Entre sessões: desafios e potencialidade do vínculo psicoterapeuta-cliente

A qualidade do vínculo entre psicólogos clínicos e clientes é um catalisador para  mudança terapêutica

Ana Carla Olímpio Soares (anacarlaolimpio@rede.ulbra.br)

 

De acordo com o ponto de vista de Brandão et al. (2018), a relação terapeuta-paciente está intimamente ligada ao vínculo construído ao longo dos atendimentos realizados pelos profissionais de saúde. Quando há uma relação de confiança de ambas as partes, os resultados podem ser mais satisfatórios”. E conforme traz Mâcedo e Rocha (2015), é por meio desse vínculo formado entre o profissional e paciente que por meio da comunicação entre si, proporcionará um desenvolvimento maior e o que os autores chamam de “encontro autêntico consigo mesmo”.

Mas quais os meios que podem ser utilizados pelos profissionais para que esse processo de vinculação dê certo? Ainda conforme Mâcedo e Rocha (2015), o processo terapêutico é algo único e particular de cada paciente, o que deve ser levado em conta toda a subjetividade do sujeito. Brandão et al. (2018) expõe em seu trabalho a visão de autores que colocam que a postura, comportamentos e até mesmo gestos utilizados podem influenciar no processo. Assim como quando o paciente experimenta atitudes de impaciência, falas de julgamentos ou desqualificação do seu sofrer, atitudes como essas acabam por atrapalhar a criação do vínculo terapêutico, visto que, é necessário acolhimento, respeito e compreensão acerca das demandas daquele sujeito.

“Antônio (2017) propõe cinco princípios centrais que pautam a relação de interagência, são eles: presença, empatia, integralidade, autonomia e corresponsabilidade. (…) a presença, num sentido teórico geral, pode ser compreendida à luz do conceito de atenção plena que é uma postura de curiosidade, abertura e aceitação das experiências do momento presente. Pode se manifestar na disponibilidade mental e de escuta com a interagente, e também envolve aspectos do espaço físico” (Brandão et al. 2018).

Além desses fatores, Jorge (1999) evidencia em seu trabalho que até o local que em que é ofertado o processo, espaço esse, denominado de Setting Terapêutico é algo que gera impacto no processo de vinculação, pois é nesse espaço que será o local de escuta e acolhimento. Ademais, o sigilo profissional é uma atitude de suma importância, independentemente em que situações se encontra.

“(…)sigilo profissional que protege o cliente contra censuras, críticas, represálias. O sigilo, na verdade, é a questão mais elementar da ótica profissional e da civilidade, é o mínimo que se deve ao outro, paciente ou não. O sigilo implica uma conduta prático-moral e uma postura teórico-moral ou ética” (Jorge, 1999).

Trazendo o Código de Ética que rege a profissão do psicólogo, evidencia que “Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional” (Conselho Federal de Psicologia, 2005), mas traz a ressalva de que em situações que são consideradas perigosas para o paciente, há a possibilidade de realizar quebra de sigilo com o intuito de promover proteção para aquele sujeito, como consta no artigo 10.

“Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.

Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias”.

Voltando para o ponto de vista de Jonas (1999), o autor elucida que outra atitude por parte do profissional que ajuda na criação, estabilidade e manutenção do vínculo terapeuta-paciente, se dá pela oferta de um olhar e uma postura empática por parte do profissional. De acordo com o autor, a empatia é “a capacidade de se imergir no mundo subjetivo do outro e de participar de sua experiência, na extensão em que a comunicação verbal e não-verbal o permite”, se tornando até mesmo uma forma de ter “sucesso” nessa relação e/ou maneiras de diminuir os episódios de tentativas de fugas ou desistência do tratamento por parte do paciente.

Jorge (1999) informa que a postura que o profissional utilizará durante o contato com o paciente é importante que se dê de maneira afetiva, pois para ele, apesar de esperar uma postura de neutralidade por parte do terapeuta, o oferecimento de uma postura afetiva se torna mais benéfico sendo “caloroso e recíproco”, mas evidencia que é necessária uma cautela com essas posturas, pois não se sabe até que ponto poderia se tornar um problema.

O autor traz que é esperado como parte do profissional que durante todo o processo, ele apresente a capacidade de atender e responder ao paciente. Sobre o ato de atender, Jorge (1999) salienta que

“Atender é a habilidade que o terapeuta tem ou desenvolve no sentido de ser capaz de comunicar de forma não-verbal e de maneira clara sua disponibilidade e seu interesse pelo paciente, ouvindo-o com atenção, de maneira silenciosa, preparando para ele um ambiente seguro e adequado para as ações que ali se desenvolverão. Oferecendo ajuda corporal quando for o caso, olhando-o frente a frente, chamando-o pelo nome, colocando-se de prontidão de maneira discreta para atendê-lo, observando com persistência e afabilidade seu comportamento quanto aos seus interesses, sentimentos, carências e desejos”.

Enquanto o responder ele subdivide em: responder ao conteúdo, ao sentimento, e ao conteúdo e sentimento. O responder ao conteúdo é a capacidade do profissional em compreender nas falas/queixas expostas pelo paciente o porquê procurou por auxílio e nesse ponto o que influenciará, conforme o autor, é a capacidade de escuta daquele terapeuta. Já o responder ao sentimento, Jorge (1999) explica que seria a capacidade do terapeuta em perceber e compreender de forma clara o que está realmente sendo exposto pelo paciente e o responder ao conteúdo e sentimento, o autor pontua que é a junção das habilidades de “responder ao conteúdo e responder ao sentimento”, pois com esse item, o profissional consegue compreender a maneira e o motivo pelo qual o sujeito encontra-se em estado de sofrimento.

Quando esse vínculo terapeuta-paciente é formado e é ofertado ao paciente um profissional, que Mâcedo e Rocha (2015) colocam como um terapeuta real, que o aceita e compreende-o de acordo com suas particularidades, consegue gerar no próprio paciente a capacidade dele em se escutar, respeitar e conseguir aceitar-se. Sobre esse processo de mudanças no paradigma do paciente e os efeitos que geram, os autores Mâcedo e Rocha (2015), trazem a visão de Carl Roges (1997, p. 43) que diz que

“Então o outro individuo na relação: experienciará e compreenderá aspectos de si mesmo que havia anteriormente reprimido; dar-se-á conta de que está se tornando mais integrado, mais apto a funcionar efetivamente; tornar-se-á mais semelhante à pessoa que gostaria de ser; será mais autodiretivo e autoconfiante; realizar-se-á mais enquanto pessoa, sendo mais único e autoexpressivo; será mais compreensivo, mais aceitador com relação aos outros; estará mais apto a enfrentar os problemas da vida adequadamente e de forma mais tranquila”.

Quando esse vínculo terapeuta-paciente se dá de maneira positiva, traz como consequência um processo terapêutico significativo e com espaço para promover o crescimento, tornando o sujeito autônomo e independente, assim como sugere Mâcedo e Rocha (2015), complementando que

“Caminhar para o crescimento, é focar nas potencialidades do indivíduo e no que de melhor ele apresenta, e não no sintoma e no problema que por vezes o nomeia. (…) é possível citar palavras que significam terreno fértil para o crescimento: confiança, aceitação, respeito, não julgamento, responsabilidade etc. A terapia é o encontro de duas pessoas que procuram atingir níveis mais altos da sua existência, descobrindo no caminhar ausência e presença de recursos que impulsionam o desenvolvimento de si mesmos, através da descoberta do que cada um traz consigo”

Ainda sob os efeitos que a relação terapeuta-paciente proporciona, pode-se levar em consideração o ponto de vista de Lima (2007) onde expõe que “o papel do terapeuta como agente reforçador, no contexto supracitado, é primordial para promoção e manutenção de uma relação interpessoal de ajuda, com a finalidade de viabilizar mudanças no processo terapêutico”. Assim sendo, pode-se concluir que ao adentrar em um processo terapêutico se faz necessário a promoção de um espaço de escuta, acolhimento, respeito para que seja possível a criação e fortalecimento do vínculo necessário para esse processo, pois como evidenciado nos autores utilizados, a relação terapeuta-paciente será um dos gerados de mudanças nos paradigmas dos sujeitos.

Referências

BRANDÃO, Amanda Soares et al. A Relação Terapeuta-Paciente e sua Contribuição à Qualidade da Assistência. CIPEEX, v. 2, p. 1817-1820, 2018.

Código de Ética Profissional do Psicólogo, Resolução n.º 10/05, 2005. ________. Psicologia, ética e direitos humanos. Comissão Nacional de Direitos Humanos.

JORGE, Rui Chamone. A relação terapeuta-paciente. Belo Horizonte: Ed, 1999.

LIMA, Eduardo Rodrigues. O papel da relação terapêutica para o sucesso da terapia. 2007.

MACÊDO, Ícaro Berbert; ROCHA, Marcos Aurélio Lordão. Relação terapêutica: chave para o crescimento. Psicologia. com. pt disponível em: http://www. psicologia. pt/artigos/textos A, v. 855, 2015.