Crimes Imaginários – Por que nos sabotamos?

“Quando crianças, convencemo-nos inconscientemente de que somos
responsáveis pelas falhas, sofrimentos e decepções de nossos pais ou irmãos.
São essas ideias inconscientes – de que causamos a infelicidade, a frustração

e o sofrimento de nossos pais e irmãos – que chamamos de crimes imaginários.”

Para os pesquisadores americanos Lewis Engel (Ph.D) e Tom Fergunson (MsC), autores do livro “Crimes Imaginários – Por que nos punimos e como interromper esse processo”, publicado no Brasil pela Editora Nobel (230 páginas), a maior parte dos problemas psicológicos é decorrente de um tipo especial de culpa, uma culpa inconsciente e que envolve o medo de magoar certas pessoas a quem depositamos especial atenção, sobretudo os parentes mais próximos.

Neste processo, o “criminoso imaginário” desenvolve uma espécie de patologia, uma obsessão por imaginar que não foi suficientemente bom ou justo para com os seus “chegados”. O mais comum nisso tudo é o surgimento de indivíduos que sabotam o próprio sucesso, as relações corriqueiras e os casamentos, sendo que alguns são “incapazes de ter relacionamentos íntimos satisfatórios” ou mesmo de “relaxar e aproveitar a vida”. Sob as suas costas, o peso da culpa parece ser irremediável, mesmo que muitos sequer se deem conta de que estão nutrindo tais sentimentos.

No livro, que usa como referência um amplo trabalho feito pelo Grupo de Pesquisas de Psicoterapia de Mount Zion, em Israel, há seis “crimes imaginários” que são considerados os mais comuns: suplantar, sobrecarregar, roubar amor, abandono, deslealdade e maldade básica. Todos eles relacionados à forma como encaramos nossas “respostas” aos familiares.

No caso de “suplantar”, um dos tópicos do livro escolhidos para este artigo, devido à extensão da obra, trata-se de perceber-se como o mais feliz ou bem-sucedido da família, em detrimento dos demais membros. “Julgamo-nos culpados por esse ‘crime’”, e inconscientemente tem-se início a um processo de auto-julgamento, em que a pessoa realizada se cobra por não “levar junto”, no mesmo bojo do eventual sucesso, os demais integrantes da família. Essa percepção, que para Engel e Fergunson corresponde à “Teoria do Domínio do Controle”, é decorrente de um falso senso de responsabilidade “pela infelicidade de entes queridos”. Na obra, há dezenas de exemplos (casos clínicos) de pessoas que tiveram que se submeter a terapias (seja na psicoterapia ou na psicanálise) com o objetivo de “exorcizar” esses “crimes imaginários” e, por fim, poder viver uma vida mais altiva, menos autodestrutiva e autopunitiva.

De acordo com os autores, depois de se identificar essas formações subjetivas confusas, o passo seguinte é fazer a pessoa perceber quão irracional ou exageradas são as pré-concepções que elas “carregam na bagagem”. Só aí, neste esforço de se ver como alguém que está supervalorizando determinadas posições, é que se inicia um processo de “libertação”, de absolvição “dos crimes imaginários”. Há de se destacar que, “embora a Teoria de Domínio do Controle ofereça soluções significativas, [as soluções] não são imediatas”, ou seja, é necessário que se demande um grande esforço de amadurecimento psicológico e/ou filosófico por parte do proponente, onde as mudanças de atitudes, no dia-a-dia, reforçarão as mudanças.

E parte desta culpa a que algumas pessoas estão inebriadas, segundo Engel e Fergunson, vem da chamada “onipotência infantil”, que como o próprio nome diz é característico de determinada fase de nossas vidas (a infância), mas que em algumas pessoas insiste em perdurar por décadas (ou pela vida inteira). Trata-se de uma necessidade exagerada de controlar as emoções e o comportamento dos outros. Não é difícil perceber que, para muitas crianças, o mundo gira em volta delas. “Embora a onipotência pareça uma qualidade, chega, de fato, a ser quase uma maldição”, dizem os autores. Isso porque como a criança, e depois o adulto, “não é de fato todo-poderoso, a chamada onipotência infantil se traduz, de modo geral, em um opressivo sentimento de responsabilidade para proporcionar a felicidade a todos e de garantir que tudo dê certo na vida”, o que obviamente não acontece. Daí que surgem as crises.

Os autores dizem que, aliado à “maldição da onipotência infantil”, há o desejo de as crianças se alinharem às perspectivas dos pais, por medo de magoá-los. E surgem as primeiras repressões, quando se procura esconder “aspectos de nossa personalidade que possam magoá-los e rejeitamos a realização de certos desejos que eles consideram extravagantes”. Só para citar um exemplo, uma criança ativa num lar onde a mãe é depressiva pode imaginar que “sua vitalidade é ameaçadora e nociva, reprimindo assim seus impulsos brincalhões”, o que pode resultar, na idade adulta, em desordens psíquicas.

Enfim, “Crimes Imaginários” é um livro recheado de exemplos clínicos e de métodos de solução para um problema que podemos até atribuir apenas aos outros, mas que certamente em alguma medida (ou em algum momento de nossas vidas) também enfrentamos. A capacidade de a pessoa assumir que nutre tais culpas (e mesmo de identificar essas culpas) é o grande desafio. Esse é o primeiro passo para aquelas pessoas que “se sentem atormentadas por criar seus próprios obstáculos”, por dificultar aquilo que parceria tão simples e por, no fundo, não se julgar merecedor(a) de determinada conquista (em todos os campos da vida). Como os próprios autores do livro escreveram, a “tarefa” exige tempo, dedicação e paciência, afinal identificar e reprogramar ideias não são coisas que se fazem de um dia para o outro. No entanto, os resultados são positivos e construtivos, uma vez que incidem diretamente na forma de como lidar com os parentes e amigos, tornando as relações mais sólidas e menos dependentes, mais autênticas e menos baseadas na necessidade de punição. Relações onde os sentimentos de culpa cedam lugar à autoconfiança e a um amor menos apegado, mais altruísta.

INFORMAÇÕES TÉCNICAS DO LIVRO

CRIMES IMAGINÁRIOS: POR QUE NOS PUNIMOS E COMO INTERROMPER ESSE PROCESSO

Autores: Lewis Engel e Tom Fergunson
Tradução: Mônica Fuchs
Editora: Nobel
Ano: 1992

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.