Novas formas de amar: o uso de aplicativos de relacionamento como ferramenta para paquera e namoro

Um aplicativo de relacionamento é uma plataforma digital que permite às pessoas conhecerem e se conectarem umas com as outras com o objetivo de estabelecer relacionamentos amorosos, amizades ou encontros casuais

Ana Carla Olímpio Soares (anacarlaolimpio@rede.ulbra.br)

A forma como as pessoas relacionam-se perpassa por mudanças em que o que “dita” a maneira pela qual irá se relacionar, de acordo com Araújo (2002), é “moldada pelas determinações econômicas, sociais, culturais, de classe e gênero” que esse sujeito se encontra inserido. Variáveis históricas também interferem, haja vista que até algumas décadas atrás, os relacionamentos eram arranjados pelos pais das mulheres. Na ocasião, o objetivo era estabelecer acordos que visavam benefícios que em sua grande maioria não existia ligação com sentimentos ou querer verdadeiro da parte de algum dos arranjados.

Em contrapartida, atualmente é vivenciado na sociedade a liberdade de escolher se deseja ou não estar em um relacionamento e principalmente, a liberdade de escolher o parceiro. Há uma ampla maneira de conhecer pessoas e relacionar-se com elas, como por exemplo, frequentar festas, baladas, barzinhos mais movimentados em que terá a oportunidade de ter “mais escolhas”, dentre outros possíveis lugares. Mas, além disso, atualmente as pessoas ainda contam com as maneiras virtuais, o que gera maiores possibilidades, visto que, se torna um ambiente mais amplo. Dentre essas opções estão Tinder, Happn, Badoo, Grindr, Femme, Bumble, Par Perfeito, entre outros aplicativos/sites.

De acordo com a reportagem publicada pelo Jornal de Brasília, o Brasil é o segundo país que em a população mais utiliza aplicativos/sites de relacionamento, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Ainda segundo o jornal, esse número cresceu bastante no período em que estava vivenciando a época da pandemia do Covid-19, apresentando um aumento de 215% dos usuários. Koop (2021) traz em seus estudos que esse aumento se deu ao fato de que “muitos desses usuários não procuram somente amor nesses aplicativos, mas sim uma companhia online que os ajude a enfrentar esse período de quarentena (AFP, 2021, apud KOOP, 2021)”.

Mas como é a funcionalidade desses aplicativos?

“Esses apps giram do “gostei” simultâneo e “swipe”, quando duas pessoas “se gostam” simultaneamente, a opção “chat” é desbloqueada, permitindo assim que eles iniciem uma conversa. Ou seja, os usuários não precisam estar perto ou se ver fisicamente para iniciar o contato, trazendo toda a paquera para o meio virtual (KOOP, 2021)”.

O Tinder, por exemplo, no momento em cadastrar-se, além de poder anexar as fotos que deseja, incluir seus interesses, adicionar uma biografia a qual pode descrever-se ou inserir alguma frase da qual goste, ainda é possível que a pessoa limite a distância que deseja encontrar alguém, a faixa etária, se deseja homem, mulher ou ambos os sexos, além de outras opções que podem ser desbloqueadas desde que o sujeito pague pelos serviços. Após todo o processo de cadastro, é liberado ao usuário o poder de escolha, o dar like ou não e conforme o usuário vai “distribuindo” o like, ocorre o momento em que acontece o tão esperado “match”, com isso, a opção do chat para conversa é liberada e após isso, inicia a segunda parte da paquera. Tais aplicativos com suas configurações, assemelham-se aos cardápios digitais e nesse sentido, o produto seria os próprios usuários.

Fonte: Tumisu no Pixabay

Design do aplicativo Tinder.

Ao mesmo passo que é uma maneira fácil e rápida para gerar “conexão”, é da mesma forma para desfazê-la, pois segundo Sobrinho et al. (2019),

“Os sites de relacionamentos foram criados com essa característica. Facilidade de encontros, que aqui podemos chamar de primeira interação, e ao mesmo tempo, facilidade de desconexão, haja vista que a não compatibilidade de interação entre os participantes, pode ser resolvida com apenas um desmatch entre ambos”.

Essas mudanças na maneira de se relacionar socialmente são contínuas e de acordo com o que traz em seus estudos sobre isso, Borges et al. (2022) expõe a visão de Bonavitta (2015) de que além dessas mudanças nas relações, há também uma mudança no amor, pois é colocado como um amor “efêmero, líquido e supérfluo” na atual sociedade. O que se é mostrado nas redes e/ou sites de relacionamento, é apenas aquilo que o sujeito acredita que seja “atrativo” para quem o vê, pois busca-se suprir o desejo de maneira imediata, complementando com que Borges et al. (2022) ainda descrevem sob a perspectiva de Bonavitta, pois de acordo com a autora, essa maneira de amar se mostra individualista, onde não há perspectivas para um futuro e sim como algo que é possível de vender, venda essa que ocorre por meio da “propaganda” feita do perfil, onde quanto melhor a foto exposta, quanto mais criativo se mostra, maior será as chances de encontrar um amor. “Ou melhor, quanto melhor você vender o produto (que é você!) e despertar o desejo de ser consumido a partir da publicidade que você faz de si, maiores são suas chances de ser feliz. A sociedade é regida pelo consumo e muitas vezes você é o item a ser consumido” (Borges et al., 2022).

Esse meio (internet, redes sociais, sites) ao qual a sociedade encontra-se inserida e que a cada dia se renova/modifica, os autores Paura e Gaspar (2017) evidenciam que

“A rede possibilita algo que no ambiente real é um obstáculo. Na relação virtual não possuímos fronteiras, as noções de espaço-tempo são dissolvidas, podemos nos comunicar com diferentes pessoas, em diferentes locais e com fusos horários diferentes, para isso basta acessar a plataforma virtual. Há ainda a questão da mobilidade virtual. Não precisamos ficar presos ao desktop5 para nos comunicar. Com o avanço dos smartphones, a comunicação está acessível no momento em que precisamos devido à mobilidade”.

Apesar de trazer certos benefícios na interação social, é possível perceber em uma grande maioria os problemas que essa expansão, mudanças e (re)modelação nas formas de se relacionar trazem para as pessoas. Pois, ainda segundo Paura e Gaspar (2017), ao passo que as redes sociais/internet proporcionam maior sociabilização e aumento na comunicação entre os sujeitos, ela também fomenta distância entre esses sujeitos, e ainda complementam com o ponto de vista dos autores Schmitt e Imbelloni (2011) de que, essa distância ocorre devido ao fato de que as pessoas ao utilizarem dos meios tecnológicos para comunicarem-se, preferem e dão mais espaço ao uso das telas para que esse contato ocorra, não dando a chance para que o contato físico e real aconteça, ficando assim, em uma posição de certo comodismo e deixando a distância tornar-se maior entre eles.

Para além desse distanciamento entre os sujeitos que estão vivenciando essas relações, o advento da “nova era de se relacionar” também evidencia o surgimento de um amor individualista, em que, segundo Purar e Gaspar (2017), as relações estão baseadas no interesse individual e na busca de satisfação rápida dos desejos, o que de acordo com esses autores, estaria totalmente agindo/vivendo contra a ideia do amor romântico, em que eles expõem que teria “como principal característica o compromisso e o comprometimento de ambos”.

As relações enquanto algo duradouro vai perdendo espaço, dando lugar para algo efêmero, onde

“(…) os usuários dos recursos de namoro online podem namorar com segurança, protegidos por saberem que sempre podem retornar ao mercado para outra rodada de compras, (…) Ou, de qualquer maneira, é assim que a pessoa se sente ao conseguir parceiros na internet. É como folhear um catálogo de reembolso postal que traz na primeira página o aviso “compra não obrigatória” e a garantia ao consumidor da “devolução do produto caso não fique satisfeito”. Terminar quando desejar – instantaneamente, sem confusão, sem avaliação de perdas e sem remorsos – é a principal vantagem do namoro pela internet. Reduzir riscos e, simultaneamente, evitar a perda de opções é o que restou da escolha racional num mundo de oportunidades fluidas, valores cambiantes e regras instáveis (…)” (PAURA&GASPAR, 2017).

O que leva ao conceito que Zygmunt Bauman traz sobre o “Amor líquido”. Segundo o autor Santos (2017), Bauman utiliza-se desse termo para referir-se ao fato de que as relações humanas não apresentam durabilidade, são construídas, desconstruída e reconstruída de forma rápida e abrupta. Apresentando sempre enfoque no imediatismo e deixando de lado, o laço duradouro (Paura e Gaspar, 2017), dando espaço para relações frágeis. Paura e Gaspar (2017), evidenciam que os novos meios de se relacionar mediante a era tecnológica traz a fragilidade para as relações, pois o meio virtual tornou-se o modelo pelo qual funciona, onde o estar online ocupa o lugar do “estar junto”.

Além disso, os autores, Paura e Gaspar (2017), levantam outra consequência nas relações que ocorrem pelo meio virtual, elas tendem a apresentar dificuldades na construção e na manutenção do vínculo entre os sujeitos daquela relação, ocasionando dessa forma, a valorização da quantidade de relações que é possível ter do que a qualidade delas. “Há uma convicção de que o amor pode facilmente ser construído, adquirido. Caso não seja, não tem problema, podemos descartá-lo e continuar experimentando, procurando em outras pessoas o prazer esperado, sonhado” (PAURA&GASPAR, 2017).

Entretanto, não é apenas a relação com o outro que sofre mudanças com as novas formas de relacionar-se, o impacto perpassa até mesmo na relação sujeito consigo mesmo. Sobrinho et al (2019) aponta que a sociedade atual vive um período em que na grande maioria do tempo, encontra-se vivendo/fazendo performance, em que é exposto ao outro apenas aquilo que for chamativo, interessante e bonito, “são corpos perfeitos que habitam uma vida perfeita”. Traz ainda a visão de Goffman (2007) de que “as redes sociais, hoje, são os grandes palcos das performances sociais (…) o palco apresenta coisas que são simulações. É o local onde o ator se apresenta sob a máscara de um personagem para personagens projetados por outros atores (Sobrinho et al., 2019)”.

O fato de a internet ser um campo amplo, permite ao usuário conhecer e lidar com os mais diferentes tipos de pessoas, com isso, Sobrinho et al. (2019) evidencia que esse detalhe faz com que o sujeito que está mantendo o contato com o outro, comece a desempenhar um “novo eu” ou personagem como traz o autor, e isso se passa a cada pessoa em que está sendo mantido uma relação. Isso ocorre devido ao fato de que naquele momento há um desejo de obter a atenção daquela pessoa e até mesmo uma maneira de tentar prolongar o contato com o outro.

Como uma forma de adaptação,

“agimos como atores para que assim possamos alcançar nossos objetivos. É como uma criança que faz todas as tarefas e se comporta bem na mesa, com o intuito de que no final da tarde a mãe deixe ela brincar na calçada. São atuações. Não é o que verdadeiramente se quer fazer ou se quer dizer (Goffman, 2007 apud Sobrinho et al, 2019)”.

Sobrinho et al. (2019) expõe que essa diferença entre quem se é na vida real e na vida virtual, pode acarretar ao sujeito mudanças nas formas em que ele se enxerga, podendo até mesmo, fazer com que ele comece a enxergar aquele personagem do campo virtual como o seu verdadeiro “eu”, trazendo possíveis conflitos de identidade.

É perceptível esses e outros impactos na vida social a partir das mudanças na maneira de se relacionar, como o que Nilson (2016) exprime em seu trabalho baseado em Machado (2014), de que o uso inadequado desses meios de comunicação/relação pode originar problemas mais graves, como por exemplo, depressão, problemas emocionais e outras circunstâncias que gerarão sofrimento para o sujeito. Sendo assim, é importante que os usuários utilizem de forma prudente e que permitam-se curtir e viver de maneira saudável para si e também para o outro.

 

Referências

ARAÚJO, Maria de Fátima. Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações. Psicologia: ciência e profissão, v. 22, p. 70-77, 2002.

BORGES, Juliana Vieira et al. Deu “Match”?! As Características dos Perfis de Usuários de Aplicativos de Namoro. Revista Alcance, v. 29, n. 1, p. 70-85, 2022.

KOOP, Blenda. Influência da pandemia no consumo de aplicativos de relacionamento. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Administração) -Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

NICOLAU, Analice. Brasil é o segundo país que mais utiliza aplicativo de namoro no mundo: Busca por namoro on-line dobra à medida que os usuários buscam conexões para começar o terceiro ano da pandemia. Jornal de Brasília. Brasília, 17 fev. 2022. Disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/blogs-e-colunas/analice-nicolau/brasil-e-o-segundo-pais-que-mais-utiliza-aplicativo-de-namoro-no-mundo/

NILSON, Ana Marcia Caldeira. Os laços afetivos na era digital. e-Com, v. 8, n. 2, 2016.

PAURA, Marcelo Dias Carvalho; GASPAR, Danielle. Os relacionamentos amorosos na era digital: Um estudo de caso do site par perfeito. Revista Estação Científica, v. 17, p. 1-19, 2017.

SANTOS, Carlos Henrique Moraes dos. Onda dura: a liquidez e a fragilidade das relações contemporâneas. 2016.

SOBRINHO, Francisca Stefanne Orana ALVES; DE SOUSA LINHARES, Lorena; TEIXEIRA, Juliana Fernandes. Reconfiguração das relações amorosas nas redes sociais: um estudo de caso do aplicativo Tinder. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – São Luís – MA. 2019