A Relevância da Educação Sexual na Educação Fundamental

Giselle Carolina Thron: giselle.thron@ceulp.edu.br

A educação sexual é um tópico de grande importância na sociedade contemporânea, pois aborda questões fundamentais relacionadas à saúde, relacionamentos e desenvolvimento pessoal. Explorar e entender como o tema é significativo na vida de crianças e adolescentes é de fundamental importância para o desenvolvimento completo do ser humano. Neste sentido, o EnCena se volta para a importância do tema educação sexual em escolas de educação básica no intuito de entender como profissionais de educação e população discente entendem e abordam o assunto. Para isso, entrevistamos a professora Keylla Cristina Arruda Farias, profissional de educação da rede pública do Tocantins com 19 anos de experiência para falar sobre o assunto.

 

 

(En)Cena:  Faça uma apresentação pessoal enfatizando sua formação e campo de estudos.

Keylla Cristina: Me chamo Keylla Cristina Arruda Farias, sou professora efetiva pela Secretaria Municipal da Educação há 19 anos, possuo graduação em Pedagogia, pela Universidade Federal do Tocantins, sou especialista em Docência Para Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, sou mestre em Letras pela Universidade Federal do Tocantins, cujo projeto de pesquisa tem como tema Diversidade sexual e Equidade de Gênero na Perspectiva Escolar: Documento Curricular e Práticas Discursivas. Atualmente, atuo com educadora na Escola de Tempo Integral Professor Fidêncio Bogo, que intervém com um projeto agroecológico desenvolvido pela unidade escolar, no distrito de Taquaruçu Grande.

(En)Cena: A escola e os professores compreendem a sexualidade e o gênero?

Keylla Cristina: Esta pergunta é basicamente o problema nevrálgico da minha pesquisa.

Para que o professor tenha domínio de entendimento sobre as temáticas de gênero e sexualidade no ambiente escolar, é preciso escarafunchar primeiramente se no Projeto Político da Escola há um embasamento dessas abordagens. É necessário provocar se no sistema educacional há uma boa base de formação contínua sobre tais pautas, pois sabemos que o currículo é um poder do sistema dominante que exclui as subjetividades humanas. Logo, com base nesses estudos, é possível compreender que há todo um aparato discursivo que limita o professor de estudar e de se amparar em metodologias que compreendem essas discussões em sala de aula. Há um poder disciplinar que engessa o currículo e inviabiliza o docente a trabalhar com autonomia as pautas identitárias dentro das escolas.

(En)Cena: No PPP da escola quais documentos da educação brasileira abordam o conceito de sexualidade?

Keylla Cristina: Dentro do projeto pedagógico escolar, os estudos e análises sobre gênero e sexualidade são pendulares em avanços e retrocessos. Historicamente, o documento que aponta a sexualidade de modo ainda tímido e no contexto da transversalidade e embora tenha-se criado em um panorama globalizado e com interesses internacionais, O Parâmetro Curricular Nacional PCN é um precursor da importância de se trabalhar a sexualidade nas escolas, mormente as públicas. As Diretrizes Curriculares Nacionais DCNs endossam que as escolas, na elaboração de seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPP), devem incorporar temas que se relacionem com fatos relevantes da realidade. Nesse aspecto, as questões de gênero, etnia, classe, dentre outras, devem subsidiar as partes integrantes do PPP e do regimento escolar. Já a Base Nacional Comum Curricular BNCC – enquanto documento normativo vigente – sofreu retrocessos, pois devido a um movimento político ultraconservador, o documento sofreu supressões no que se refere aos temas gênero e sexualidade. O exemplo mais recente desse embate foi a retirada das expressões “orientação sexual” e “identidade de gênero” da versão final da BNCC, devido a pressões exercidas por grupos religiosos conservadores.

(En)Cena: Como a escola lida com a diversidade sexual no seu contexto diário?

Keylla Cristina: Ao longo da minha experiência profissional, a escola já começa a abrir um espaço de discussão ainda muito moderado, em detrimento de dois aspectos determinantes: a formação ou má formação dos educadores, sobretudo por apoio ou falta de apoio da equipe diretiva, no âmbito das discussões de gênero e sexualidade e o receio da escola enquanto instituição curricular de se posicionar sobre as discursividades. O outro fator está intrinsecamente ligado ao primeiro, que é a relevância dos estudos das pautas identitárias que vai na contramão de uma política ainda dominante e ultraconservadora do Estado e da sociedade.

(En)Cena: Durante os processos de formação de professores os temas “sexualidade, gênero e diversidade” fazem parte da formação? de que forma?

Keylla Cristina:No início do primeiro mandado do governo Lula (2003), foi criada a Secretaria de Políticas para Mulheres, com status de Ministério. Em 2004, criou a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade, no âmbito do Ministério da Educação (MEC), que foi o órgão responsável por articular as ações de inclusão social com a valorização da diversidade e com o destaque às demandas até então invisibilizadas e não atendidas efetivamente pelos sistemas públicos de educação com as questões de gênero, sexualidade, raça-etnia, entre outras. Ainda no ano de 2004, foi lançado o “Programa Brasil sem Homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra LGBTQIAP+ e de promoção da cidadania homossexual”. Esse programa significou um marco político na discussão e na institucionalização das temáticas de orientação sexual e identidade de gênero nas políticas educacionais do Estado brasileiro. Em seu programa de ações, o Programa Brasil Sem Homofobia propôs, no eixo sobre “Direito à educação: promovendo valores de respeito à paz e à não discriminação por orientação sexual”, elaborar diretrizes para a orientação dos Sistemas de Ensino na implementação de ações que assegurem o respeito ao cidadão e à não discriminação por orientação afetivo-sexual (BRASIL 2004). A primeira oferta do GDE (Gênero e Diversidade na Escola) no Tocantins ocorreu no ano de 2013, na modalidade “aperfeiçoamento”, sob coordenação da mesma equipe que em 2015 iniciou a oferta da especialização lato sensu. Esta equipe de pesquisadoras e professores da Universidade Federal do Tocantins, que coordenou e organizou o projeto GDE, foi composta por docentes e discentes egressos do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos da UFT, criado em 2009, no Campus do município de Miracema do Tocantins. O aperfeiçoamento formou, no ano de 2013, aproximadamente 100 cursistas profissionais da educação básica municipal e estadual em uma oferta de 150 vagas, enquanto a especialização certificou, no ano de 2017, aproximadamente 50 cursistas em uma oferta de 75 vagas. Os produtos do GDE envolveram desde a formação às ações executadas em pelo menos 20 escolas distintas da rede pública local. O desdobramento de projetos de extensão e pesquisa da própria equipe de trabalho também compõem os indicadores positivos do GDE. Análises do impacto do GDE a nível de mestrado e graduação também foram comunicadas em dissertações, monografias e artigos científicos, dentre elas este documento que em que sou subscritora.  E é a partir desse projeto que envolveu diretamente 100 pessoas, que será avaliado o impacto positivo de formação de professores e os educandos contemplados neste modelo de educação onde o professor aborda as temáticas de modo embasado contemplado pelas diretrizes educacionais. A partir desse programa, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SECAD) passou a financiar e apoiar programas de formação docente sobre os temas da diversidade, incluindo a diversidade de orientação sexual e gênero. Nesse campo, há o curso Gênero e Diversidade na Escola/GDE, voltado para a formação de professores nas temáticas de gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais a partir de uma abordagem interdisciplinar e transversal. O curso foi oferecido desde 2006 por meio da modalidade de educação à distância e resultou de uma articulação entre diversos ministérios do governo brasileiro (HEILBORN; ROHDEN, 2009). No Distrito Federal, o curso foi ofertado pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília desde o ano de 2009. Nesse período, houve três edições (2009, 2012-2013 e 2013-2014) e formaram mais de 489 profissionais da educação da rede pública do Distrito Federal.

(En)Cena: Se existissem palestras, oficinas e demais atividades sobre a temática, as violências diminuiriam?

Keylla Cristina: Certamente. O principal viés de uma educação pautada nos princípios de uma educação democrática é construir um currículo inclusivo que abranja as pautas sobre o reconhecimento dos direitos às subjetividades humanas. O sistema educacional deve – em caráter de urgência – reformular os projetos políticos pedagógicos das unidades escolares, no propósito de se pautar em estudos e ações educativas que discutam cada vez mais políticas afirmativas que combatam ou ao menos reduzam as violências de gênero, a violência de identidade sexual, sobretudo numa perspectiva interseccional.

(En)Cena: Na visão da escola, sexualidade é sinônimo de sexo?

Keylla Cristina: A visão escolar, num panorama geral, a sexualidade está atrelada ao biologicismo. Por isso, se faz tão necessário uma docência resguardada em formação continuada que paute essas discussões dentro das epistemologias, dentro dos estudos científicos.

(En)Cena: Como a escola promove um ambiente inclusivo e seguro para as discussões sobre sexualidade?

Keylla Cristina: A promoção nesse sentido é ainda solitária e de interesse unilateral do profissional que tem interesse em estudar mais sobre as temáticas supracitadas.

(En)Cena: Quais são os principais desafios enfrentados ao abordar a educação sexual na escola?

Keyla Cristina: O enfrentamento de um sistema ainda dominado por um discurso de poder de apagamento das subjetividades humanas.

(En)Cena: Como os alunos e alunas recebem a temática sobre sexualidade?

Keylla Cristina: São temas muito bem recebidos pelos estudantes, pois as abordagens vão ao encontro das vivências individuais dessas pessoas, que estão em processo contínuo de construção de identidades.