Um relato sobre autoestima e transição capilar: meu caminho até o florescimento

Honrar a nós mesmas, amar nossos corpos, é uma fase avançada na construção de uma autoestima saudável — Bell Hooks

Ana Paula Abreu Dos Anjos – anapaulaabreu@rede.ulbra.br

Fonte: Marina Leonova/Pexels.

Creio que a maioria das pessoas em algum momento de suas vidas são atravessadas por questões relacionadas a sua aparência, provérbios populares do tipo “beleza não se põe a mesa”, parece passar a mensagem de que tal atributo não é tão relevante assim no final das contas, porém ainda vivemos em um mundo que valoriza muito a “beleza”, em filmes, livros e na televisão, as histórias são protagonizadas por pessoas consideradas atraentes pela sociedade, em anúncios, belas pessoas posam para atrair o público para consumir aquele produto, e é aí que minha historia começa, crescendo alimentada pela imagem do que era ser bonita, que atributos eu deveria possuir para alcançar o status de uma pessoa atraente, e ter a autoestima abalado ao perceber que essas pessoas não se pareciam tanto comigo, uma questão em especial sempre me perseguiu, o meu cabelo.

Durante a maior parte da minha vida eu odeio meu cabelo, era o dito “cabelo ruim” e rebelde, que precisava ser domado, então sendo assim, busquei durante muito tempo uma fórmula mágica para consertar o que a natureza tão cruelmente tinha feito comigo, ao me dar uma cabelo que não era liso como os das mocinhas que eu admirava na TV, as belas protagonistas de histórias que eu cresci vendo, e além de todas as questões foram internalizadas, por meio da mídia, durante a infância vivenciei diversos episódios que constantemente me lembrava que meu cabelo não era bonito, que era difícil de lidar, volumoso demais, liso de menos, outras crianças eram cruéis com comentários na escola, os adultos não eram menos maldosos, e no topo da lista dos hates do meu cabelo, tinha eu, até que um belo dia em um salão de beleza realizei meu sonho, alisei o meu terrível cabelo, nesse momento eu tinha a esperança de finalmente me senti bem com meu cabelo, mas não foi exatamente isso que aconteceu, porque agora o meu bem estar, e a minha autoestima estava intrinsecamente ligada na conquista do liso perfeito.   

Fonte: Polina Tankilevitch/Pexels.

Horas no salão, na tentativa de encaixar minha aparência no padrão, por meio de inúmeros procedimentos químicos, a “chapinha” se transformou em uma constante na minha rotina diária, além da incansável busca pelo método mais eficaz de alisamento, com o tempo eu esqueci completamente como era meu cabelo natural, e o meu maior terror era quando ele aparecia durante o crescimento da raiz, o contraste entre o cabelo natural e a parte alisada parecia piorar e aumentar toda a raiva que eu tinha pelo meu cabelo. O peso de tudo isso foi no final das contas, minha autoestima em frangalhos, raramente eu me olhava no espelho e me sentia bonita, minha imagem para mim, por meu tempo só seria boa o suficiente se meus cabelos estivesse completamente lisos, o que demandava esforço e trabalho, que às vezes eram recompensados com dores de cabeça, pescoço, olhos lacrimejando e ardendo, e ainda assim, não era o suficiente.   

Com o passar do tempo houve um processo globalizado de mulheres passando por uma tal de transição capilar, deixando seus cabelos crescerem até se livrar completamente da parte alisada quimicamente, a partir desse movimento, a indústria de cosmético aparentemente entendeu que havia uma enorme demanda e procura por produtos específicos para cuidados com cabelos cacheados e crespos, nas redes sociais em ascensão, várias mulheres compartilhavam sua transição capilar, em relatos que se entrelaçavam em questões comuns às outras mulheres que vivenciaram a mesma história que a minha, uma caminhada que compartilhamos entre nós, percorrendo, principalmente o ponto em que o cabelo cacheado/crespo convergia com a autoestima, e a jornada de se descobrir e se perceber bonita com o cabelo natural. Entre muitas coisas comecei a perceber que talvez eu não odiasse meu cabelo, talvez eu tenha aprendido de forma constante a apreciar apenas um tipo de beleza.

Fonte: Ekaterina Bolovtsova/Pexels

Por anos senti a necessidade de modificar a estrutura natural do meu cabelo para me encaixar em um padrão inventado de beleza, acreditando que meu cabelo não era aceitável, muito menos bonito, ao olhar no espelho era incapaz de visualizar beleza em meus cachos, e tinha verdadeiro pavor ao ver minhas raízes se avolumando sobre meus fios alisados, eram horas de intensa arrumação para alinhar todas as mechas e fios, para o perfeito visual liso, em paralelo a isso, havia uma crescente frustração por não ter o que eu desejava tão intensamente, até que em um belo dia eu vi um filme por acaso, a comédia romântica “Felicidade por um fio”, lançado em 2018, nele acompanhamos a jornada de autoconhecimento de uma jovem publicitária, que alisava seus cabelos desde a infância, entendendo as nuances de seu cabelo natural, e vendo a beleza presente naquilo, olhando em direção ao passado, creio que esse foi um dos pontos de partida que plantou uma sementinha na minha cabeça, brotando modificações acerca da ideia que eu tinha sobre a real natureza do meu cabelo. 

Em um dia tão comum como qualquer outro, ao contrário de realinhar as raízes do meu cabelo eu decidi esperar um pouco mais, como quem não quer nada, foi deixando o cabelo natural crescer, e desde então reencontrei um célebre desconhecido, meu cabelo em sua estrutura natural, pois desde muito cedo ele havia sido puxado, esticado, prendido, pois era uma cabelo difícil de lidar, e ainda na minha infância, alisado, então durante a maior parte da minha vida eu não tinha conhecimento real sobre como era aquele cabelo, natural, sem químicas, além das ideias alheias já pré-concebidas sobre ele, então foi durante a transição capilar, a partir desse ponto, que eu finalmente inicie questionamentos e reflexões acerca de certas questões relacionadas ao padrão imposto sobre os cabelos crespos e cacheados, me livrei das minhas próprias idealizações e comecei, ainda que lentamente a apreciar a beleza que havia no meu cabelo natural, a reerguer minha autoestima, e entende que, que aquilo eu acreditei durante a maior parte da minha vida, que preferia e gostava mais do cabelo liso, a realidade que eu vivenciei era outra, eu foi ensinada a achar meu cabelo feio, e isso não era verdade, no final eu apenas nunca tive tempo ou oportunidade de vê-lo florescer e apreciar a beleza que ali sempre residiu.