O filme “Coda, No Ritmo do Coração” e a importância da comunicação familiar no processo de construção de identidade e no senso de pertencimento na adolescência

 CODA é um filme repleto de sensibilidade e evoca muitas reflexões acerca da deficiência auditiva e da importância da comunicação no estabelecimento dos laços familiares e sociais saudáveis.

CODA (Child of Deaf Adults, significa em português, Filho de Pais Surdos). O filme conta a história da jovem Ruby Rossi, interpretada pela atriz Emilia Jones. Ela é uma adolescente, que vive com familiares surdos: seu pai, sua mãe e seu irmão mais velho. Devido a surdez de sua família, ela enfrenta os conflitos e desafios de viver entre dois mundos: o da família e o da comunidade. Devido a morar em uma pequena cidade, família de Ruby enfrenta as dificuldades de inclusão e a falta de uma estrutura governamental que atenda às necessidades básicas de acesso aos seus direitos, fazendo
com que Ruby absorva a responsabilidade de intermediar as relações e comunicações de sua família com as demais pessoas da comunidade.

Durante todo o filme observamos que o cerne do problema é a comunicação. A jovem protagonista precisa lidar com questões complexas em sua adolescência e acaba sendo afetada por problemas que vão muito além dos comuns para a sua idade. Há uma carga grande de responsabilidade que devido à peculiaridade da surdez de sua família é compreensível, porém injusta. Tendo em vista que Ruby é a única ouvinte em sua família, ela se torna peça essencial para a comunicação familiar dentro e fora de casa, o que traz inúmeros conflitos e desconfortos à adolescente.

Para aumentar a dramaticidade da obra, Ruby tem um talento nato para a música e se envolve no coro escolar, o que a leva mais uma vez a um mundo diferente do que sua família domina e conhece. Com a ajuda de seu professor, que acredita em seu potencial e talento, a música se torna um fator de distanciamento entre ela e sua família e ao mesmo tempo provoca um processo de crescimento e amadurecimento ao fazê-la desenvolver sua comunicação familiar e alçar novos voos.

Famílias abertas ao diálogo proporcionam um ambiente acolhedor, deixando os adolescentes à vontade para falar de suas inseguranças e medos e expor seus sentimentos

A mãe de Ruby (interpretada pela atriz Marlee Matlin), vai vivenciar os dilemas da maternidade, a insegurança, o instinto de proteção e ao mesmo tempo enfrentar seus próprios medos quanto a desenvolver suas habilidades sociais e melhorar sua comunicação e interação com a comunidade. Neste processo, ela questiona se Ruby começou a cantar para irritar a família ou se ela realmente é alguém que tem este talento, mesmo sendo filha de pais surdos. É neste ponto do filme que vemos florescer a importância e necessidade de uma comunicação clara e aberta entre toda a família para enfrentar seus temores e construir diálogos que aproximam e ampliam os horizontes de cada um dos personagens quanto aos seus conflitos e inquietações. 

O irmão mais velho de Ruby, interpretado por Daniel Durant, esconde o conflito de querer se sentir independente de sua irmã, ao mesmo tempo que se preocupa com seus sonhos e deseja vê-la feliz e fazendo o que gosta. Já o patriarca da família, interpretado por Troy Kutsur, retratado com um pai amoroso, presente e sensível, protagoniza uma das mais belas cenas com sua filha, ao lhe pedir que cante para ele, fazendo-o compreender através da leitura labial e vibrações, a importância e amor que ela nutre pela música.

É importante ressaltar que o filme conta com a atuação de atores surdos que são (o pai, a mãe e o irmão de Ruby) o que traz credibilidade aos papéis e engrandece todo o elenco. Destaca-se a atuação da atriz que interpreta Ruby, a qual traz paixão e o uso da linguagem de sinais de forma impecável, após nove meses de dedicação para o aprendizado da língua e interação verossímil com seus pares surdos.   

O poeta norte americano E.E. Cummings disse certa vez que é preciso coragem para crescer e se tornar quem você é de verdade. Ao assistir ao filme CODA podemos observar toda a coragem de Ruby em sua jornada de autoconhecimento e a forma como sua percepção foi se desenvolvendo e a ajudando a reagir emocional e comportamentalmente de forma mais assertiva. Neste processo de crescimento e desenvolvimento, vemos a personagem desbravando terras desconhecidas e tendo a coragem de enfrentar seus temores, dúvidas e as reações de sua família quanto aos seus sonhos. 

Durante o filme vemos Ruby desenvolver uma ideia firme de sua identidade ao enfrentar os dilemas relativos a todos os aspectos emocionais referentes a questões importantes de sua vida. É notório o papel da comunicação, a qual foi essencial para que todos pudessem colocar seus pontos de vista e temores e assim entender uns aos outros e encorajarem-se a tomar suas próprias decisões rumo ao crescimento individual e familiar. 

A adolescência é uma das fases mais intensas da vida e a importância da família é essencial para superar os obstáculos

Ao desfrutar de uma família amorosa, que se comunica e estabelece relações empáticas e encorajadoras, vemos Ruby enfrentar os dilemas de sua existência e identificar – se com os valores de sua família, desenvolvendo o senso de pertencimento à ela e ainda assim, tomando importantes decisões sobre seu futuro e papel dentro e fora dela. 

O filme também se destaca pelo caráter político e impulsionador de mudanças na indústria cinematográfica, tendo em vista que levanta a bandeira da representação e da representatividade de pessoas com deficiências. No Brasil, segundo dados do IBGE, temos em torno de 5% da população com alguma deficiência auditiva, sendo 10 milhões de cidadãos com deficiência auditiva e 2,7 milhões com surdez profunda. CODA definitivamente é um filme repleto de sensibilidade e evoca muitas reflexões nos telespectadores acerca da deficiência auditiva e da importância da comunicação no estabelecimento dos laços familiares e sociais saudáveis. 

 

Referências

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