Redefinindo limites: Uma narrativa sobre coragem, profissão e psicologia

Relato pessoal sobre como a satisfação profissional é possível e atemporal

Já passou pela sua cabeça que nem todo mundo tem certeza absoluta sobre o que quer ser na vida? E que a escolha profissional de alguém pode estar além do final do ensino médio? Pois é. Esta é a história de uma formanda em psicologia que perpassou por vários dilemas e faculdades antes de chegar aqui.

Eu sou Amanda, professora e mestranda em Filosofia, acadêmica do 9º período de Psicologia. O intuito desse relato é, de alguma forma, te acolher dentro das possíveis dúvidas que um processo de escolha de carreira pode gerar. Para entender o contexto, você precisa saber que eu fui uma criança um pouco diferente do que se esperava na época. Negociava meus lanches por livros, passava recreios inteiros dentro da biblioteca folheando enciclopédias e facilmente trocava interações sociais por um momento a sós com minha literatura. O uso das telas em casa era limitado e a superproteção dos meus pais limitava a minha vida social (o que só se tornou um problema na adolescência, mas isso já era esperado).

Vivendo uma adolescência um pouco conturbada, o ano era 2008 e eu estava saindo do ensino médio com nada além da certeza de que não sabia que rumo tomaria. Durante a infância, meus pais foram presentes e empenhados em fazer do meu processo educacional o melhor. Estudei em boas escolas e tive todas as oportunidades que eram possíveis naquela época. A questão é que ainda assim, não me senti segura para escolher um curso superior ao término do ensino médio. Depois de pensar várias vezes e não concordar com os resultados dos testes vocacionais, o desespero e a pressão de todos sobre uma decisão, começou a me deixar em sofrimento. Na época, eu tinha uma professora muito querida que fez brotar em mim o interesse em cursar História. Soou como uma boa possibilidade. Todavia, eu queria estudar História pois aquela menina curiosa que trocava lanches por livros, queria saber das histórias e não necessariamente ensinar sobre elas. Sem muitas opções por afinidade, era hora de comunicar aos meus pais a minha decisão.

A cidade que eu residia era interiorana e não possuía o curso, logo, se levasse a frente o planejamento, precisaria montar toda uma logística para sair da cidade e estudar fora. A resposta dos meus pais foi “não”. Por seus particulares motivos, decidiram que eu não sairia da cidade para estudar, teria que escolher entre algum dos cursos disponíveis na faculdade local. E foi assim que eu ingressei no meu primeiro curso superior: Direito. Agora é o ponto em que você pode pensar: “Qual o problema em cursar Direito?” Aparentemente nenhum, caro leitor. Exceto por uma coisa: eu odiava o Direito. Vale salientar que eu tinha dezesseis anos e não consegui – por nove períodos – me imaginar em qualquer que fosse a área de atuação relacionada ao curso. Por algum tempo tentei me encaixar pelos meus pais, porque os dois estavam felizes com a decisão. Os exemplos de familiares próximos que tinham sucesso na carreira jurídica, também eram reforçadores para que eu continuasse no curso. Só que lá no dentro de mim eu sentia que aquilo não daria certo.

Quando o primeiro ano de curso estava chegando ao final, minha mãe decidiu que eu iria estudar fora, mas não era Direito. No final de 2009, fui aceita em um programa para jovens músicos em Belo Horizonte, um tipo de internato com duração de dois anos. Ah, eu falei que sou musicista “de berço”? Pois é. Mas isso também não era algo que eu queria fazer. A música sempre foi um hobby pra mim e eu não queria institucionalizar isso. Neste momento, a minha retida vida social estava ganhando forma e sobre isso, eu estava muito bem. Todavia, era a chance que eu tinha de me livrar do Direito pelo menos por um tempo e assim aconteceu. Em 2010 então cheguei em Belo Horizonte para residir por 2 anos e aprender muito sobre música e afins. O curso não era de nível superior, mas foi um técnico que me acrescentou muitas trocas e experiências. Passado o tempo, era hora de voltar para casa e consequentemente para a faculdade. Sem a menor empolgação e expectativa de futuro, continuei por mais 4 períodos, até que casei e mudei-me para Palmas. Aqui muitas coisas mudaram, mas por vários motivos eu tinha medo de deixar o Direito. Um deles era sentir a decepção dos meus pais no olhar dos meus pais. Nessa época eu entendia que “honrar pai e mãe” significava viver a vida conforme as decisões deles, e isso me prendeu por muito tempo a decisões que não eram minhas. Transferi o curso pra cá e me tornei aluna da Ulbra pela primeira vez, em 2014.

Nesta época eu trabalhava, estudava, e não poderia estar mais frustrada sobre qualquer coisa relacionada ao Direito. O ano era 2015 e nada melhorava minhas expectativas a respeito. Lembro de ter conversas com outros acadêmicos cheios de perspectivas sobre suas futuras profissões e eu não sentia nada além de um desânimo profundo. Até que um dia, fui adornada pela possibilidade de um “amor antigo”, a Filosofia. No início, pensei que poderia ser algo somente para melhorar meu humor e não para deixar o Direito, até porque eu não me via professora de Filosofia. Ela sempre foi um “lugar mágico” pra mim, onde desde a adolescência eu frequentava a fim de entender os mistérios sobre o mundo e as pessoas. Fiz vestibular na Universidade Federal do Tocantins e quase não me contive de alegria quando saiu o resultado positivo. Agora o desafio era conciliar duas faculdades e um emprego – não deu certo. Logo, os problemas com o Direito ganharam ainda mais evidência e os reforços da Filosofia também, foi este o cenário perfeito para que eu pudesse finalmente enfrentar meus pais e dizer que iria desistir do Direito por hora. Foi uma decisão difícil com reflexos que ressoaram quase até os dias atuais.

Este foi o período inicial da minha primeira transição, mas ainda não foi de carreira, apenas de nicho. Lembra que eu disse que era musicista de berço? Em paralelo a todos esses dilemas acadêmicos, construí uma carreira sólida e agradável como professora de Música. Foram muitas escolas, apresentações, eventos, corais, práticas em conjunto e momentos relacionados. Eu amei esse universo todos os dias, até sair dele. Era confortável ser eu ali dentro, porque não era eu à frente – sempre tinha um aluno, um grupo, uma banda, um coral… até que a Pandemia da COVID-19 veio e o que era tranquilo, começou a ser bem complicado. Tinha impressão que minha sala de aula, com 30 crianças ou adolescentes, ganhou uma expansão incalculável. Era pavoroso! Lembro-me do dia em que recebi meu diploma de Filosofia, senti uma alegria imensa, mas ao mesmo tempo muito medo. Dar aulas de Filosofia não seria como lecionar Música e aqui começaram os novos dilemas a respeito.

Em 2020 eu pude conhecer um novo universo, o das consultorias. “Ensinar adultos” fora da sala de aula. Deixei o diploma guardado e comecei a estudar muito sobre desenvolvimento pessoal, bem como sobre como trabalhar com isso. Fiz muitos cursos, palestras, viagens e quanto mais eu estudava, mais sentia que precisava estudar. Essa foi uma jornada de muita relevância para eu ser quem sou agora, pois foi nela que tive meu primeiro contato com a Psicologia. Eu lia e produzia muito conteúdo digital sobre performance e carreiras, imagem pessoal e afins. Me tornei uma Consultora de Carreiras. Todavia, cada vídeo postado, era um caos imenso dentro de mim: eu me sentia completamente invadida e exposta. Como era sofrido ter que me expor! A primeira live na rede social foi um verdadeiro tormento. Tudo aquilo era completamente aversivo para mim. A criança que teve sua vida social “atrofiada” e a adolescente que passou pelo mesmo, eram a mesma adulta que estava ali para mais de 6 mil pessoas todos os dias, se colocando à prova na tentativa de conseguir superar o desconforto. Quanto mais a Consultoria crescia, mais eu queria deixar as redes sociais de vez. Entenda, meu problema não era com o cliente, fiz várias consultorias maravilhosas nesse percurso. A minha questão era a exposição desnecessária e (na minha opinião), sem sentido.

Aqui entrou a relevância do acompanhamento terapêutico na minha vida. Existiam contextos inteiros a serem analisados no meu presente (e alguns no passado), até que eu entendesse qual a função de cada comportamento meu relacionado à minha vida profissional. Não foi (e não é) fácil, mas poderia ter sido muito mais difícil e até improvável, se eu não tivesse alguém para me acompanhar e me ajudar a entender coisas que eu nem sabia que precisavam ser pensadas em mim e sobre mim. Impressionante como saber sobre si mesmo é um combustível para qualquer coisa… eu descobri nesse processo.

2021 foi o ano em que eu iniciei a maior transição da minha vida profissional até hoje. Confesso que jamais havia pensado em cursar Psicologia antes, mas naquele momento fez todo sentido. Era um universo incrível a qual eu estava familiarizada, mas bem distante de compreender, e a cada disciplina cursada, cada teoria aprendida, cada estágio, intervenção e esforço devotados à conclusão dos semestres, eu me sentia mais “em casa”. Foi na Psicologia que entendi coisas sobre o outro e o mundo, que me mudariam completamente. Foi aqui também que eu me tornei um indivíduo em constante “desconstrução de certezas” e absorvi premissas irrefutáveis sobre subjetividade, seja a minha ou a do outro. Encontrei pessoas, histórias, pessoas com histórias e uma série de acréscimos que foram para além do âmbito cognitivo. Hoje, quase ao término deste processo, posso afirmar que eu não mudaria nada. Tudo o que vivi, somou ao meu repertório comportamental e por mais que eu não tenha visto ou compreendido de imediato, tudo me tornou quem sou hoje. E cá pra nós, eu sou muito interessante.

Não importa quantas vezes você precise recomeçar algo. Recomeços não precisam ser vistos como consertos de erros, entenda que para esta pessoa que te escreve, erros não existem – o que se tem são consequências de decisões tomadas por algum motivo que em algum momento fez sentido. Tome para si a certeza de que você pode ser feliz à uma decisão de distância, mesmo que esta te leve a uma série de outras que também precisarão ser tomadas. Seja realista, e se fizer sentido, se permita sonhar novas realidades certo (a) de que o caos da mudança é provisório. Então é isso, espero que conhecer esta parte da minha história te acolha em seus dilemas. Independente de quem você seja, eu acredito no seu potencial de mudança. Com amor, Amanda.