Um crime contra a vida, contra pessoas e contra corpos fragilizados
Vitória Cardoso Figueira (Acadêmica de Psicologia) – vitoriacardoso@rede.ulbra.com
O filme “Anjos do Sol” retrata a história da pobreza e miséria enfrentada por famílias que residem no sertão nordestino. Essas famílias, em condições precárias, acabam entregando suas filhas a aliciadores em troca de pagamento, sem o intuito explícito de abordar a questão do trabalho infantil. No entanto, o filme destaca a exploração sexual de crianças como uma das formas mais cruéis de trabalho infantil na sociedade contemporânea.
A obra de Lagemann em “Anjos do Sol” não se limita à realidade específica do Nordeste, mas evidencia que essa triste realidade está presente em diversos contextos sociais, desde a pobreza do sertão e garimpos até fazendas, rodovias e no coração das grandes cidades. A exploração sexual, muitas vezes erroneamente percebida pela sociedade como prostituição infantil, é destacada no filme como um problema grave, desmistificando a noção equivocada de que as crianças e adolescentes envolvidos envelhecem de forma voluntária e deliberada.
O filme “Anjos do Sol” aborda de maneira impactante a realidade de muitas famílias no interior do Brasil, que enfrentam condições de extrema pobreza e são relegadas à invisibilidade social. Essas comunidades são frequentemente esquecidas e desconhecidas pela sociedade em geral, vivendo à margem dos direitos mínimos essenciais. Diante das condições precárias de existência digna, os valores morais muitas vezes se tornam inexistentes, deixando às pessoas vulneráveis qualquer tipo de exploração que possa proporcionar algum benefício em meio à adversidade.
Nesse contexto, o filme retrata de maneira dolorosa a mercantilização de meninas, que se torna, muitas vezes, o único recurso oferecido por uma sociedade que negligencia essas comunidades. A história de “Maria”, uma menina de 12 anos, é um exemplo trágico dessa realidade. Ela é vendida por seu próprio pai a um aliciador, sendo tratada como uma mercadoria que é transportada ilegalmente em um caminhão de transporte de frutas junto com outras meninas, todas escondidas como se fossem produtos ilegais.
O início abrupto do filme destaca a triste realidade em que famílias desesperadas vendem suas filhas menores, muitas vezes para conhecidas na capital, na esperança de proporcionar a elas uma educação básica e a chance de “ser alguém na vida”, como expressa a mãe ao explicar à filha: “vai arrumar uma casa boa pra você trabalhar, minha filha”. Esse ato é motivado pela busca desesperada por uma solução em meio a um ambiente miserável e hostil, no qual qualquer possibilidade de desenvolvimento socioeconômico parece inatingível. O filme retrata vividamente a dura realidade de inúmeras famílias brasileiras, seja nas áreas ribeirinhas, nos subúrbios das grandes cidades, nas margens das estradas ou nas remotas zonas rurais do Brasil. É uma realidade marcada pela miséria, com crianças e pais analfabetos, tornando essas famílias ainda mais vulneráveis à manipulação de aliciadores e proxenetas (Da Silva, Leli, 2014).
A esperança de um emprego doméstico na capital é apresentada como uma solução para as meninas, em meio a um contexto onde a falta de oportunidades é esmagadora. A ironia é destacada quando a própria proxeneta, chamada Saraiva, comenta: “Prostituta alfabetizada é ruim para os negócios. A única que sabe ler e escrever é a que dá mais trabalho, fica inventando contas”. Isso evidencia como a perpetuação da ignorância serve aos interesses dos exploradores, revelando a triste realidade na qual as vítimas são mantidas em um ciclo de exploração, sem as ferramentas básicas para se libertarem. O filme lança luz sobre essas questões sociais complexas, destacando a urgência de abordar as raízes profundas da pobreza e a falta de acesso à educação (Da Silva, Leli, 2014).
O aliciador, conhecido como “Tadeu”, destaca a desumanização ao referir-se às vítimas como “mercadoria de primeira” ao vender-las, incluindo Maria, a uma cafetina chamada Nazaré. Esta última se posicionou como envolvida, lucrando com o cruel mercado de venda de seres humanos. Sob a fachada de ajuda, Nazaré anuncia que as meninas que recebem roupas novas e, em breve, “uns senhores” virão adotá-las, tornando-se seus “padrinhos e protetores” (Da Silva, Leli, 2014).
No entanto, a suposta ajuda de Nazaré revela-se uma farsa, pois ela está envolvida num leilão de menores virgens destinado a “poderosas” figuras políticas e fazendeiros abastados. A cafetina explora a inocência e a vulnerabilidade dessas crianças, transformando a tragédia da exploração infantil em uma transação lucrativa. No contexto perverso apresentado pelo filme, a juventude e a inexperiência das meninas tornam-se mais vantagens nesse mercado desumano.Esta narrativa expõe de maneira contundente a exploração sistemática e desumana que ocorre nesse submundo, destacando como a ganância e a falta de escrúpulos de alguns indivíduos perpetuam o sofrimento dessas vítimas (Da Silva, Leli, 2014).
O filme destaca de maneira impactante a exploração sexual como uma das formas mais cruéis do trabalho infantil. Em uma cena perturbadora, um fazendeiro chamado Lorenço adquire Maria e Inês em um leilão, planejando apresentar seu filho no aniversário de 15 anos dele, utilizando meninas como parte de uma iniciação sexual para o jovem. A brutalidade dessa situação é evidente na forma como o ato sexual é transformado em uma transação monetária, despojando completamente a intimidação humana: “Experimente seu presente. Faça o que quiser, você tem todo o direito do mundo.” Enquanto Maria enfrentava o desespero diante da violência iminente, o fazendeiro instruiu seu filho: “Bate que ela te obedece”, revelando a terrível dinâmica de poder que coloca o “senhor” acima da dignidade da “mulher”, tratando-a como um objeto de prazer (Da Silva, Leli 2014).
Fonte: https://www.omelete.com.br
A casa 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil
A crueldade infligida a Maria, uma criança vendida pelos próprios pais em busca do sustento da família, destaca a vulnerabilidade extrema das crianças nesse contexto. Isso ressalta a negação flagrante de sua dignidade diante dos interesses econômicos dos exploradores e das famílias que, de maneira desesperada, se submetem à exploração para garantir sua sobrevivência. Essa cena angustiante ilustra a complexidade desse ciclo de exploração, sublinhando as conexões entre pobreza, falta de oportunidades e a desumanização decorrente dessas práticas (Da Silva, Leli, 2014).
Após a “mercadoria ter sido usada”, isto é, depois de terem cometido diversos abusos físicos e sexuais, a dignidade veio a ser destruída e difamada. Seu “dono” decide por exportar as duas meninas para a aldeia dos Garimpeiros na Amazônia, acreditando que elas “não servem para nada”. Quando diz: “Mande elas pro Garimpo, pra ver se a Saraiva dá um jeito e serventia pra elas”. Retratando como são vistas apenas objetos e mercadorias (Da Silva, Leli, 2014).
Uma vez mais, as jovens são transportadas como se fossem mercadorias, desta vez em um avião de carga que as leva ao coração da floresta amazônica. Este cenário exuberante, repleto de beleza e riqueza natural, torna-se palco para a desumanização, evidenciando que, mesmo em meio a tanta grandiosidade, o ser humano é reduzido a uma commodity, um mero objeto de troca para o benefício ou prazer do outro. Ao chegarem ao seu novo destino, ou talvez seja mais apropriado dizer ‘inferno’, as garotas são anunciadas na rua principal como ‘carne fresca’, com um preço estabelecido em 3 gramas de ouro por programa. (Da Silva, Leli, 2014).
Em sua nova “casa”, chamada de “Casa Vermelha” no filme, as meninas são recebidas por Saraiva, “novo dono e padrinho”. O diretor com clareza expõe como os proxenetas se autodenominam como protetores das jovens, mostrando como exploradores fazem questão de ocupar um lugar de alguém especial ou salvador para as vítimas, no intuito que se compadeça com o tal e sejam compreensíveis com tudo que está acontecendo (Da Silva, Leli, 2014).
A condição de vida das crianças e mulheres, conforme retratada no filme “Anjos do Sol”, é caracterizada por uma superexploração que abrange tanto a força de trabalho em condições desumanas quanto a supressão total de direitos, visando exclusivamente à busca pela mais-valia. O filme habilmente traduz a infância roubada de meninas em todo o país, resultado de interesses econômicos e da satisfação dos desejos mais sórdidos do homem. Baseado em uma história real, a obra expõe com maestria a dura realidade que a sociedade e o Estado precisam enfrentar (Da Silva, Leli, 2014).
REFERÊNCIAS
DA SILVA, Waldimeiry Corrêa; LELI, Acácia Gardênia Santos. Casa Vermelha: A Antitese entre a pureza da infância e a exploração sexual no Filme Anjos do Sol. Derecho y Cambio Social, v. 11, n. 35, p. 42, 2014. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5472813> Acesso em: 16 de novem. 2023.