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Quarto de Despejo- Diário de uma Favelada

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O livro “Quarto de Despejo- Diário de uma Favelada”,  escrito por Carolina Maria de Jesus em 1960, é um clássico da literatura brasileira. A obra relata, em forma de diário, a história de vida da autora como mãe solteira, pobre, moradora do Canindé, a primeira grande favela de São Paulo, que foi desocupada em meados dos anos de 1960 para a construção da Marginal do Tietê.

O livro é um auto relato da amarga realidade da favela, seu contexto de violência,  miséria e principalmente as minúcias de uma família que enfrenta diariamente a fome.

Quando pensamos no título Quarto de Despejo, imediatamente o associamos a um local à margem de uma casa, um espaço separado das áreas sociais e de convivência, onde se depositam materiais ou objetos que se deseja esconder ou esquecer. De forma análoga, o livro aborda exatamente essa parte da sociedade que as autoridades e as pessoas com melhores condições preferem manter à margem, sem atentar para as necessidades dos indivíduos que vivem nessa realidade e que clamam por ajuda.

Carolina Maria de Jesus, apesar de ter cursado somente até a quarta série, lia livros que lhe eram doados ou que encontrava em suas andanças pelos lixões da cidade e escrevia todos os dias, alimentando o sonho de publicar seus textos. O sonho de publicar seus textos encontrava obstáculos na sua posição social, até que, um dia, o jornalista Audálio foi até a favela para fazer uma reportagem na favela do Canindé, conheceu Carolina Maria, teve acesso aos diários e intermediou a publicação dos textos na revista O Cruzeiro.

Em agosto de 1960, por fim, os vinte cadernos que continham o dia a dia de Carolina Maria e de seus filhos e vizinhos foram publicados em formato de livro, cujo editor foi o próprio jornalista. Segundo ele, na época, optou-se por alterar a gramática para adequação da norma culta. Hoje, já há edições do diário que respeitam fielmente a linguagem da autora, com os erros gramaticais, pois traduz, de maneira realista, a forma como Carolina Maria se expressava. 

Na década de 50 e 60, contexto histórico em que o livro foi escrito, os desníveis sociais eram imensos, e a situação de carência das pessoas em vulnerabilidade social era expressiva, não havia políticas públicas para amparar essa parcela da população e não havia leis protetivas para o trabalhador. O presidente Juscelino Kubitschek assumiu a presidência em 1956 e sua atuação no campo social foi “paliativa”, percepção que a autora relata em seu livro.

Carolina Maria é catadora de papel, mãe solo de 3 filhos e, em seu diário, adentra de forma minuciosa os costumes dos moradores da favela, o vício em álcool, a vulgaridade das mulheres, as brigas entre os moradores, a falta de perspectiva de futuro, a perseguição por não querer se inserir naquela realidade. 

A protagonista dos seus relatos cotidianos é, com certeza, a fome. Carolina Maria relata com minúcias o que é amanhecer e não saber o que vai comer, se vai conseguir alimento ao longo do dia e a sua batalha para alimentar a si e aos seus filhos. Uma descrição que, certamente, causa angústia e reflexão a quem lê o livro e possui o que comer, ou para quem tem filhos e nunca os viu pedir alimento sem poder alimentá-los. 

“Não havia papel nas ruas. Passei no Frigorífico. Havia jogado muitas linguiças no lixo. Separei as que não estavam estragadas(…) Eu não quero enfraquecer e não posso comprar. E tenho um apetite de Leão. Então recorro ao lixo.” (página 93).

“Como é horrível um filho comer e perguntar: “tem mais?”  Esta palavra “tem mais” fica oscilando dentro do cérebro de uma mãe que olha as panelas e não tem mais.” (página 38)

Carolina faz uma crítica política, social e religiosa, e escancara a falta de humanidade de algumas pessoas diante da vulnerabilidade. Seus relatos nos revelam que, no mundo capitalista, o valor social da pessoa está atrelado a seu status social. A obra também mostra como a situação de extrema pobreza e a falta de insumos básicos para a sobrevivência afetam a sua saúde mental, sendo evidenciados alguns episódios de depressão, desesperança e ideação suicida.

Quarto de Despejo é um testemunho histórico e social e é relevante para a literatura brasileira. Embora tenha sido escrito em 1960, a obra continua atual em vários aspectos e traz uma contribuição para reflexão sobre as desigualdades sociais, a falácia da meritocracia, a maternidade solo, destacando a voz da mulher que rompeu as barreiras de sua condição social.

Ao ler o livro, a voz de Carolina de Jesus ecoará das páginas e te tocará profundamente pelo seu testemunho atemporal, universal da luta por dignidade, reconhecimento e pertencimento social, desafiando a sociedade a enxergar o que ela insiste em manter à margem.

Ficha Técnica:

Título Completo: “Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada”

Autora: Carolina Maria de Jesus

Data de Publicação: 1960

Gênero: Diário, autorelato

Temas Principais: Violência, miséria, fome,desigualdades sociais, maternidade solo, a vida na favela do Canindé, crítica social, política e religiosa.

Contexto Histórico: Décadas de 1950 e 1960, com grandes desníveis sociais e ausência de políticas públicas de amparo à população vulnerável.

Protagonista: A própria autora, Carolina Maria de Jesus.

Resumo: A obra é um diário que relata a amarga realidade da favela, a luta diária da autora como mãe solteira de três filhos para conseguir alimento e a sua visão sobre a sociedade e a política da época.

Impacto: Clássico da literatura brasileira , com publicações em 13 países. A obra é considerada um testemunho histórico e social que contribui para a reflexão sobre as desigualdades sociais e a falácia da meritocracia.

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