O Amor em “Ruby Sparks – A namorada perfeita”

Transforma-se o amador na coisa amada, por virtude do muito imaginar;
não tenho logo mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada (…)
está no pensamento como ideia; [e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como matéria simples busca a forma
.
(Luís de Camões)

 

O que é o Amor? Certamente a maioria das pessoas, senão todas, já fez essa pergunta. Baseando-se em experiências ou apenas seguindo poemas, canções, novelas ou filmes, também acreditam ter vivenciado o amor. De alguma forma essa questão do que seria o amor esteve presente na vida das pessoas.

Para discorrer sobre o filme proposto “Ruby Sparks – A namorada perfeita”, façamos um breve ensaio teórico sobre o fenômeno que leva o título de “Amor romântico”, no campo da Psicologia e sob à luz das diferentes abordagens psicológicas.

Os estudos sobre o amor, supostamente, iniciaram-se na primeira década do século XX. Baseando-se nas pesquisas de Sternberg (1997) existiram três primeiras teorias acerca do amor sob a ótica da Psicologia, nascidas todas do campo clínico da área, sendo elas; duas da psicanálise e uma do humanismo. Defendidas, respectivamente, pelas teorias de Sigmund Freud, de Theodor Reik e de Abraham H. Maslow. Mais adiante teremos o Behaviorismo de B. F. Skinner, que também dissertou sobre esse sentimento, embora muitos creem –erroneamente – que os behavioristas não possuem sentimentos e nem que admitem possuí-los¹.

Para Freud (1996/1922) o amor só ocorre após a construção do ideal de ego do indivíduo, sendo, nesse caso, o amor a um objeto externo. Assim, a teoria acerca do desenvolvimento psicossexual, instiga que a escolha de um objeto de amor externo só é possível caso o indivíduo tenha primeiro toda a sua energia libidinal direcionada para si mesmo. Diante disto, Freud diz que o narcisismo é um aspecto importante para a construção de relações afetivas amorosas, sendo assim, tem-se o objeto do amor como resultado de uma escolha a partir daquilo que é observado como algo que falta ao indivíduo.

 

Reik (1944) também levantou propostas acerca do amor. Segundo ele, apesar de psicanalista, diferente da visão psicanalista tradicional, propõe algo diferente sobre o amor. Se para Freud o amor é baseado na energia libidinal, para Reik o amor e o desejo possuem forças motivadoras que diferem entre si. Segundo esse mesmo autor, o amor é um interesse apaixonado por outro corpo, por outra personalidade, ao passo que o desejo é voltado para uma paixão narcisista, voltada para a própria pessoa.

A corrente humanista traz em sua teoria dois tipos de amor, defendidas por Maslow (1962), para ele o amor pode ser do tipo D-love (deficienty love/ amor deficiente) que possui as propriedades propostas por Freud, neste caso o amor em relação à outro indivíduo surge com o objetivo de sanar as próprias deficiências, e o B-love (being love/amor) baseia-se nas relações entre pessoas auto realizadoras, aquelas que podem amar outras pessoas pelo o que elas, de fato, são (MARTINS-SILVA, TRINDADE, SILVA JÚNIOR, 2003, s/p).

Foram essas as três proposições que deram início aos estudos referentes ao tema Amor, no campo da Psicologia, embora existam diversos estudos que possuem outras denominações do que é o amor.

Em seu trabalho, Martins-Silva, Trindade, Silva Júnior (2003) apresentam um ensaio teórico, aprofundando na ótica da Psicologia Social, sobre o amor. Nele, encontramos alguns pontos importantes que merecem complementar este discurso. Segundo os autores citados acima, a primeira proposta teórica que abordou o amor romântico na Psicologia Social propôs elaborar uma distinção entre amar e gostar. Martins-Silva, Trindade, Silva-Júnior (2003) citam Rubin (1970) como precursor nesta discussão, segundo ele o amor é uma atitude em relação a uma pessoa alheia e particular, envolvendo a predisposição de pensar, sentir e agir de certa forma em relação a essa pessoa. Foi seguindo esta proposta que diversas teorias surgiram com o mesmo intuito; definir o amor.

Há também as definições dadas por Walster e Walster (MARTINS-SILVA, TRINDADE, SILVA-JÚNIOR, 2003 apud WALSTER E WALSTER, 1978), sendo elas divididas em dois tipos: o amor companheiro e o amor apaixonado. Tal teoria diz que o amor possui dois estágios; primeiro surge uma atração apaixonada e logo depois se transforma em amor companheiro, isso acorre apenas se o relacionamento sobreviver ao primeiro estágio; paixão. Em contrapartida Clark e Mills (1979) focaram seus estudos na atração interpessoal em relacionamentos de troca e propuseram que tais relacionamentos são baseados em questões econômicas, ao passo que em relacionamentos cuja a base é o amor estão baseados em motivos altruístas.

Mais adiante o Behaviorismo, defende que existe um mundo privado de sentimentos e estados da mente, mas este está totalmente fora do alcance de uma segunda pessoa, logo assim sendo distante, também, da ciência. Ainda que esta não seja uma posição satisfatória.  Segundo a corrente behaviorista o sentimento é um tipo de ação sensorial, Wiliam James diz que aquilo que sentimos é uma condição do nosso corpo.

 

“O que é o Amor se não outro nome para reforçamento positivo?” Não há frase melhor que embase a teoria de Skinner (1978) sobre o Amor. Segundo Skinner (2000) existem dois tipos de eventos reforçadores; apresentação de estímulos e remoção de algo contingente à resposta. O efeito é o mesmo, em ambos os casos, o reforço será responsável pelo aumento da probabilidade de respostas. Por que Skinner faria tal comparação, entre Amor e reforçadores positivos? Porque tal topografia apresenta grandes proporções em relação com a adição de eventos.

Existem, ainda, inúmeras discussões de diversas abordagens que conceituam o amor de formas distintas. A Psicologia, no todo, define o amor como sendo um estado psicológico qualitativamente diferente. Além de incluir uma gama de outros elementos que intensificam este sentimento (paixão, desejo, proximidade, exclusividade, preocupação intensa, dentre outros).

E para os amantes da literatura? O amor não cientificado, não resumido ou reduzido. O quê, para os “meros mortais”, seria?

Este é o tema principal por detrás do filme Ruby Sparks – A namorada perfeita. Obra escrita por Jonathan Dayton e Valerie Faris, autores de “Pequena Miss Sunshine”. Embora tenha em sua descrição como sendo um filme de comédia-romântica, pouco se tem, realmente, de comédia. Há certo toque de drama que por vezes deixa a trama carregada, principalmente quando próximo do fim, como se o desfecho fosse um choque de realidade e até mesmo um “sermão” sobre o que as pessoas, ou pelo o menos a maioria delas, entendem sobre o amor.

Não faço uma crítica referente a roteiro, trilha sonora ou atuação dos atores, o intuito principal desta análise está realmente no que o filme traz além das aparências.  Temos uma história pouco convencional, que não existiria em nossa realidade, mas a história possui, quem sabe, personagens quase que reais, a julgar por suas personalidades e conflitos.

Calvin (Paul Dano, que também estrelou em Pequena Miss Sunshine) é um jovem romancista que alcançou sucesso repentinamente e muito cedo, apesar da fama e do reconhecimento, está passando por uma crise que o atrapalha no desenvolvimento do seu novo romance. Mas este não é o estopim de toda a crise, na verdade o escritor passa por crises em todos os campos da sua vida; afetivo, social, profissional e existencial. Em suas sessões de terapia demonstra ser uma pessoa dependente e com dificuldades de se relacionar. Como sua principal queixa é a falta de inspiração para escrever, seu psicólogo elabora uma tarefa simples mas que permite a Calvin uma melhora excelente.

 

 

A tarefa é escrever. Mas, ele não é um romancista que está sofrendo por não conseguir escrever um novo romance? Sim, mas a questão está na diferença do trabalho. Agora ele não escreverá para os outros e sim para si. Finalmente o jovem escritor cria um personagem totalmente inspirador: Ruby, a mulher ideal. Tão perfeita para ele que seria incapaz de existir. Engano de Calvin, engano nosso.

 

 

Ruby aparece, em questão de um piscar de olhos, na frente de Calvin. Atordoado e culpando-se, se auto afirmando como louco e portador da “síndrome da imaginação hiperativa”, o escritor foge da garota, como se estivesse querendo fugir do próprio pensamento.

 

 

Surge então as questões essenciais do filme. Calvin tem o privilégio de inserir em Ruby, através do que escreve, características que o satisfaz. Apesar disso o jovem prefere ter uma vida normal com a garota, esquivando-se da vantagem de transformá-la no que ele deseja. Calvin, no entanto, ao deparar-se com a possibilidade de separar-se de Ruby, e com medo de perdê-la, decide então começar a escrevê-la.

 

Todo esse poder, de tornar sua parceira perfeita, traz também grandes responsabilidades. Antes de tudo devemos lembrar que Ruby é um personagem real, ela existe, é um ser humano complexo, cheia de problemas e dona de uma personalidade forte, tornando a vida de Calvin um pouco mais complicada, portanto ele tem que aprender como lidar com sua própria criação, pois embora real ela sofre alterações devido ao “poder” do romancista.

 

Calvin projeta em Ruby todos os seus gostos, sentimentos e ações, Ruby por sua vez o confunde, manipulando-o, com seus comportamentos, com suas vontades próprias, fazendo com que o escritor se confunda com seus próprios desejos. Calvin deixa de ser para ela e tornar-se uma espécie de criador. É ela quem precisa de “reparos”?

 

 

O privilégio de Calvin é o desejo de muitas pessoas, tornar-se escritor da vida do outro, ter total controle sobre o companheiro. Poder escolher desde o tipo de roupa, gosto musical até a própria personalidade. Entra aqui a questão do idealismo. Idealizar alguém perfeito para nós. Tornar o outro aquilo que nos agrada. Mas, até onde estamos cientes daquilo que desejamos e do que queremos? Buscamos no outro o que não encontramos em nós mesmos?

 

 

Seria isso o Amor? A satisfação total de ter alguém ao lado, capaz de sanar as nossas inquietudes como indivíduos e de possuir características que julgamos serem essenciais para nós, parece tornar-se um manual que programa a vida humana, deixando o indivíduo reduzido à um querer programado; transformar o outro no que queremos. Por quê essa dificuldade de aceitarmos o outro como ele nos vê?

 

A trama, além de tudo, traz questões éticas (o livre arbítrio de transformar Ruby no que Calvin deseja), relações familiares e relacionamentos afetivos. As discussões podem tomar proporções bem maiores e mais detalhadas, se escolhermos basearmos em um único ponto, tal como nesta análise, focada em relacionamento afetivo.

Mas afinal, o que é o amor?

REFERÊNCIAS:

SKINNER, B. F.. O lugar do sentimento na análise do comportamento. Disponível  em: <http://www.itcrcampinas.com.br/pdf/skinner/lugar_sentimento.pdf>.

¹MARTINS-SILVA, Priscilla de Oliveira; TRINDADE, Zeidi Araujo and  SILVA JUNIOR, Annor da.Teorias sobre o amor no campo da Psicologia Social. Psicol. cienc. prof. [online]. 2013, vol.33, n.1, pp. 16-31. ISSN 1414-9893.  Disponível  em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932013000100003>.

SAIBA MAIS:

O amor do Behaviorismo radical: http://psicologia-ro.blogspot.com.br/2012/08/o-amor-do-behaviorismo-radical.html

O Amor e a Psicologia:http://psicob.blogspot.com.br/2009/02/o-que-e-o-amor.html

 

FICHA TÉCNICA:

RUBY SPARKS: A NAMORADA PERFEITA

Gênero: Comédia, Fantasia, Romance
Direção: Jonathan Dayton, Valerie Faris
Elenco Principal: Paul Dano, Zoe Kazan, Chris Messina, Antonio Banderas
Origem: EUA
Ano: 2012