“A realidade é a única coisa que é real”

 O Jogador Número 1 e a realidade virtual presente

Autor: Glaub Santos – glaubsantos@rede.ulbra.br

“Sei que parece uma decisão estranha, mas as pessoas precisam passar mais tempo no mundo real”. Publicado em 2011 e posteriormente transformado em filme em 2018, o Jogador Número 1 poderia estar descrevendo a realidade do momento presente, em 2023. 

O filme apresenta a cidade de Columbus em 2044, onde as divergências sociais são ainda maiores e a tecnologia alcançou um novo patamar. OASIS é um jogo de realidade virtual criado por James Halliday, onde a população está, na maior parte do tempo, confundindo realidade e virtual. O criador do famoso jogo morre e esconde dentro do jogo um quebra-cabeça, que daria ao vencedor a administração total do OASIS e uma grande fortuna, levando assim as pessoas a se dedicarem em busca de resolver o enigma deixado pelo excêntrico criador do jogo (BERNARDI, s/d)

Wade, personagem principal do filme, do qual é apresentado o ponto de vista no universo, possui uma realidade difícil financeira, social e emocional. Visto que seus familiares morreram, passando este a viver com sua tia no que seria uma espécie de comunidade carente, presenciou diversas  situações de violência e comportamentos agressivos dentro de casa. Wade expressou: “felizmente, eu tive acesso ao OASIS, que era como ter uma válvula de escape para uma realidade melhor. O OASIS manteve minha sanidade. Foi meu parquinho e meu jardim de infância, um lugar mágico onde tudo era possível.”

No jogo não há critério definido e estabelecido para fazer parte, sendo aberto ao público adulto, infantil e idoso, haja vista que na realidade virtual poderiam ser o que quisessem até mesmo outras espécies, ter a aparência desejada e viver como pretendiam.

Wade andando em seu bairro que é como uma espécie de comunidade carente, no entanto todas as pessoas têm acesso ao OASIS.

Fonte: Imagem retirada do filme na HBO

O universo recriado dentro do jogo possuía grande dimensão, roubando as pessoas do mundo real, inclusive de forma financeira, visto que as moedas utilizadas dentro do game poderiam comprar itens fora do mundo cibernético, cuja entrega se dava via drone. Neste tempo vive-se algo muito semelhante, vejamos:

Assim como o OÁSIS, a nossa internet é uma das formas mais empregadas atualmente de geração de lucro. Ainda não entendemos por completo quais são as fronteiras e os limites da rede mundial de computadores, ou até onde se estendem suas capacidades e possibilidades; em seu respectivo universo, o mesmo pode ser dito da criação de Halliday. No entanto, já existem diversas formas de se criar riqueza através dela – da simplicidade de vendas online até a complexidade das criptomoedas. Grandes corporações e cidadãos comuns disputam espaço e promovem inovações constantes, enquanto governos nacionais ainda tateiam as melhores formas de impor controle e regulamentação ao domínio virtual  (CINEMA COM RAPADURA, 2018).

Ainda, percebe-se que assim como em Columbus, a cada dia a tecnologia vai ganhando espaço no mundo, contexto em que as pessoas passam grande parte de seus dias interagindo no mundo virtual. O tempo que a população passa em média na internet aumentou consideravelmente nos últimos tempos, dessa forma o NordVPN, instituto especialista em cibersegurança, realizou uma pesquisa constatando o que segue:

Os brasileiros, maiores de 18 anos, tendem a se conectar às 8h33 da manhã e sair às 22h13 da internet. Em uma semana típica, a NordVPN calcula que os entrevistados passam mais de 91 horas usando a internet, o que equivale a quase quatro dias. “Isso equivale a 197 dias por ano, ou seja, mais de 41 anos, considerando que a expectativa média de vida da população no país é de 75,9 anos, isso representa mais da metade de suas vidas”. (ITFORUM, 2022)

À medida que se conecta a necessidade de passar mais tempo em rede, muitas vezes o tempo online não é percebido pelo usuário. Neste sentido, embora permaneçam on-line por muitas horas seguidas, pode não perceber que está imerso no mundo virtual mais tempo do que o programado. 

A internet possui alta rotatividade de informações, pensamentos e opiniões, um grande volume de conteúdos e uma constante interação social, demonstrando a cada tempo a sua velocidade, no entanto, corre-se um grande risco de levar os internautas a viverem esse aceleramento na vida real (SOUZA; CUNHA, 2019)  Considera-se a celeridade da internet um dos seus maiores avanços, contudo essa urgência na vida real pode facilitar alguns transtornos aos internautas como ansiedade, depressão e outros problemas relacionados à saúde mental. No entanto, seria um ledo engano acreditar que os males são causados apenas pela velocidade, observa-se:

O bullying virtual, as agressões verbais e as mensagens mal interpretadas podem influenciar em mudanças de hábito, discórdias e até desestruturação de famílias que são alguns dos fatores que aumentaram as taxas de quadros de depressão (RADOVIV et al. 2017).

A internet atualmente não é constituída apenas de fontes seguras, não é mais utilizada apenas para trabalho ou estudo, pelo contrário sua maior utilização se dá através das mídias sociais. A rede social possui uma grande semelhança com o OASIS, é um lugar onde você pode ser quem quiser e apresentar ao outro apenas a parte que deseja de si mesmo, sendo muitas vezes utilizadas por pessoas que não sabem se conectar no mundo real.

Como um ambiente considerado livre, nas mídias sociais as pessoas expressam tudo o que pensam, não se importando muitas vezes com as consequências dos atos. Como acontece com a sociedade do Jogador Número 1, frases como

 

As pessoas podem ser outras na realidade rimam intensamente com o que vivemos nas redes sociais, onde é sempre mais fácil ser a melhor das pessoas ao mesmo tempo em que se está livre para ser a pior. Essa relação entre realidade e ficção, tão atual, é ainda mais aprofundada quando Halliday (Mark Rylance), criador do OASIS, diz a Parzival (avatar de Wade) que eu gostava quando era um jogo (FÉLIX, 2018).

Quando o OASIS deixou de ser um jogo e passou a ser a própria vida das pessoas,  perdeu o sentido para seu desenvolvedor, deixando de cumprir o objetivo para o qual foi criado, o entretenimento. O game passou a ser lugar de disputa, comércio, vida noturna, relacionamentos, sendo elemento central da sociedade. Ao longo do filme observa-se que algumas pessoas foram capazes de atentar contra a própria vida por perderem no jogo, outros se casaram sem nunca terem se encontrado pessoalmente se relacionando através do avatar, ainda crianças com avatar possuindo aparência de adulto frequentando corridas, lutas.

Ao perder no jogo, a pessoa da ficção se via arruinada, uma vez que possuía uma autoidentificação inadequada, ou seja, pensava que era apenas o seu avatar, esquecendo-se de si fora do game. Longe das telas a situação não é diferente, há um grande exibicionismo de perfeição nas redes sociais, gerando comparação e frustração aos seres humanos “normais”, 

Enquanto se transforma a vida no digital, no online, esquece-se que o mundo lá fora é o real, o que há de mais válido. Camufla-se em avatares, em pseudônimos e em formas anônimas e, aos poucos, esquece-se o que se é ou, inclusive, entrega-se a uma insatisfação por não ser o que gostaria de ser (FÉLIX, 2018)

O mundo digital precisa ser uma extensão da realidade, um ambiente utilizado de forma saudável, sem fazer dele a razão da existência. Ao final do filme, é apresentada a decisão de fechar o OASIS duas vezes na semana, o que gerou grande insatisfação nos usuários, mas entende como uma sabedoria para que o mundo real fosse vivido. Observa-se que a única forma de desconectar o homem é se a internet for “desligada”, pois este não possui controle sobre seu acesso.


Referências

BERNARDI, Julio. Jogador Nº 1 e a internet na era virtual. Disponível em: https://cinemacomrapadura.com.br/colunas/482454/jogador-n-1-e-a-internet-na-era-virtual/
Acesso em: 14 de março de 2023

FELIX, Sihan. Crítica | Jogador Nº 1 é aquele que salta à frente. Disponível em: https://canaltech.com.br/cinema/critica-jogador-n1-110982/
Acesso em: 14 de março de 2023.

ITFORUM. Brasileiros passam em média 91 horas semanais na internet. Disponível em: https://itforum.com.br/noticias/brasileiros-passam-em-media-91-horas-semanais-na-internet
Acesso em: 13 de março de 2023

SOUZA, Karlla; DA CUNHA, Mônica Ximenes Carneiro. Impactos do uso das redes sociais virtuais na saúde mental dos adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Revista Educação, Psicologia e Interfaces, v. 3, n. 3, p. 204-2017, 2019.