Por Marcos Antônio Silva Carneiro
Há o amor pelas coisas e o amor das coisas. O primeiro é aquele desejo por um sapato, um carro, uma bolsa cara. Tudo está ligado ao valor material que os outros dão e que você paga.
Mas o amor das coisas é aquela dedicatória num livro que você compra num sebo e dá a alguém que ama. E é aí que minha estória começa. Minha mãe, uma vez, me deu um livro, cuja edição dos anos de 1950, era uma peça de Shakespeare, Ricardo III. O livro era tão difícil ler, que lia quase uma página por dia, mas ele era um tesouro pra mim. Não apenas pelo esmero que ela teve em escolher algo de tão bom gosto. Capa dura, camurça vermelha, letras em dourado. O que realmente me encantou naquele livro antigo é que ele tinha duas dedicatórias. A primeira era dela para mim, e dizia “espero que enriqueça sua cultura e seu vocabulário”, e outra, essa sim datada de 23 de abril de 1957, era de um Felipe para uma Maysa com apenas um “com amor, Felipe”.
Isso é o mais puro amor das coisas. É o sentimento, a vida, a exclusividade de uma subjetividade que, voluntariamente, damos a algo inanimado. Não é apenas um objeto, no caso o livro, é um objetivo, o de dar sentido a algo por alguém que se ama.
Tempos atrás eu dei um buquê de rosas para minha mãe, coisa que ela sempre gostou. Aproveitei a ocasião e tirei uma pétala de umas das flores e coloquei dentro daquele livro que ela havia me dado muitos anos antes, esse sim, um hábito meu. Por vezes abria o livro e checava se a pétala estava lá, até que um dia não a encontrei mais entre aquelas páginas.
Não me entristeci, sequer uma melancolia senti. Tudo naquele livro havia cumprido seu ciclo. Um livro que Felipe deu à Maysa, e Francisca deu Marcos, e que continha uma pétala que se perdeu com o tempo, tinha tanto amor, tanto sentimento, que a gente nem se lembrava que era Shakespeare. Era uma estória dentro da estória dentro da estória…