Análise do filme “Carandiru” na perspectiva dos direitos humanos

 O filme “Carandiru”, dirigido por Hector Babenco no ano de 2003 e baseado no livro “Estação Carandiru” de Dráuzio Varella. O filme é baseado no livro “Estação Carandiru” do médico Drauzio Varella, que descreve suas experiências na Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, uma das maiores prisões da América Latina até sua demolição em 2002, aborda questões profundas relacionadas aos direitos humanos dentro do sistema prisional brasileiro. Carandiru estreou comercialmente nas salas brasileiras em 11 de abril de 2003. Cercado por muitas polêmicas, o filme de Hector Babenco teve uma das maiores bilheterias do cinema nacional: 4,6 milhões de espectadores

(…) ‘Carandiru’ se tornou, aos olhos de muita gente e aos meus também, um filme insatisfatório. É como se faltasse alguma coisa nessa adaptação muito fiel do livro de Dráuzio Varella (Coelho, 2003) 

O filme retrata a vida dentro do presídio, destacando as histórias pessoais dos detentos e as condições precárias enfrentadas por eles, mergulhando nas diferentes realidades dos presos e mostra suas lutas individuais e coletivas dentro do ambiente extremamente violento e opressivo da prisão. A trama segue a rotina dos detentos e aborda suas histórias pessoais, destacando questões como violência, drogas, solidariedade e sobrevivência dentro do presídio. O filme é conhecido por sua abordagem humanista e pela maneira como humaniza os personagens, mostrando suas complexidades e aspirações, apesar das condições extremamente difíceis em que vivem.

Carandiru foi aclamado pela crítica e teve uma recepção positiva do público, sendo um sucesso de bilheteria no Brasil. Ficou conhecido por sua abordagem humanista e pela maneira como retrata as complexidades da vida na prisão, bem como as questões sociais e políticas que a cercam. O filme também foi premiado em várias categorias e festivais de cinema.

Um olhar psicológico desta obra revela detalhes significativos acerca da natureza humana, das dinâmicas de poder e dos impactos da superlotação carcerária. O longa retrata o excesso de presos, as condições precárias de habitação, a brutalidade e a carência de cuidados de saúde apropriados na penitenciária de Carandiru evidenciam a transgressão dos direitos fundamentais dos detentos. A abordagem psicológica revela de que forma tais circunstâncias afetam consideravelmente a saúde mental dos encarcerados, desencadeando tensão, angústia, melancolia e até mesmo episódios psicóticos. 

A hierarquia presente no ambiente carcerário gera uma atmosfera conflituosa e carregada de tensão, levando frequentemente a situações de tratamento desumano aos detentos, o que acaba por intensificar os sentimentos de desespero e abandono.

No filme também é discutida a carência de educação, emprego e lazer para os detentos. Esses elementos são fundamentais para a saúde mental e a reintegração dos presidiários à sociedade, porém, a película Carandiru expõe como esses direitos são muitas vezes ignorados por esse sistema.

A abordagem psicológica também lança luz sobre as histórias únicas dos presos, revelando seus caminhos pessoais, traumas antigos e os efeitos da prisão em sua identidade e autoestima. A ausência de chances de reintegração e de suporte psicológico apropriado dentro do sistema penitenciário intensifica essas questões. 

A interação entre os detentos também é examinada através de uma perspectiva psicológica, pois alianças, rivalidades, conflitos e redes de apoio formadas no cárcere revelam as complicações das relações interpessoais em um ambiente de restrição de liberdade. A violência e os distúrbios apresentados no filme são consequências das tensões acumuladas dentro da prisão, evidenciando como a falta de meios eficazes para resolver conflitos e garantir direitos fundamentais pode resultar em explosões de violência e desespero.

A superlotação das prisões pode levar a condições desumanas de vida para os detentos, incluindo falta de espaço adequado, acesso insuficiente a cuidados de saúde, higiene precária, aumento da violência e dificuldade na implementação eficaz de programas de reabilitação.

Além disso, a superpopulação carcerária pode sobrecarregar o sistema judicial e dificultar a aplicação eficaz da justiça, contribuindo para a perpetuação do ciclo de criminalidade.

Para lidar com esse problema, é necessário adotar abordagens que visem reduzir a superlotação, como investir em alternativas ao encarceramento para certos tipos de crimes, melhorar as condições dentro das prisões existentes, aumentar a eficiência do sistema judicial e promover políticas que abordem as causas subjacentes do crime, como pobreza, desigualdade e falta de acesso a oportunidades.

Essa é uma questão complexa que requer uma abordagem multifacetada e colaborativa envolvendo diferentes setores da sociedade, incluindo governo, instituições penais, organizações da sociedade civil e comunidades locais.

A crítica de que o filme é pretensioso, omisso e pedagógico pode derivar da percepção de que ele não conseguiu capturar totalmente a complexidade e a gravidade das questões enfrentadas no sistema prisional brasileiro. Alguns críticos podem sentir que o filme simplificou demais ou romantizou certos aspectos da vida na prisão, em vez de apresentar uma imagem mais crua e autêntica.

Além disso, a crítica sobre a busca por uma visão mais definidora da sociedade brasileira como potência de expressividade artística sugere que o filme pode ter falhado em explorar plenamente o potencial criativo e artístico para abordar questões sociais complexas de maneira mais profunda e impactante.

“Se sua ideia em relação à “Carandiru” é topar com uma obra-prima, daquelas que ficam na alma, esqueça. Trata-se de um filmaço, sim. Mas sem a grandiosidade essencial que tanto se esperava do cineasta (Fonseca, 2003).”

No entanto, é importante ressaltar que as críticas são parte integrante do debate cultural e artístico, e diferentes pessoas podem interpretar e avaliar uma obra de maneiras distintas. Apesar das críticas, “Carandiru” ainda é amplamente reconhecido como um filme significativo que trouxe à tona importantes questões sociais e ajudou a aumentar a conscientização sobre a realidade do sistema carcerário no Brasil.

É importante ressaltar que essa visão que o filme nos proporciona não é uma tentativa de justificar ou romantizar as ações dos personagens, mas sim de compreender as condições sociais, econômicas e psicológicas que levam às violações dos direitos humanos no sistema prisional.

 Em suma, o Carandiru oferece uma perspectiva complexa sobre os direitos humanos no contexto prisional, mostrando como os problemas psicológicos estão intrinsecamente ligados à violação desses direitos e destacando a necessidade urgente de reforma do sistema prisional. 

 

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Walter, Cinema em Cena, Brasil 2003 – disponível em: https://cinemaemcena.com.br/critica/filme/6706/carandiru

COELHO, Marcelo. O que ficou faltando em “Carandiru”?. Folha de São Paulo. São Paulo, 16 abr. 2003, Ilustrada.

FONSECA, Rodrigo. Um retrato desbotado de vidas em confinamento. São Paulo: Revista de cinema, 2003. Disponível em: www.revista de cinema.com.br. Acesso em: mar. 2024. 

BABENCO, Hector. O cineasta dos sobreviventes. Bravo!. São Paulo: ed. 067, p. 20-33, abr. 2003a. Entrevista concedida a Almir de Freitas e Michel Laub. 

BABENCO, Hector. “Carandiru”. Folha de São Paulo. São Paulo, 11 abr. 2003b, Ilustrada. Entrevista concedida a Silvana Arantes.

BRAGANÇA, Felipe. Carandiru, de Hector Babenco. Revista Contracampo, abr. 2003. Disponível em: http://contracampo.com.br/criticas/carandiru.htm. Acesso em: abr. 2024.