinado ao sacrifício, ao fardo da liderança, ao dever de “fazer o necessário”. Essas auto descrições são produtos de práticas verbais reforçadas pela cultura do clube, funcionando como estímulos discriminativos que sinalizam quando certos comportamentos (como matar, mentir ou se sacrificar) devem ser emitidos, justificados ou vangloriados.  Assim, seu “eu” não é uma essência rígida, mas um padrão de respostas verbais mantido pelas consequências sociais e afetivas de seu meio.

Quando nos deparamos com o percurso do Jax Teller, que esperávamos ser uma jornada de herói típica televisiva na qual estamos acostumados, notamos na verdade o declínio de Jax – o caminho contrário – e, analisando com um olhar mais contextualista, é possível perceber que ele não é fruto de uma falha moral ou de uma transformação súbita, mas sim o resultado da seleção gradual de comportamentos que, apesar de reforçados no curto prazo, conduzem a consequências destrutivas no longo prazo. Seu comportamento se torna cada vez mais controlado por eventos passados e presentes que restringem suas possibilidades de escolha, até que a morte surge como a única resposta percebida como viável. Sua decisão final, embora envolta em um discurso de liberdade e redenção, pode ser vista como o desfecho de um repertório esgotado, moldado por um sistema de contingências que já não oferecia alternativas reforçadoras consistentes.

A trajetória de Jax Teller nos escancara como o comportamento é selecionado e mantido pelas consequências que produz, tal como é influenciado pelas práticas culturais em que estamos inseridos e como o ambiente participa ativamente da construção de quem somos e das escolhas que fazemos.

Referências

BAUM, William M. Compreendendo o comportamento: comportamento, cultura e evolução. Tradução de Eloisa M. Ribeiro. São Paulo: EPU, 2005.

SIDMAN, Murray. Coerção e suas implicações: um estudo sobre controle de comportamento. Tradução de Vera Lúcia Ferreira. São Paulo: Instituto de Análise do Comportamento, 1989.

SKINNER, B. F. Sobre o behaviorismo. Nova York: Knopf, 1974.

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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