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“Vida Líquida” tem no desapego a tônica do momento

No livro Vida Líquida o sociólogo polonês Zygmunt Bauman traz uma reflexão de alguns conceitos como cultura, progresso, amor, medo e consumo, presentes na sociedade atual que está em uma constante mudança. Ele apresenta um resumo dos efeitos que a estrutura social e econômica, com base no que é descartável e efêmero. Segundo o sociólogo, a destruição criativa própria do capitalismo suscita uma condição humana na qual predominam o desapego. Desta forma, o livro aborda assuntos que são essenciais para as relações humanas na sociedade consumista do século XXI, assuntos estes que estão sendo negligenciadas sem as pessoas se darem conta de sua importância.

No primeiro capítulo, Bauman fala sobre a necessidade das empresas e das pessoas de quererem estar em constante mudança e sempre procurarem motivos nos outros para mudarem. A mesmice é vista como um erro fatal para todos no Mundo Capitalista.  A perpetuação do que é concreto é uma ameaça para os seres humanos dessa sociedade, que visam que o que é concreto, sólido tem que ser trocado por algo descartável que pode ser trocado a qualquer momento, assim eliminando os ‘fracos’ da jogada dos ‘poderosos’. Talvez seja porque as inovações tecnológicas, os governos, a mídia e o mercado produziram um ambiente em que é cada vez mais fácil “apagar, desistir, substituir”. E a velocidade com que isso ocorre é que dá à vida esse caráter inconstante. É como se cada pessoa estivesse eternamente à procura de algo que possa ser seu novo objetivo ideal. Assim, a rapidez com que as variáveis mudam é condição necessária e suficiente para a sobrevivência no mundo líquido-moderno.

A velocidade com que o indivíduo transita entre o amor e o desapego, entre a relevância e o descaso, entre o moderno e o ultrapassado, entre o essencial e o desnecessário provoca um aumento do lixo. Cada pessoa carrega consigo seu lixo particular, que precisa ser despejado em algum lugar. E isso acontece através da ajuda dos mais diversos meios, desde terapias e pílulas mágicas até religião e sistemas educacionais.

Fonte:http://66.media.tumblr.com/tumblr_llvaasFwcz1qfyd90o1_500.gif

O principal assunto do capítulo 2 é a formação dos heróis. Nos séculos passados, os heróis eram as pessoas que tinham ideais puros e lutavam por alguma causa nobre e morriam para ajudar as minorias e eram quase santificados pelo povo. Na sociedade consumista, os heróis perderam sua “eternidade” e se tornaram Celebridades. Não carregam em suas falas e discursos lemas igualitários ou praticam boas ações. Apenas tem rosto bonito, estão na mídia constantemente, tem seus cabelos copiados por multidões, suas vidas são vigiadas 24hs por dia. A individualidade e a futilidade tornam-se o glamour dos heróis do século XXI. A morte por alguma causa é vista como loucura ou fanatismo.

No capítulo 3 temos como abordagem principal a formação da cultura. Na sociedade líquido-moderna não são os marcos históricos, lembranças, memórias ou glórias passadas que fazem de algo um “produto cultural”, mas seu valor no mercado. Se as pessoas querem consumir determinado lugar ou coisa, aí sim teremos um produto comerciável e não uma Utopia. São os mercados que ditam o que é “essencial” para a cultura e não o inverso. No século XXI não há espaço para valorização nacional e sequer regional. A globalização vem para derrubar barreias não só geográficas, mas ideológicas, econômicas, educacionais e até culturais. Há uma necessidade de uma “cultura global” que seja identificada como um produto pronto para consumo e preparado para ser jogado “no lixo” quando se torna obsoleto.

No capítulo 4, o assunto é “construções modernas”, ou seja, a vida urbana atual. Bauman nos traz vários dados que confirmam suas suposições e estudos que analisam a fundo esse problema que afeta toda a população do século XXI: O Medo Onipresente. As arquiteturas atuais trabalham em prol do isolamento social. Não proporcionam convívio com os demais vizinhos. As residências tornaram-se fortalezas humanas e preparadas para “guerras” invisíveis e irreais. A maior guerra não se encontra nas ruas ou nos campos de concentração do século XX, mas em nossas mentes. Formos dominados pelo estado permanente de Insegurança e nosso “sensor-aranha” a todo o momento detecta algo inimigo inventado pelo Estado e o Mercado.

Fonte:http://www.diarioliberdade.org/archivos/Administradores/Maur%C3%ADcio/2013-06/150613_consumismo.jpg

No capítulo 5  Zygmunt trata sobre nós, Consumidores. Nesse capítulo uma nova faceta nos é apresentada. Somos apenas peças no tabuleiro dos “Poderosos Chefões” do Mercado Global. O mercado não quer satisfação plena de seus consumidores. Ele quer o contrário. Geram constantemente produtos que criem mais insatisfação em seus clientes. A insatisfação é a válvula que move o mercado atual, sem isso tudo seria perdido. Todas nossas frustrações, dores. Sofrimentos podem ser “curados” num shopping centeresse que é o símbolo máximo da nossa sociedade.

Viver deslizando por águas muitas vezes desconhecidas, já que a água é corrente e dá a impressão de que nunca estamos imersos no mesmo contexto, apesar de que tudo pareça sempre igual, é viver no limite. E isso significa, em alguns aspectos, manter-se em constante autoexame e autocensura, pois o mais complexo na vida líquida é criar meios que permitam estar satisfeito consigo mesmo. Assim, na reflexão de Bauman, “a sociedade de consumo consegue tornar permanente a insatisfação. O que começa como necessidade deve terminar como compulsão ou vício”.

E não é desejo da sociedade de consumo reduzir essa ansiedade, muito pelo contrário, a ideia é intensificá-la. Assim, a renovação do desejo eterno pelo ‘novo’ continua sendo a mola propulsora do mercado e do ideal de “destruição criadora”. Para ansiedade, há medicamento. Logo, cria-se a verdade ilusória de que “ficaremos bem”.

Fonte: http://www.cepb.com.br/tim.php?src=uploads/artigos/2014/05/74-1401199887.jpg&w=620&h=310&q=100

O capítulo 6 traz como tema central a Educação. Na sociedade de consumo o processo educacional tornou-se tão volúvel quanto seus atores principais. Todo o conhecimento parece ter virado um “produto” assim como alimentos, roupas e sapatos. Encontramos agora a Indústria do Conhecimento, que mostra que toda informação tem prazo de validade e as pessoas necessitam sempre estarem se atualizando. Nesse ritmo o termo APRENDIZAGEM tornou-se o sinônimo de Educação. Isso causa um desconforto nos educadores, pois apresenta o conhecimento como arma principal para o jogo dos “Chefões”, entretanto o conhecimento é tão obsoleto quanto um celular do ano passado, porque já foi lançado um da nova geração. Nesse diálogo antagônico, as pessoas pisam em um campo-minado e podem ser excluídas da guerra, simplesmente porque seu conhecimento tornou-se “ultrapassado”.

Aqui a educação das universidades não condiz com o que o MERCADO quer e o diálogo torna-se cada vez mais contraditório e caminha para um rumo que pode afetar os princípios conhecidos pelos educadores e apenas satisfazer o “Chefão”.

No capítulo final da obra, Bauman fecha o livro com chave de ouro falando de todos os temas anteriores juntamente com a responsabilidade do Estado em influenciar nas escolhas das pessoas. As pessoas parecem querer ser enganadas. Sabem que estão sendo enganadas, mas deixam-se ser levadas pelo Mercado. Nisso entraria a ação do Estado na ajuda de “escolhas certas”, onde produtos e serviços realmente visassem a satisfação e a felicidade das pessoas e não simplesmente alimentar um ciclo completamente vicioso.

Referência

BAUMAN, Zigmunt. Vida Líquida; tradução Carlos Alberto Medeiros. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

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