Mudanças corporais e o luto feminino

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Boa parte de nós se lembra da liberdade que a infância nos trouxe nas boas épocas da vida, da disponibilidade de tempo, das brincadeiras e das poucas cobranças, podia-se ser criança, ser menina ou menino não era uma sentença, víamos uns aos outros sem grandes diferenças, mas não mais que de repente o mundo colorido não passa de um vulto cheio de saudade, as cores e os doces são tirados de nossas mãos, e aos poucos o colorido se esvai, as lembranças carregadas de alegria se transformam em uma rotina cheia de cobranças, porque se inicia uma nova fase, uma substituição pelo qual ninguém quer fazer parte. E como se reage a isso? A análise comportamental desse momento conturbado de transformações repentinas, onde ocorrem mudanças obrigatórias pelo tripé da vida, no âmbito social, psíquico e biológico causam diversas reações pelo qual por meio da psicologia tornam-se discutíveis pela análise desses jovens.

No momento em que ocorre essa substituição de realidades, os adolescentes passam por um luto, que se torna bem mais intenso para nós, mulheres, pois há um crescimento mais brusco e perceptível em partes como os seios, as nádegas, o alargamento dos quadris, o corpo se altera e desabrocha para a fertilidade, mesmo que o psicológico e a maturidade não acompanhem o mesmo. Não há escolhas, o mundo infantil não faz mais parte da realidade dessa menina, somos jogadas a um mundo desconhecido, cheio de cuidados diferenciados, saber lidar com as tensões hormonais constantes é um desafio mais que presente, fazendo com que as dores dessa fase sejam não apenas físicas mas, também, psicológicas.

Como disse anteriormente, o tripé psicológico e biológico já são alterados complemente, e o meio social também nos interfere com bruscas respostas, que infelizmente enquadra o corpo que caminha para o amadurecimento, com repressões fortes, muitas vezes eu ouvi “você não pode mais usar esses shorts, os meninos irão te olhar demais” isso é comum nas famílias, com instinto de proteção, pois sabem que objetificação do corpo feminino é comum, além de que até mesmo os pais em algum momento da vida já reproduziram de alguma forma essa sexualidade exagerada com algumas garotas na juventude, então também é comum ouvir “eu já fui jovem, sei como esses meninos pensam, você não vai vestida assim”, “senta direito, você já é uma moça”, “use sutiã, seus peitinhos já podem ser vistos”, frases como essas são completamente comuns, e de fato, acontecem, sou um exemplo vivo disso, é algo construído, a nossa cultura patriarcal ainda nos espreme bem mais que a natureza de mês em mês, pois a sociedade, essa sim, nos cobra diariamente, com a ditadura do corpo, do padrão e da idealização feminina.

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Passar por tudo isso é algo extremamente complicado para nós, eu vivi a fase do luto, a negação ocorreu, assim como a raiva, a barganha não foi tão perceptível, mas em alguns casos acontecem, afinal, somos subjetivos demais para sermos enquadrados.

Infelizmente a maioria das meninas, assim como eu, só começa a compreender o que vem a acontecer com o nosso corpo quando de fato já está ocorrendo, e muitas das vezes a única prévia ou instrução que recebemos sobre o que há de vir surge do conhecimento passado na escola, e isso não é saudável, pois nem sempre uma instituição nos trás o conforto suficiente para tirarmos as dúvidas, para que o assunto não seja visto como “um bicho de sete cabeças” mas acaba por transformar-se numa situação mítica, e a única esperança feminina, é que aquilo não esteja de fato acontecendo, e então se inicia o processo de negação e a frustração de saber que nada mais será como antes. Parece a maior injustiça do mundo, tirar nossa infância em prol de um corpo em que o alto reconhecimento é de difícil acesso; acostumar-se com isso se dá de modo lento, mas as transformações físicas são bem mais rápidas que isso. Enterrar a infância quando ainda se é uma criança é o grande passo para aceitar que as mudanças femininas são de fato como um luto, há uma restrição de liberdade que para tê-la novamente seria preciso de muita luta em busca da igualdade. O sofrimento a partir do momento que você se torna alvo de desejo masculino é inevitável, lidar com tantas mudanças é de fato muito complicado, e continua sendo para mim, assim como é com milhares de outras meninas.

Acredito que a psicologia tem o papel fundamental nessa fase em orientar as famílias para ter conversas sobre isso, numa tentativa de elucidar esses assuntos; tratar as mudanças e os lutos com mais cautela e naturalidade faria com que formássemos mulheres mais seguras, menos desamparadas, e menos reféns da sociedade, se todas nós tivéssemos o conhecimento da força que temos juntas, e da beleza que tem o nosso sexo, com certeza trataríamos todas as mudanças físicas com mais respeito e alegria, pois ser mulher não seria mais motivo de tristeza, se fôssemos livres para andar, para falar, para mostrar nossos corpos sem a pressão dos olhos masculinos sobre nós.

Acadêmica de Psicologia no Centro Universitário Luterano de Palmas CEULP/ULBRA. Voluntária no Portal (En)Cena - A Saúde Mental em Movimento.