Rede de Atenção Psicossocial: Dhieine Caminski fala sobre a RAPS

De acordo com o Ministério da Saúde (2017), dentro das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), propõe-se a implantação de uma rede de serviços aos usuários que seja plural, com diferentes graus de complexidade e que promovam assistência integral para diferentes demandas, desde as mais simples às mais complexas/graves. As abordagens e condutas devem ser baseadas em evidências científicas. Esta política busca promover uma maior integração social, fortalecer a autonomia, o protagonismo e a participação social do indivíduo que apresenta transtorno mental. Os pacientes que apresentam transtornos mentais, no âmbito do SUS, recebem atendimento na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

Acadêmicas de Psicologia do CEULP/ULBRA, em colaboração com o (En)Cena, entrevistaram Dhieine Caminski, que falou sobre a RAPS. Dhieine é psicóloga Especialista em Saúde da Família, possui experiência na área Clínica, Psicologia Pediátrica, Estudos de Gênero, Violência e Saúde, Psicanálise, Saúde Coletiva, Educação Permanente em Saúde e Gestão no SUS. Atualmente trabalha como Gerente de Saúde Mental da Secretaria da Saúde de Palmas/TO na gestão dos processos de trabalho de assistência em saúde mental dos serviços da atenção especializada (ambulatório de psiquiatria, ambulatório de saúde mental infanto-juvenil, CAPS II, CAPS AD III); articulação de todos os pontos da Rede de Atenção Psicossocial.

Fonte: https://bit.ly/2x1GlXT

(En)Cena – Como surgiu a RAPS?

Dhieine Caminski – Surgiu a partir da organização de um movimento da luta antimanicomial que tentava trazer a lógica do cuidado em saúde mental para além do hospital e território com práticas que visassem não segregar as pessoas com transtorno mental. Em 2001 entrou em vigor a lei 10216, que ficou conhecida como a Lei da RAPS, que fala dos diretos básicos de pessoas com transtornos mentais.

(En)Cena – Como funciona a RAPS?

Dhieine Caminski – A RAPS é formada por vários dispositivos dentro do Sistema Único de Saúde, dentro do SUS nos temos as RAS (Rede de Atenção em Saúde), a Rede de Atenção de Urgências e Emergências, a Rede Materno-Infantil, Rede de Condições Crônicas.

(En)Cena – Quais são os dispositivos que acompanham a RAPS?

Dhieine Caminski – Centro de Saúde da Comunidade de Palmas, o CAPS II, o CAPS AD III, as UPAS, as policlínicas, os ambulatórios, cada um com uma função específica.

(En)Cena – Qual a política da RAPS?

Dhieine Caminski – A política da RAPS é regida pela lógica de redução de danos, quando uma pessoa procura, por exemplo, o CAPS AD III para deixar de usar drogas ou álcool essa é uma vontade que ela tem, não aquilo que o serviço impõe. A RAPS vai trabalhar com ela para que ela não tenha mais um uso prejudicial daquela substância, embora a sociedade estimule o uso de algumas substâncias, na mídia, nos bares, supermercados, a equipe esta lá para ofertar saúde, se ele quer tentar abandonar o vício através da abstinência, a equipe estará lá para apoiá-lo.

(En)Cena – Em Palmas quais locais estão habilitados para ofertar serviços para as pessoas com algum tipo de transtorno?

Dhieine Caminski – Grupos comunitários, hospitais, o CAPS AD III que oferta serviço para o uso prejudicial de álcool e outras drogas, CAPS II que oferta serviço para transtornos mentais que não estão associados ao uso de álcool e outras drogas.

(En)Cena – Como se dá o acesso das pessoas a esses CAPS?

Dhieine Caminski – Os dois CAPS trabalham na modalidade portas abertas para o usuário, ou seja, qualquer pessoa que chegar lá vai ter o acolhimento inicial e será feita uma avaliação, onde depois a equipe se reúne e verifica qual o melhor atendimento à esse usuário, sendo que o atendimento é inteiramente gratuito.

(En)Cena – Quais são os horários de atendimentos nesses CAPS e quais profissionais atendem neles?

Dhieine Caminski – O CAPS II tem seu funcionamento de segunda a sexta feira das 07 da manhã ás 18 da tarde, já o CAPS AD III funciona 24 horas todos os dias da semana, mas o acolhimento inicial se dá das 7 da manhã às 19 horas, quando se tem ainda um número maior da equipe trabalhando e por uma questão de segurança. Os profissionais do CAPS II formados por médico clínico geral, psiquiatra, assistente social, psicólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, artesão e os assistentes administrativos. Já no CAPS AD III, se tem basicamente a mesma equipe, mas um número maior de enfermeiros devido a retaguarda de 24 horas, pois temos 12 leitos, que não são de internação (HGP ou UPA ),  que visam uma retaguarda psicossocial, pessoas que tenham fragilidades, passam o período de desintoxicação em até  14 dias, para então restabelecer os vínculos com a família.

(En)Cena – A RAPS atende só o usuário ou a família também?

Dhieine Caminski – Sim, além de atender o usuário, procura-se também dar o suporte a família, para que esta saiba lidar com os conflitos. Possuímos atendimentos individuais e em grupos, porém muitos familiares obrigam o parente a ir, mas elas não vão, dificultando a proximidade com as famílias.

(En)Cena – Dentro de Palmas qual é a maior demanda?

Dhieine Caminski – A maior demanda hoje se trata do álcool, chegando ao número de 93% de usuários que acessam o CAPS AD e o álcool é a porta de entrada para outras drogas.

(En)Cena – Como funciona a RAPS nos hospitais?

Dhieine Caminski – Nós podemos referenciar o Hospital Dona Regina no caso das mulheres e gestantes, o Hospital Infantil no caso de crianças e adolescentes com transtornos mentais, associados ao uso de álcool e outras drogas. Hoje a referência de leitos psiquiátricos é no HGP, onde é feita a avaliação da equipe multiprofissional para fazer ou não a internação.

(En)Cena – Qual o maior problema enfrentado pelo CAPS e pela RAPS?

Dhieine Caminski – Falta de apoio dos territórios, falta do CSC (Centro de Saúde da Comunidade) entender que não é apenas um paciente só do CAPS, mas da RAPS, hoje  a maior dificuldade nos funcionários dos CAPS é fazer com que  atenção primária entenda seu papel de articuladora da rede de atenção psicossocial,  fazendo com que o enfermeiro e o médico lá da atenção primária também atendam esse usuário, pois a RAPS tem um foco que é o sofrimento mental, mas essa pessoa vai ter necessidades diversas no seu cotidiano, é um preventivo, uma questão de um clínico geral, uma gripe, coisas do cotidiano e não é no CAPS que essa pessoa vai ter esse tipo de atenção, é no Centro de Saúde. Só que as pessoas que tem um transtorno um pouco mais moderado/grave na verdade têm pouco acesso, porque as pessoas têm muito preconceito e esse preconceito afasta o acolhimento. E essa pessoa percebe que no CAPS ela tem um melhor acolhimento e aí ela quer ser atendida só  no CAPS.

(En)Cena – Qual é o desafio que a RAPS visualiza no momento?

Dhieine Caminski – Estamos no mês de setembro, o Setembro Amarelo, onde se trabalha a campanha de prevenção ao suicídio, mas o fato é que nesse mês se tem um aumento dos números de tentativas de suicídio e notificações, quer dizer que as pessoas estão mais atentas aos números de notificações, na realidade não, há muita gente falando de suicídio de maneira não qualificada. Esse é o desafio que o serviço de saúde mental enfrenta, porque falar de uma maneira qualificada é falar de acordo com os parâmetros da Organização Mundial da Saúde, da Associação Brasileira de Psiquiatria, Associação Brasileira de Saúde Mental, que estimulam um diálogo focado na prevenção, em vez de falarmos do suicídio temos que falar daquilo que previne o suicídio, falar de habilidades emocionais, tolerância a frustração, vínculos familiares, afetivos, sociais, endossar outras relações sociais para prevenir. Se recebe muitos casos de ideação, tentativas, de automutilação, precisa-se ter muita responsabilidade para tratar desses casos na rede. Estamos traçando estratégias que vão ser tratadas num fórum de saúde mental para trabalharmos esse problema.

(En)Cena –  Quem mais procura tratamento no caso de álcool e outras drogas: homem ou mulher?

Dhieine Caminski – O homem! A mulher ainda tem esse tabu, elas usam, mas não contam, pela questão do machismo mesmo. É aceito socialmente que o homem use o álcool, por exemplo, mas para a mulher não. Tem se trabalhado nos centros de saúde essa conscientização de que a mulher precisa de ajuda e não está conseguindo procurar.