Congruências e limites entre a teologia e a psicologia no cuidado individual e promoção de saúde mental

Evelyn Oliveira Dias  (Acadêmica de Psicologia) – @evelynodias

 

O Portal (En)Cena entrevistou o Teólogo e Pastor Thomás Franco Teixeira Dias. Atualmente ele está a frente da Primeira Igreja Batista de Palmas, é Professor na área de Culto Cristão no Seminário Batista e Vice- Presidente da Convenção Batista do Tocantins. Ele é formado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo e possui especializações em liderança avançada, gestão de pessoas e comunicação. Nessa entrevista, falamos um pouco sobre as congruências e limites entre a teologia e a psicologia e as possíveis contribuições destas áreas para a saúde da comunidade.

(En)Cena: Como você chegou à sua posição como pastor e quais são suas experiências e formação religiosa?

Thomás F. T. Dias:  Nasci em uma cidade do interior de São Paulo e cresci em um lar cristão. Aos 20 anos de idade me mudei para capital onde fui cursar Bacharelado em Teologia na Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Formei-me em 2004, ano em que fui ordenado ao ministério pastoral pela Igreja Batista em Perdizes. Comecei minha atuação como pastor auxiliar nesta mesma igreja onde permaneci até 2007 quando me mudei para Palmas e passei a atuar como pastor auxiliar na Segunda Igreja Batista de Palmas até 2012. Depois disso, fiquei um período longe do ministério para me dedicar a um projeto pessoal, mas não deu certo. O chamado ministerial foi mais forte e retornei ao ministério em 2016 como pastor auxiliar, agora na Primeira Igreja Batista de Palmas, onde hoje sou o pastor presidente. Durante os anos de ministério me especializei em Liderança Avançada, Gestão de Pessoas e Comunicação, pelo Instituto Haggai Brasil.

(En)Cena: Como sua formação religiosa influenciou sua compreensão da psicologia e da saúde mental?

Thomás F. T. Dias: Tive grande influência de um pastor, que foi meu professor na matéria de Aconselhamento Pastoral durante meu curso de Teologia. Professor Silas Molochenco, doutor em psicologia pela PUC-SP, mostrou aos alunos a importância de valorizar e compreender a psicologia como ferramenta fundamental para saúde mental, inclusive mostrando as diferenças entre o aconselhamento pastoral e o profissional da psicologia. Desde então, sempre procurei manter em meu ministério contato com bons profissionais para que eu possa encaminhar pessoas que precisam de uma ajuda profissional.

(En)Cena: Como você vê o papel do aconselhamento religioso na vida das pessoas e nas questões de saúde mental?

Thomás F. T. Dias: Para um pastor batista, a Bíblia é considerada sua única regra de fé e prática, por isso, o papel do aconselhamento religioso é uma forma de ajudar as pessoas que precisam de orientação a aperfeiçoar sua fé e desenvolverem atitudes e pensamentos orientados pelos princípios bíblicos. A maioria das pessoas que procuram um pastor para aconselhamento, geralmente estão sofrendo por algum motivo. Existem outras razões, mas posso dizer que o sofrimento é a grande demanda do aconselhamento pastoral. Minha fé e prática mostram que os ensinamentos bíblicos são muito relevantes para alguém que está sofrendo. Eu poderia usar o luto como um exemplo, ou mesmo uma família que enfrenta dificuldades em seus relacionamentos. Existe inúmeros exemplo de personagens bíblicos que passaram por situações semelhantes e que podem ajudar a exemplificar o que fazer e também, o que não fazer. Para isso, é importante utilizar princípios cuidadosos de interpretação, entendendo o contexto em que uma história bíblica está inserida e fazendo assim um paralelo válido com o presente. Para mim, o aconselhamento religioso não diz respeito a minha opinião sobre um determinado tema e nem à minha capacidade de milagrosamente apresentar uma solução ou cura instantânea, mas sim, respeitando a individualidade de cada um, ajudar as pessoas a enxergar os exemplos bíblicos e por eles guiarem suas atitudes e pensamentos. Quando isso é feito com a seriedade necessária, o resultado positivo é visível.

(En)Cena: Como você percebe a interação entre a psicologia e a religião em questões de saúde mental e bem-estar?

Thomás F. T. Dias: Particularmente, não tenho nenhuma dificuldade com a psicologia, pelo contrário, percebo que quando a psicologia e a religião conseguem caminhar com harmonia, a saúde e o bem-estar das pessoas são amplamente beneficiados; mas não posso ignorar o fato de que em ambos os lados, existem pessoas que não pensam assim, fazendo com que essa interação seja difícil e muitas vezes prejudicial. Nesse mundo globalizado e extremamente polarizado, guerras absolutamente infundadas trazem resultados catastróficos para a saúde mental e bem-estar das pessoas. Historicamente, essa interação sempre apresentou pontos sensíveis, talvez isso seja inevitável, mas para mim, isso nunca foi, e nem deveria ser um problema. Respeito deveria ser o carro chefe, mas infelizmente, o desrespeito tem sido evidenciado e infelizmente valorizado por alguns e de ambos os lados.

(En)Cena: Você já trabalhou com psicólogos ou outros profissionais de saúde mental? Como foi essa colaboração?

Thomás F. T. Dias: Sempre trabalhei. Essa colaboração é muito importante no meu ministério e sempre foi muito tranquila e saudável. Posso dizer apenas que não indico ou trabalho com profissionais que não entendem a religião como uma faceta importante do ser humano. Infelizmente, alguns profissionais de saúde mental, claramente tentam desconstruir e menosprezam o pensamento religioso. Eu, pessoalmente, procurei um profissional há alguns anos, e logo no início da consulta, quando eu disse que era pastor, sua resposta foi: “Vixi, pastor é tudo bipolar”. Na hora, chocado com a sua fala, eu pensei que, ou ele era realmente muito bom para diagnosticar alguém na primeira pergunta, ou era um péssimo profissional. Fiquei com a segunda opção. Infelizmente, reconheço que alguns religiosos também desrespeitam profissionais da saúde mental.

(En)Cena: Quais são os desafios comuns enfrentados pelas pessoas em sua comunidade religiosa em relação à saúde mental e questões psicológicas?

Thomás F. T. Dias: Não sei se os desafios enfrentados pelas pessoas em minha comunidade religiosa são diferentes dos desafios comuns a todos. Hoje, infelizmente o que tem assolado a humanidade é a ansiedade e a depressão. Embora alguns preguem a ideia de que o cristianismo propõe uma vida de facilidades e bênção materiais, não corroboro com essa ideia, aliás, como já disse anteriormente, é preciso interpretar os textos bíblicos com princípios cuidadosos. A bíblia não promete uma vida livre de dificuldades a ninguém. O próprio Jesus disse em suas palavras que “no mundo tereis aflições” e ele continua dizendo em seguida, “mas tende bom ânimo, eu venci o mundo”, esse é o segredo: um olhar realista e esperançoso. O entendimento de que em meio às aflições é possível ressignificar acontecimentos da vida. Muitos cristãos gostam de citar uma passagem bíblica em que o apóstolo Paulo diz, “… em todas essas coisas, somos mais que vencedores” para pregar a ideia de uma vida cheia de vitórias e livre de problemas, mas a questão do texto bíblico é: quais são “todas essas coisas” que o apóstolo Paulo cita? Anteriormente a essa afirmação, ele enumera uma lista de dificuldades e problemas enfrentados diariamente, ou seja, o princípio aprendido com Jesus é o mesmo aplicado por ele, o segredo continua sendo o olhar realista e esperançoso.

(En)Cena: Como você aborda questões delicadas, como depressão, ansiedade e traumas, dentro de um contexto religioso?

Thomás F. T. Dias: Uma coisa importante precisa ser dita, eu não faço diagnóstico de ninguém. A depressão, por exemplo, é um problema que precisa de um diagnóstico clínico. Se eu identifico a possibilidade de um transtorno mental em alguém, o primeiro passo é encaminhar para um profissional. Para as pessoas que procuram o aconselhamento pastoral e que já chegam com um diagnóstico fechado, eu procuro oferecer, como já disse anteriormente, meu conhecimento bíblico para propor atitudes que ajudem as pessoas a superarem suas dificuldades. O princípio é sempre o mesmo, uma correta utilização dos ensinos bíblicos para lidar com todas as questões.

(En)Cena: Que recursos ou redes de apoio estão disponíveis para pessoas da comunidade religiosa que enfrentam desafios de saúde mental?

Thomás F. T. Dias: Oferecer um ombro amigo, um abraço sincero, tempo e atenção para ouvir as pessoas, são recursos abundantes em uma comunidade cristã. Essas atitudes são sempre valorizadas e incentivadas em minha comunidade religiosa. Pode parecer simples, mas talvez seja o que de mais eficiente nós temos em nossa igreja. Esses pequenos gestos são a porta de entrada para se identificar um problema mais sério, que geralmente é encaminhado para o pastor e consequentemente para um profissional na área de saúde mental se for preciso.

(En)Cena: Pode compartilhar histórias de sucesso ou superação que envolve a colaboração entre a religião e a psicologia?

 

Thomás F. T. Dias: Poderia citar inúmeros casos. Na verdade, isso faz parte do meu cotidiano e é algo realmente comum. Já consegui evitar algumas vezes a tentativa de suicídio ao intervir a tempo e encaminhar as pessoas para um tratamento adequado. Recordo-me de outro caso, onde ao atuar com a ajuda de uma profissional, conseguimos identificar um caso de transtorno afetivo bipolar que quase culminou em um desastre familiar. Hoje essa pessoa está muito bem, continua casada, com filhos e desfruta de um ambiente familiar seguro. Esses são exemplos de situações mais graves e que graças a Deus não são tão comuns. Situações mais brandas são corriqueiras e é sempre muito bom poder contar com a ajuda de profissionais capacitados para ajudar as pessoas e principalmente testemunhar o resultado positivo que pode ocorrer quando aliamos a religião à psicologia.