Relações Conturbadas: Como Ficam Os Filhos Após O Divórcio?

O divórcio é um desafio não apenas para o casal, mas também para os filhos envolvidos no processo, e pode acarretar em uma série de problemas para o convívio familiar.

Daniela Iunes Peixoto – danielaiunesp@rede.ulbra.br

 

O divórcio é o processo legal que dissolve o vínculo matrimonial entre duas pessoas. É uma decisão difícil e muitas vezes dolorosa, marcando o fim de um casamento ou união estável. O divórcio pode ser resultado de diversos fatores, como incompatibilidade, problemas de comunicação, infidelidade, abuso, divergências irreconciliáveis ou simplesmente a constatação de que o relacionamento não é mais saudável.

A separação pode ocorrer de maneira amigável, em que ambas as partes mantêm uma relação de amizade e resolvem seus conflitos sem recorrer a meios judiciais. Por outro lado, pode ser um processo mais difícil, caracterizado por intensas brigas, resultando em sentimentos de mágoa, tristeza e rancor. Além disso, é importante destacar que o divórcio afeta não apenas os cônjuges, mas também os filhos, a família e a rede de apoio envolvida. Pode ser um período emocionalmente desafiador, com sentimentos de tristeza, raiva, frustração e confusão.

Em muitos casos, como traz Amato (2000), o divórcio representa uma perda tanto para o casal, como para os filhos. A partir disso, acarreta em um desajustamento emocional e provoca sofrimentos para todos os envolvidos da família, principalmente quando o casal possui filhos menores.

Dessa forma, o divórcio se configura como sendo um processo complexo e longo, que traz diversas mudanças aos membros da família. Martins (2010) aborda o assunto ao dizer que mostra-se necessário um período de cerca de quatro anos para que todos os envolvidos consigam realizar os ajustamentos familiares apropriados após a separação.

Quando discutimos o divórcio, é comum que o foco esteja nos cônjuges, porém é essencial direcionar uma atenção especial às crianças e adolescentes, pois eles são mais propensos a desenvolver transtornos de ansiedade, depressão e outros problemas psicológicos. Portanto, torna-se importante discorrer sobre os impactos causados pelo processo nos filhos envolvidos. O divórcio pode ter um resultado significativo, pois envolve uma grande mudança na estrutura familiar e na dinâmica do relacionamento dos pais. No entanto, é importante observar que o impacto varia de criança para criança, dependendo de vários fatores, como idade, personalidade, nível de apoio emocional e como os pais lidam com a situação.

Hetherington (2005) alega que crianças com temperamento mais fácil, responsáveis, inteligentes e socialmente sensíveis possuem mais probabilidade a uma adaptação positiva diante das mudanças no sistema familiar. Kelly e Emery (2003) relatam que fatores como a autoestima, habilidades cognitivas e independência da criança, juntamente com o apoio social, também estão correlacionados de maneira positiva com uma melhor adaptação infantil.

Além do mencionado anteriormente, existem outros fatores que também contribuem para uma adaptação melhor ou pior a essa mudança. Esses fatores incluem a frequência e qualidade do contato com o pai ou mãe não guardião, o ajuste psicológico e habilidades parentais do pai ou mãe guardião, o nível de conflito entre os pais após a separação ou divórcio, o nível de dificuldades socioeconômicas e a quantidade de eventos estressantes adicionais que afetam a vida familiar, como abordado por Souza (2000).

Os sintomas relacionados a essa mudança familiar podem ser observados tanto a curto quanto a longo prazo, abrangendo aspectos cognitivos, emocionais e/ou comportamentais, e podem se manifestar em diversos contextos, como o ambiente escolar e social. Torna-se normal observar que após passarem pelo fenômeno do divórcio, grande parte das crianças ou adolescentes enfrentam desafios emocionais e comportamentais. Esse acontecimento pode incluir sentimentos de tristeza, raiva, ressentimento, demandas excessivas, ansiedade, depressão, agressividade, culpa, baixa autoestima e dificuldades para lidar com a confusão e preocupações resultantes das mudanças nas relações familiares e em sua situação de vida, aborda Berger (2003).

Além disso, outro problema abordado pelos estudiosos é a nova dinâmica financeira do lar. A falta de recursos econômicos pode acarretar diversos problemas para a criança, como menor conforto, qualidade de vida e oportunidades de estudar em boas escolas. Além disso, os momentos de lazer e cultura podem se tornar raros, atividades essenciais para o desenvolvimento social e cognitivo da criança. Os pais também podem enfrentar alterações de humor e estresse devido à impossibilidade de prover os cuidados necessários para a criança.

De acordo com Amato e Keith (1991), é possível observar que, como resultado da separação dos pais, as crianças na fase da infância podem apresentar diversos impactos negativos, tais como baixo rendimento escolar, baixa competência social, redução do nível de autoestima e dificuldades de ajustamento psicológico. Além disso, os adolescentes podem manifestar comportamentos delinquentes, dificuldades de aprendizagem e até problemas de insônia.

Fonte: Imagem stevepb no Pixabay.

Imagem de contrato de casamento sendo cortado

Diante dessa nova dinâmica familiar, a maioria dos pais sente preocupação em relação ao impacto da separação e divórcio em seus filhos. No entanto, é comum que eles também estejam angustiados e perturbados com seus próprios problemas, o que faz com que estejam menos disponíveis e atentos, e, consequentemente, menos capazes de oferecer suporte e auxílio nessa fase. Como resultado, apresentam Almeida e Monteiro (2012), os filhos acabam expostos a diversas perturbações psicológicas, que podem variar em intensidade. É de se esperar, portanto, que essas crianças expressem insatisfação em relação às suas vidas.

Souza (2000) expressa a importância de fornecer informações claras por parte de ambos os pais é fundamental para que as crianças possam compreender e lidar com a separação. A falta de explicações sobre como será a vida dali em diante é um tema que parece causar grande sofrimento infantil. Muitas vezes, para muitas crianças, é muito cedo para compreender o significado prático dessa situação. Além das mudanças na estrutura e funcionamento da família, a criança também precisa lidar com alterações profundas em sua rotina diária, o que, por si só, é extremamente doloroso e difícil, mesmo para um adulto.

Existe, ainda, o divórcio conflituoso, caracterizado por Glasserman (1989), como sendo destrutivo. Segundo a autora, nesse tipo de divórcio, a relação entre os ex-cônjuges é marcada por constantes conflitos, caracterizados por brigas contínuas com o objetivo de preservar a união. Além disso, há dificuldades no cuidado com os filhos, uma necessidade de ganhar e desvalorizar a imagem do outro, bem como a presença de intermediários litigantes, como membros da família extensa, profissionais da saúde, da escola e do sistema judicial, entre outros.

A cartilha do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aborda uma variedade de temas relacionados ao divórcio dos pais, oferecendo contribuições e dicas para a implementação de medidas que minimizem o impacto nos filhos durante e após o divórcio. O CNJ (2015) destaca que após o divórcio, é comum que os pais adotem comportamentos prejudiciais para os filhos. Isso inclui falar mal um do outro na frente das crianças, usar os filhos como mensageiros ou espiões, discutir na presença deles e dificultar o contato com o outro pai/mãe. Essas atitudes causam ansiedade, estresse, tristeza e prejudicam o desenvolvimento emocional dos filhos.

De acordo com o CNJ (2015), é comum que os pais tenham a percepção de que o divórcio é um problema apenas deles e não dos filhos. No entanto, o divórcio afeta também as crianças e os adolescentes, resultando em grandes mudanças, tais como a perda ou redução da disponibilidade de um dos pais, a queda no padrão de vida, alterações na residência, escola, vizinhança e amizades, o novo casamento de um ou ambos os pais, além do processo de adaptação aos novos membros da família.

As consequências dessas mudanças podem perdurar até a vida adulta, e até mesmo resultar em traumas que podem surgir anos depois. Portanto, é crucial lidar com o divórcio na presença dos filhos com cautela e sensibilidade. Os pais devem orientá-los e explicar as mudanças que acontecerão na vida de todos, além de evitar ao máximo discussões na frente das crianças e adolescentes. É fundamental proporcionar um ambiente seguro e acolhedor para ajudá-los a lidar com as transformações decorrentes do divórcio.

No contexto jurídico, é fundamental que os profissionais que lidam com essas famílias priorizem o bem-estar das crianças e adolescentes envolvidos. Nesse sentido, é necessário dar ênfase aos papéis parentais em detrimento dos papéis conjugais, especialmente em casos nos quais o divórcio se apresenta como um fenômeno destrutivo ao sistema e causador de sofrimento aos filhos envolvidos.

O apoio aos filhos de pais separados/divorciados representa um desafio para os profissionais de saúde mental, uma vez que essa área de intervenção tem enfrentado um aumento significativo de demanda devido ao crescimento das taxas de divórcio observadas nos últimos anos. A literatura tem evidenciado a importância e os benefícios do suporte emocional e psicológico oferecido a crianças e adolescentes que enfrentam dificuldades significativas ao lidar com a separação ou o divórcio de seus pais.

A infância é um período único na vida das pessoas, e deve ser vivido de maneira tranquila e feliz. A saúde mental da criança está diretamente relacionada ao bem-estar dos pais e à qualidade do relacionamento entre eles. Se ela crescer em uma família com conflitos conjugais, corre o risco de absorver o sofrimento do casal sem compreender claramente os motivos que levaram a essa situação. Isso pode prejudicar o desenvolvimento social, emocional e mental da criança, causando traumas que podem perdurar até a vida adulta.

Não é o divórcio em si que causa danos aos membros da família. Seria igualmente prejudicial para as crianças se o casal adiasse a separação em prol delas, mas não fosse capaz de manter uma amizade saudável. O divórcio é melhor compreendido pelos filhos quando os pais conseguem conduzi-lo de forma amigável.

É responsabilidade dos pais ou pessoas próximas da família estarem atentos às mudanças de comportamento ou outros problemas que podem ser causados pelo divórcio. Além disso, os pais devem ser capazes de separar as questões matrimoniais da relação entre os genitores e os filhos, evitando envolver as crianças nos desentendimentos do casal separado.

 

REFERÊNCIAS

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AMATO, P. As consequências do divórcio para adultos e crianças. Journal of Marriage and Family, v. 62, p. 1269-1287, 2000.

BERGER, M. A criança e o sofrimento da separação. 2. ed. Lisboa: Climepsi, 2003.

HETHERINGTON, E. Divórcio e ajustamento de crianças. Pediatrics Review, v. 26, n. 5, p. 163-169, 2005.

KELLY, J.; EMERY, R. Ajustamento das crianças após o divórcio: perspectivas de risco e resiliência. Relações Familiares, v. 52, n. 4, p. 352-362, 2003.

MARTINS, A. Impacto do Divórcio Parental no Comportamento dos Filhos. Factores que contribuem para uma melhor adaptação. Implicações Médico-Legais. Dissertação de Mestrado. Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, 2010.

SILVA, L. Boas Práticas dos Programas Psicoeducacionais para Pais Separados/Divorciados. Dissertação de Mestrado (Secção de Psicologia Clínica e da Saúde/ Núcleo de Psicoterapia Cognitiva-Comportamental e Integrativa). Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012.

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