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E que clichê

Alguém deve ter se enganado ao criar a frase: “A vida é uma caixinha de surpresas”, quando mais parece que ela é um verdadeiro baú de ironias. É toda aquela busca por ideal, por uma verdade, que no final bate em meias inverdades e desculpas para os erros ou recomeço. E isso que é o belo de todo esse momento que passamos aqui, em terra firme.

As pessoas gostam de viver na teoria, até porque a prática é muito mais complicada de se concretizar, são caminhos com mais pedras e muros, enquanto a teoria nos permite ir até o final, e começar outra verdade, e conhecer outros cantos, e voltar ao final novamente. Tudo é muito lindo na teoria, é muito real, e fácil. Por exemplo, seguir a onda “narcisista”, o “se amar antes, para amar o próximo”, é realmente, uma veracidade infindável, não há nada mais belo do que ter amor próprio; só que nos esquecemos de uma coisa, somos a junção de vários pedacinhos alheios, somos todos os olhares e confiança, em qualquer relação, em qualquer convívio, não há como sermos egoístas a ponto de pensarmos em nós primeiro; e em segundo plano está aquele a quem dedica-nos um tempo, uma vida. E, sim, podem estar acreditando que as palavras foram interpretadas de maneira equivocada, pode ser que até tenham sido mesmo, quando se trata de comportamento interpessoal, tudo parece muito distorcido e complicado de entender. Mas a questão maior é entender que todo nosso egoísmo é mútuo, não nos queremos apenas para nós mesmos, queremos para o externo, nos preparamos, nos modelamos para agradar os olhos de quem está à nossa direita, esquerda, frente e até mesmo acima. Não nos contentamos apenas aos olhares do espelho.

Você se possui, até o momento em que alguém apareça e te sequestra do seu próprio sequestro, por que ninguém quer possuir a si mesmo, ninguém gosta da idéia de “sou sozinho, sou feliz”, ninguém se contenta com a frase “nascemos só, morremos só”. Por mais fato que seja, precisamos do complemento, de qualquer afeto que nos possibilite ter todas as emoções que queremos ter, que podemos ter. O mais sozinho dos seres-humanos traz consigo lembranças de um relacionamento passado, de um filho que se formou e foi embora, de um casamento que não deu certo para a eternidade, de um neto que cresceu e já não mora mais debaixo de suas asas, e o amor próprio desse ser solitário entre lembranças, continua com ele, em pedaços, por que parte maior dele foi junto com os filhos, netos, amantes e juventude.

Enquanto aos sofrimentos amorosos, decepções e afins, é só uma questão de se dedicar ao máximo, de querer tornar tudo eterno, por que, por mais que as pessoas digam que isso é utopia, que isso só existe em contos de fadas, é o que elas querem realmente; lá no fundo, acreditam nas histórias e finais felizes. É a maneira demasiada de viver, amamos demais, sofremos demais, sorrimos demais, choramos demais, e isso não pára, entra relacionamento, sai relacionamento, e as emoções são as mesmas, da descoberta ao desapontamento, do primeiro beijo ao último tchau, é isso que move tudo, são essas emoções que nos tornam felizes internamente, é o que nos faz criar a autonomia, que nos faz crescer e ficarmos mais fortes para o próximo. E tudo se repete. É um clichê da vida.

Todos os textos são muito lindos quando escritos, poucos são os que viraram práticas, poucos são os que nasceram de uma verdade absoluta, até por que sabemos que não existe a verdade universal. Sabemos que não fazemos algo pensando somente em nós, há algo por trás que nos empurra, há uma intenção possibilitando ação. O querer do querer dos outros, a vontade de estar entre todos.

É isso que temos que realmente aprender: a amar nós mesmos porque a certeza desse sentimento próprio é o reflexo do amor de outro ser.

“Ninguém pode ser feliz sozinho”.