O Lado Bom da Vida e a busca para além do final feliz

Com oito indicações ao Oscar:

Nas quatro categorias de atuação (algo raríssimo): ator (Bradley Cooper), atriz (Jennifer Lawrence), ator coadjuvante (Robert De Niro) e atriz coadjuvante (Jacki Weaver). E, ainda, Filme, Diretor (David O. Russell), Roteiro Adaptado (David O. Russell), Edição.

“O lado bom da vida” é uma boa surpresa na lista dos filmes indicados ao Oscar. É de difícil classificação, assim, poderíamos dizer que é uma comédia romântica em alguns aspectos e uma comédia sombria em outros, mas, de uma forma geral, fala sobre o amor, a loucura e a superação. O filme inicia-se com a saída do personagem principal, Pat Solitano Jr (o ótimo e lindo Bradley Cooper), de uma instituição para doentes mentais. Ele foi diagnosticado com transtorno bipolar e costuma agir, em momentos de stress, de forma agressiva, além de construir pensamentos delirantes quando se sente inseguro. Esse conjunto de fatores resultou em uma série de ações que desencadearam em sua internação.  Solitano tem um pai obcecado por organização e por fatos de jogos, o que contribui para alimentar suas superstições. Seu pai é uma pessoa com boas intenções, observadora, mas também com algumas conturbações sociais advindas do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC).  Nesse cenário ENCENA (saúde mental em movimento rs), eis que temos o início de um romance atípico, mas interessante.

Pat passa a primeira parte do filme lembrando aos pais, ao amigo e a qualquer pessoa que se aproxima dele que seu desejo em ser uma pessoa melhor está relacionado à vontade de reconquistar sua esposa. Em meio a seus devaneios sobre o amor até Hemingway é torturado (ou melhor, o seu livro). Pat, em sua tentativa de ver o lado bom da vida, não entende o motivo que, até na Literatura, que é ficção (logo, pode ser mais facilmente manipulada), a felicidade não é tão comumente retratada. Então, em um ataque de fúria, não apenas pelo escritor, mas pelo contexto que compõe a vida, perde, momentaneamente, seu frágil equilíbrio, e o ódio por Hemingway produz uma das melhores (e mais hilárias e tocantes) cenas do filme.

O tempo todo você torce para o tal Hemingway sobreviver à guerra e ficar com a mulher que ele ama, Katherine Barkley. E ele consegue. Consegue. Ele sobrevive à guerra. Depois de se explodir, sobrevive e foge pra Suíça com Katherine. Mas agora Katherine está grávida! Não é ótimo? Ela está grávida e eles fogem para as montanhas, e vão ser felizes, vão beber vinho, vão dançar. Gostam de dançar. Há cenas deles dançando, o que é um tédio, mas gostei, porque estavam felizes! Acham que acaba aí? Não! Ele escreve outro final! Ela morre! O mundo já é difícil o suficiente, sabe? Já é difícil o suficiente, porra! Alguém não pode dizer: “Sejamos positivos!” “Vamos ter um final feliz na história”?  (Pat)

Tiffany (Jennifer Lawrence), a menina que mora ao lado, é uma jovem viúva que, por se sentir culpada pela morte do marido, tenta se punir ao desenvolver um comportamento sexual agressivo.  Quando Pat e Tiffany se encontram pela primeira vez, já é possível notar uma atração mútua, uma ligação relacionada, talvez, ao frágil equilíbrio de suas mentes.  Em ambos, houve um fator que intensificou a doença, mas os problemas já estavam lá, latentes, há um longo tempo. Ou seja, enquanto que, para Pat, sua esposa o trair em sua própria casa, em meio às recordações do seu casamento, tenha sido um disparador para trazer à tona os sintomas de uma determinada patologia, seu comportamento oscilante, de certa forma, já tinha contribuído para o fracasso da sua relação; assim, também, a Tiffany, que apresentava problemas relacionados à depressão antes mesmo da morte do marido, logo, os sintomas apenas se acentuaram depois desse fato traumático.

O que o diagnóstico da doença trouxe ao Pat foi uma explicação do seu próprio comportamento e uma possibilidade de criar artifícios capazes de contribuir com seu autocontrole. Isso, aliado à terapia conduzida por seu psicólogo e ao uso de medicamentos receitados pelo seu psiquiatra, não é suficiente para criar os meios que definirão uma cura, mas poderá ajudá-lo a ter uma vida melhor. Essa premissa é um dos pontos positivos do filme.

Quando Tiffany e Pat começam a apreciar a companhia um do outro, ele quase esquece o motivo que o levou a querer ser uma pessoa melhor (a ex-esposa) e ela o porquê desejou ajudá-lo (costumava agir assim por achar que tinha que se doar por completo, já que não fez isso pelo marido morto). Assim, ao esquecer os motivos secundários, os motivos principais vieram à tona, ainda que de forma inconsciente. Então, a convivência motivada por um objetivo cria uma rotina, intensifica os sentimentos e destina pouco tempo à solidão (geralmente, necessária para a construção de fantasmas). Esses fatores em conjunto provocam um efeito positivo em ambos, ainda que haja sempre a sombra de uma crise, uma tensão advinda da dificuldade em controlar as emoções.

“I was a slut. There will always be a part of me that is dirty and sloppy, but I like that, just like all the other parts of myself. I can forgive. Can you say the same for yourself, fucker? Can you forgive? Are you capable of that?” (Tiffany)

Enquanto Pat passa grande parte do filme tentando se enquadrar em um perfil que possa ser aceito por sua ex-esposa, pelos seus amigos e pela comunidade na qual vive, a forma crua e direta que Tiffany expõe suas falhas sem medo de julgamentos (especialmente, pelo fato dela reconhecer que até a parte “suja” de sua personalidade é importante na definição de quem ela é) obscurece parte de suas certezas. Essa ruptura com uma série de verdades que ele havia construído ao longo da vida e, mais especificamente, durante a sua estadia no sanatório, permeada por seu mantra de positividade, provoca a desconstrução do que ele considerava o perfil ideal para ser amado, aceito e respeitado. E, a partir disso, ele vislumbra um caminho que pode seguir se quiser encontrar a si mesmo.

“O lado bom da vida” é um filme hollywoodiano, logo o casal em questão é lindo, inteligente, e, em alguns aspectos, divertido. Além disso, tem a oportunidade de se encontrar em um momento certo e são atraídos mutuamente. Só que a vida nem sempre segue uma sequência lógica, na verdade, raramente segue. Mas, o diferencial dessa “comédia romântica” está na definição e na construção de cada personagem, pois, em alguns aspectos, eles parecem reais, talvez porque são fragmentados como a maioria de nós.


FICHA TÉCNICA DO FILME

O LADO BOM DA VIDA

Título Original: Silver Linings Playbook
Direção: David O. Russell
Roteiro: David O. Russell
Elenco: Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro, Jacki Weaver.
Ano: 2012

Alguns Prêmios:

Golden Globes – Melhor atriz em filme de humor ou musical: Jennifer Lawrence
Austin Film Critics Association – Melhor Atriz: Jennifer Lawrence
Screen Actors Guild Awards – Melhor Atriz: Jennifer Lawrence
Broadcast Film Critics Association Awards – Melhor Ator: Bradley Cooper; Melhor Atriz: Jennifer Lawrence

Doutora em Psicologia (PUC/GO). Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Ciência da Computação pela UFSC, especialista em Informática Para Aplicações Empresariais pela ULBRA. Graduada em Processamento de Dados pela Universidade do Tocantins. Bacharel em Psicologia pelo CEULP/ULBRA. Coordenadora e professora dos cursos de Sistemas de Informação e Ciência da Computação do CEULP/ULBRA.