A invisibilidade do autismo feminino

Estudo aponta que revelaram índices proporcionais entre homens e mulheres significativamente menores do que se acreditava em relação ao TEA.

 

Ana Júlia Labre  (Acadêmica de Psicologia) – anajulialabre@rede.ulbra.br

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento que afeta o comportamento, a interação social e padrões de interesses e atividades. O termo espectro é usado porque o TEA engloba uma ampla variedade de sintomas, habilidades e níveis de comprometimento. Comumente referido como autismo, tem sido relatado como algo prevalente em homens desde a série inicial de casos. Tradicionalmente, muitos estudos apresentaram uma proporção de 4 homens para cada mulher diagnosticados com o transtorno (Dworzynski et al. 2012). Porém, estudos epidemiológicos com uma apuração ativa de casos revelaram índices proporcionais entre homens e mulheres significativamente menores (e.g., 2.5:1; Kim et al. 2011). Numa recente análise (Loomes, 2017) concluiu-se que a proporção seja, na verdade, de 3:1.

Assim, numa análise qualitativa dos dados obtidos, é possível observar o movimento de subdiagnóstico de TEA em mulheres, e um número de razões podem ser propostos. Incluindo o predominante uso de amostras exclusivamente masculinas em pesquisas, o que provavelmente levou a uma compreensão tendenciosa de todo o espectro e de suas respectivas manifestações. Lai et al (2015) observaram no contexto clínico que há uma apuração com viés de gênero de até 15:1 em pesquisas de neuroimagem. Além disso, de acordo com os psiquiatras Kopp e Gillberg, o reconhecimento do autismo e os métodos utilizados para o diagnóstico são baseados no estereótipo do autismo como uma condição exclusivamente masculina.

Numa investigação de diferenças comportamentais entre os homens e mulheres autistas feita por Lai et al. (2011) foi possível observar que as mulheres relataram mais sintomas relacionados a questões sensoriais e menos questões relacionadas a dificuldades de socialização em comparação aos homens. Ademais, Gould e Ashton-Smith trouxeram a tona que as mulheres TEA conscientemente tentam copiar as neurotípicas, fenômeno comumente chamado de “Masking” ou “camuflagem”.  A estratégia conhecida como camuflagem ou mascaramento social é uma das teorias aceitas atualmente para explicar por que o diagnóstico de autismo em mulheres é feito mais tardiamente e com menor frequência do que em homens (Begeer et al., 2013; Giarelli et al., 2010).

Uma pesquisa qualitativa conduzida por Dean et al. revela que meninas e mulheres autistas muitas vezes relatam esforços para esconder ou tentar parecer não autistas. Esses relatos indicam que ao imitar o comportamento de pessoas não autistas e controlar suas próprias características, elas tentam lidar com algumas das dificuldades sociais e de comunicação que enfrentam. No entanto, essa pesquisa também evidenciou as graves consequências do uso da camuflagem. O ato de mascarar está associado a altos níveis de estresse, problemas de saúde mental como depressão e ansiedade, exaustão e falta de acesso a suporte ou serviços de saúde especializados, resultantes do esforço em esconder suas próprias dificuldades.

                                                                                                                                    Fonte: Freepik

Meninas e mulheres autistas muitas vezes relatam esforços para esconder ou tentar parecer neurotípicas.

Outro fator muito importante e que deve ser considerado é que historicamente, devido ao machismo, as meninas são socializadas de forma distinta dos meninos ainda na primeira infância. Assim, os papéis para os quais as mulheres são preparadas para exercer exigem mais socialização: cuidadoras, esposas, mães, enfermeiras, professoras etc. Pode-se, então, traçar uma correlação com a camuflagem do transtorno referida acima. Além da distinção do comportamento esperado a partir dos papeis sociais de gênero, por exemplo, a fixação por rotina, organização e arrumação (que pode ser um fenótipo do TEA) tende a ser normalizada quando apresentada em meninas e estranhada em meninos.

Todos esses fatores citados acima influenciam e evidenciam os motivos de o TEA ser visto como um transtorno predominantemente masculino, de maneira que mulheres muitas vezes não recebem os devidos diagnósticos e, por conseguinte, o necessário tratamento e/ou auxílio tão necessários.

Sendo assim, é importante estarmos atentos aos sinais de autismo em meninas e mulheres, que podem ser identificados ainda na infância. Alguns desses sinais incluem dificuldade em fazer amigos e manter relacionamentos sociais, hiperfoco em interesses específicos, como animais ou personagens de desenhos animados, comportamentos repetitivos ou rotineiros, como contar ou organizar objetos de maneira particular, um comportamento geralmente mais passivo e silencioso em comparação aos meninos com autismo, e dificuldade em interpretar ou expressar emoções e sentimentos.

Já na idade adulta, podem apresentar dificuldade em entender e interpretar as emoções dos outros, ansiedade social e dificuldade em fazer amigos ou manter relacionamentos, interesses intensos e específicos em áreas como história, música ou arte, hiperfoco em rotinas e rituais. Além da disso, foi relatado dificuldades em lidar com mudanças ou imprevistos, dificuldade em se adaptar a ambientes sociais, como festas ou reuniões, preferindo ambientes mais silenciosos e controlados, sensibilidade sensorial elevada, incluindo aversão a certos sons, texturas ou sabores, e dificuldade em entender metáforas e expressões idiomáticas comuns, bem como em compreender o sarcasmo e o humor sutil.

Diante disso, pesquisas indicam que mulheres autistas são mais propensas a desenvolver problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão, bem como distúrbios alimentares, como anorexia e bulimia. Portanto, se entre pessoas do mesmo sexo o autismo se manifesta de formas diferentes, é importante considerar que pode haver ainda mais particularidades em relação ao sexo oposto. Urge-se, então, que novas pesquisas e metodologias de diagnósticos sejam desenvolvidos para diminuir a invisibilidade do autismo feminino.

Referências

 

Milner, V., McIntosh, H., Colvert, E. et al. A Qualitative Exploration of the Female Experience of Autism Spectrum Disorder (ASD). J Autism Dev Disord 49 (2019). Palmas- TO. Disponível em <: https://rdcu.be/dnPId >. Acessado em 05 out. 2023.

LAI, M. C., Lombardo, M. V., Auyeung, B., Chakrabarti, B., & Baron-Cohen, S. (2015). Sex/gender differences and autism: setting the scene for future research. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry. Palmas-TO. Disponível em <:https://doi.org/10.1016/j.jaac.2014.10.0034>. Acessado em 11 out.2023.

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