O Mito da Beleza na Sociedade da Transparência

Refletindo a adesão e o desejo por cirurgias plásticas a partir das obras de  Byung-Chul Han e Naomi Wolf 

Naiane Ribeiro de Oliveira Silva – naianeribeiro@rede.ulbra.br

Byung-Chul Han fala sobre os vários aspectos da sociedade agarrada na transparência e em todas as formas que esse conceito pode afetar nossas vidas. Em uma parte específica de seu livro, “ A sociedade da transparência”, o autor reflete sobre a  sociedade da exposição, contexto em que tudo é concebido como uma mercadoria, sendo necessário se expor para ter valor social. (HAN, 2017). Nesse sentido, a superexposição das redes sociais poderia ser interpretada à luz da perspectiva de Han. 

Segundo Han (2017), a fotografia digital caminha de mãos dadas com uma forma de vida totalmente distinta, que se afasta cada vez mais da negatividade.  Essa negatividade seria a alteridade, o que é diferente aos olhos do outro. O filósofo assinala que é uma fotografia transparente sem nascimento e sem morte, sem destino e sem evento, sendo, portanto, desprovida de real sentido. Assim, nota-se que esse trecho se relaciona  diretamente com as “trends” vistas nas redes sociais e com a procura por perfeição constante. 

A procura por defeitos e aspectos humanos que podem ser “melhorados” e otimizados de forma contínua, leva a uma certa alienação dos sentidos, em conjunto com a exposição quase ininterrupta de corpos e vidas “perfeitas”. Essas vidas são maquiadas, cortadas e editadas para se encaixar em um padrão elevado do que seria o ideal mas nem mesmo o “ideal” é real, a vida perfeita é aquela totalmente idealizada e platônica. Nesta ótica,  Han assinala que a  “alma humana deve sua profundidade, grandeza e fortaleza precisamente ao demorar-se junto ao negativo” (HAN, 2017, p. 19). Nesta ótica, podemos refletir:  para onde vai essa grandeza e fortaleza quando se evita o negativo, quando se foge dele e o modifica?”

Sala de procedimentos cirúrgicos
Marcel Scholte por Unsplash

Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) foram feitas 1.306.962 intervenções cirúrgicas estéticas em 2020 no Brasil, esse dado cresce cada vez mais e apresenta somente cirurgias estéticas. De acordo com o jornal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul existem dois tipos de cirurgias plásticas, as reparadoras e as estéticas, em alguns casos as duas definições se encaixam (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA PLÁSTICA, 2023).

Procedimentos e padrões estéticos são amplamente divulgados para o público feminino, cirurgias para “consertar” o corpo após a gestação, para aumentar ou diminuir os seios, para alterar o rosto e muito mais. Porém, recentemente o público masculino também tem aderido a modificações estéticas, um exemplo disso é o alongamento ósseo que é uma cirurgia originalmente voltada a aqueles que tenham tido alguma irregularidade no crescimento ocorridos na infância ou sequelas de acidentes. Muitos homens sofrem com a pressão estética da altura e procuram essa solução (Serviço de Ortopedia e Traumatologia).

“A coação expositiva leva à alienação do próprio corpo, coisificado e transformado em objeto expositivo, que deve ser otimizado. Já não é possível morar nele, sendo necessário, então, expô-lo e, assim, explorá-lo. Exposição é exploração, e seu imperativo aniquila o próprio morar.” (HAN, 2017) A fim de agradar a exposição e fazer parte dela, é imperativo haver a mudança e adaptação, a forma que encontramos é através das cirurgias plásticas, exercícios físicos, dietas restritivas e muito mais. Os exemplos que encontramos do corpo e personalidade perfeita estão nas redes sociais, onde os aspectos humanos são modificados por ferramentas tecnológicas, como photoshop e inteligência artificial.

E qual é o problema disso tudo? Segundo Han, o problemático não é o aumento das imagens em si, mas a coação icônica para tornar-se imagem. Tudo deve tornar-se visível; o imperativo da transparência coloca em suspeita tudo o que não se submete à visibilidade. E é nisso que está seu poder e sua violência.

Por uma outra perspectiva, segundo Naomi Wolf (2018), quanto maior o poder e o espaço que a mulher ocupa nas sociedade, maiores as exigências em relação ao seu corpo. A autora afirma que as mulheres abriram uma brecha na estrutura do poder, contexto em que, ao passo que ascenderam em suas carreiras, outros problemas impeditivos de uma vida plena, tal como o aumento na taxa de  distúrbios relacionados à alimentação e a busca por cirurgia plástica, aumentaram consideravelmente. Isto, na visão de Wolf, é mais uma estratégia de controle do feminino. 

O conceito de beleza e do que é perfeito é profundo e tem vários aspectos associados, Naomi diz que é ainda um sistema monetário, semelhante ao padrão ouro. “Como qualquer sistema, ele é determinado pela política e, na era moderna no mundo ocidental, consiste no último e melhor conjunto de crenças a manter intacto o domínio masculino” (WOLF, 2018). Apesar da maioria dos adeptos a cirurgias e modificações corporais se identificarem como mulheres, aqueles homens que sofrem de pressão estética também são vítimas do sistema e são atores dele.

A “beleza” não é universal, nem imutável, embora o mundo ocidental finja que todos os ideais de beleza feminina se originam de uma Mulher Ideal Platônica, muitas culturas tem seus ideais baseados na seleção natural e não no que é considerado belo. Segundo Naomi, o mito da beleza não tem absolutamente nada a ver com as mulheres. Ele diz respeito às instituições masculinas e ao poder institucional dos homens, da imagem do homem e do que ele representa em uma sociedade patriarcal (WOLF, 2018).

O mito da beleza e a sociedade da exposição são obras que dizem respeito ao que significa ser mulher e ser pessoa na sociedade globalizada e engolida pela tecnologia. Os aspectos de importância do que é perfeito e belo mudam conforme o mundo e as culturas mudam, o que será das pessoas que fizeram modificações irreversíveis no futuro? Qual será a concepção de beleza pós plástica? São questões que só serão respondidas com o transpassar do tempo (da vida), mas que nos cabe reflexão e ponderação desde já. 

REFERÊNCIAS

HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência; tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ. Editora Vozes, 2017.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA PLÁSTICA. A mais recente pesquisa global da ISAPS demonstra aumento significativo em cirurgias estéticas em todo o mundo, 2023. Disponível em:<https://www.isaps.org/media/hdmi0del/2021-global-survey-press-release-portuguese-latam.pdf>. 

WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Editora Record, 2018.