A fragilidade das relações humanas transpassadas pela tecnologia

O filme Homens, mulheres e filhos retrata desafios diários do uso excessivo do mundo da internet e como isso afeta as relações que consideramos importantes

Naiane Ribeiro de Oliveira Silva – naianeribeiro@rede.ulbra.br

Lançado em 2014, o drama norte americano “Homens, mulheres e filhos” dirigido por Jason Reitman  e baseado na obra de Chad Kultgen tem como principal tema o vício na internet escancarado mas ao mesmo tempo sutil que a sociedade vive. É um filme melancólico e extremamente real que retrata a vida de diversos adolescentes e seus pais em um mundo obcecado por tecnologia e redes sociais.

A trama acompanha dificuldades sociais comuns que são afetadas pela internet e que muitas vezes não vemos essa como a culpada, e sim as pessoas com quem nos relacionamos. A cultura do videogame, anorexia, infidelidade, busca pela fama e a excessiva quantidade de material pornográfico disponível são os temas dessa obra que se espelha de uma forma sublime a vida real

Começando pelo casal, Donald e Helen Truby, que estão passando por problemas sexuais e procuram essa satisfação na internet, Helen mantém diversos casos através de um site de namoro e Donald mantém relações com acompanhantes além de manter um ávido hábito de consumo de pornografia. Em um momento Donald acaba vendo o perfil de Helen no site em que ela utiliza e vai encontrá-la, acabam discutindo sobre ambas infidelidades e decidem ignorar o acontecimento. 

Donald e Helen têm um filho adolescente, Chris, que tem interesse em material pornográfico assim como seu pai, mas sua peculiaridade é que Chris gosta de assistir aqueles que estão fora do padrão, atingindo o mundo do fetiche. Ao tentar ter interesses tradicionais, Chris começa um namoro com uma líder de torcida da sua escola, Hannah, mas quando tentam ter o ato sexual Chris não consegue se excitar e Hannah termina com ele, apesar de falar para todos da escola que fizeram sexo.

O sonho de Hannah e de sua mãe, Donna,  é de que ela seja famosa e encontram uma oportunidade de participar de uma série de tv, porém Hannah é desclassificada pelo conteúdo mostrado em um website em que tem fotos provocativas dela, o site é sustentado pela sua mãe que acredita que isso trará a tão sonhada fama. Após essa situação Donna retira o site do ar.

Todos da escola em redes sociais.
Fonte: Cena do filme, por 50 anos de filme

Ainda no círculo de Hannah, sua colega de torcida Alisson Doss perdura em hábitos anoréxicos com a ajuda de um grupo que encontrou em uma rede social e depois de anos gostando de um colega de classe chamado Brandon, ela finalmente consegue a atenção dele e eles compartilham o primeiro beijo. Depois de muita insistência por parte de Brandon ela é vencida e eles tem a primeira relação sexual do casal, que Brandon trata como algo casual e com certo desinteresse.

Allison desenvolve uma gravidez ectópica em que o óvulo fertilizado se fixa fora do útero e não consegue sobreviver. Allison tem um aborto natural e depois de ser socorrida no hospital, seus pais descobrem sobre a gravidez, enquanto isso Brandon se preocupa com os outros colegas da escola descobrirem que eles tiveram relações sexuais.

O filme retrata também a vida de Tim, que após o divórcio de seus pais para de jogar futebol americano na escola para participar de um jogo de RPG online. Após o pai de Tim, Kent, ver comentários sobre a mãe dele em um dos chats desse jogo Kent o confronta e o obriga a parar de jogar online e retornar para o futebol americano. Tim namora Brandy Beltmeyer, e eles mantêm uma relação online através de uma conta secreta que Brandy tem em uma rede social.

A conta de Brandy é mantida em segredo pois sua mãe, Patricia, é superprotetora e monitora a filha constantemente por medo dos perigos que a internet representa, porém não percebe que a sua proteção exagerada é prejudicial para Brandy. Quando Tim é proibido de acessar a internet isso o afeta, no mesmo dia Patricia descobre a conta secreta da filha e se passando por ela, fala para Tim que não está mais interessada. Essa sequência de eventos na vida de Tim leva ele a tentar suicídio por overdose de remédios e quase morrer, Brandy se desespera e Patricia desativa seus métodos de vigilância após perceber que eram métodos nocivos.

Patricia monitorando a vida online de Brandy
Fonte: Cine Garimpo

Por conta dessa preocupação exagerada de Patricia, ela comanda um grupo para pais que estão interessados em proteger seus filhos dos conteúdos presentes na internet. Em uma dessas reuniões ela conhece Donna, mãe de Hannah e a ensina sobre o que pode ser legal e ilegal no site da filha. No mesmo grupo ela conhece Kent e começa a se relacionar com ele, quando ela fala sobre o site ele se mostra contra mas eles se reconciliam após conversar sobre as dificuldades de serem pais solteiros.

Apesar de ser um filme de drama/comédia Homens, mulheres e filhos é um filme triste e melancólico porque traz de uma forma crua a natureza humana e as modificações que o contato sem moderação com a internet tem. As relações familiares, de amizade e amorosas perdem seu calor quando transpassadas pela frieza das redes sociais e de todo o mundo de informações contidas nelas.

Como praticamente com todas as coisas, o ser humano não consegue lidar com os prazeres de forma moderada e saudável, muitas vezes nos vemos envoltos em vícios de dopamina que são difíceis de identificar e de largar. Nesse filme, são retratados  a busca pelo prazer sexual cada vez mais intenso, busca por identificação e comunicação, assim como a busca pelo reconhecimento, pela fama vinda de olhos atentos e famintos do outro lado da tela.

O contato dentro e fora da família e a comunicação é a principal falta percebida na vida das pessoas e a saída mais fácil e rápida para isso é o celular, as redes sociais, os canais de comunicação e tudo que existe disponível. A saída mais complicada e dolorosa é se aprofundar em si mesmo até encontrar uma luz ou ser vulnerável com o outro e se colocar nesse lugar suscetível ao fracasso dentro das relações.

As óticas mais urgentes apresentadas são as de Chris e de Tim. O consumo da pornografia cresce cada vez mais assim como a quantidade de conteúdo disponível e os temas abordados, segundo Um estudo conduzido no Brasil pelo IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), as pessoas no Brasil começam a consumir pornografia aos 12 anos.

As consequências psiquicas que isso traz ainda não são totalmente conhecidas mas o que se pode afirmar é que a pornografia também pode ser um vício pois ativa a dopamina no cérebro. Além disso, a visão sobre as pessoas é distorcida para encaixar sobre a ótica do sexo e da objetivação de corpos, principalmente das mulheres, além do olhar deformado do desempenho sexual e a expectativa performática apresentada na pornografia.

Ao retratar um adolescente com impotência sexual gerada por esse vício, o filme levanta um alerta para o acesso precoce a esse tipo de conteúdo, que inicialmente deveria ser consumido por maiores de idade, mas a facilidade que o mundo virtual traz altera essa realidade. 

Outro aspecto urgente é a tentativa de suicídio por overdose de Tim. Quando ele se vê sem a sua rede de apoio quase estritamente virtual, essa é a única saída que ele vê, após a separação dos seus pais não é mostrado um momento de reconciliação entre ele e a mãe ou um momento de acolhimento desse adolescente o que seria importante para sua saúde mental.

Ao todo, a falta de conexão humana real e pessoal é o que realmente afeta a todos nós que estamos conectados o tempo todo, o filme acaba com uma ideia de que é nesse aspecto que precisamos prestar atenção no dia a dia, e menos na realidade existente nas mídias sociais.

Referências

SANCHES, Danielle. Pornô aos 12; primeira transa aos 18: estudo mostra hábitos sexuais no país. Viva bem UOL, 23/12/2022. Disponível em: <https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/12/23/porno-aos-12-e-masturbacao-semanal-estudo-aponta-habitos-sexuais.htm?cmpid> Acesso em: 29/03/2023

CAMPOS, Leonardo. Crítica: Homens, mulheres e filhos. Plano crítico, 03/08/2017. Disponível em: <https://www.planocritico.com/critica-homens-mulheres-e-filhos/> Acesso em: 29/03/2023