O Alienista: um olhar psicológico

Lucilene da Silva Milhomem (Acadêmica de Psicologia) – damilhomem44@gmail.com

O personagem Simão Bacamarte, protagonista da obra “O Alienista” de Machado de Assis, foi um médico formado na Europa, agudamente dedicado à ciência e detentor de grande apreço pelo povoado de Itaguaí.

Casou-se com a Dona Evarista da Costa Mascarenhas, que, aos olhos de alguns, era feia, mas que se encaixava aos requisitos do médico, especialmente para evitar distrações e dedicar-se mais aos estudos. Dona Evarista possuía atributos fisiológicos considerados pelo médico como perfeitos, o que poderia dar-lhe filhos saudáveis, o que, infelizmente, não aconteceu.

O Doutor Simão Bacamarte, auspicioso e fã da medicina psicológica, idealizou a construção de uma casa para reunir todos os loucos da cidade para tratamento psiquiátrico. Segundo o médico, os doentes mentais mais graves de Itaguaí estavam vivendo enclausurados em seus quartos e outros viviam ao relento. A cidade não possuía uma instituição que pudesse acolhê-los com a finalidade de oferecer-lhes um tratamento digno e adequando às demandas individuais.

O Padre Lopes desconfiava de uma possível insanidade mental do Alienista e propôs à Dona Evarista que o levasse à cidade fluminense para se distrair com outras coisas. Contudo, Simão Bacamarte se impôs e recusou ao convite.

O médico endossou o movimento em prol da construção da casa destinada à Saúde Mental daqueles que, segundo alguns critérios dele – desvio de comportamento, necessitavam serem recolhidos e submetidos a tratamento psiquiátrico, conforme o grau da patologia. E essa ação se iniciou com o discurso na Câmara de Vereadores da Cidade Itaguaí, mobilizando os vereadores e defendendo recursos para a Construção da casa. Após conseguir apoio e verba da Câmara de Vereadores, Simão Bacamarte a inaugurou, mediante uma festa que durou uma semana. Assim, a casa foi batizada de Casa Verde, primeiro hospício da cidade. Os loucos vinham de Itaguaí e arredores e tinham variadas manias. O alienista estudou com acuidade cada transtorno, classificando-os e prescrevendo terapias.

Em decorrência de seu estudo e de sua experiência, o Doutor Simão Bacamarte formulou uma teoria considerada revolucionária e convidou Crispim Soares para conhecê-la. A pesquisa com os doentes mentais o levou a considerar que a loucura era abrangente e só poderiam ser considerados sãos os que não tinham desvio de comportamento.

Diante dessa constatação e das observações Clínicas, Simão Bacamarte implementou, aos poucos, uma cultura de internações. Tal situação despertou nos cidadãos de Itaguaí indignação e revolta. Consternados, movimentam-se contra o médico, sendo a “gota d’água” a internação de um homem afortunado que não soube administrar seus bens, reduzindo-se à miséria. O referido descuido foi interpretado pelo Doutor Simão como um indício de loucura, caracterizado por um desequilíbrio mental. Essa situação e outras semelhantes fizeram com que os ânimos da população local se exaltassem, ao desconfiarem de que as internações tinham cunho pessoal em contraponto às patologias cerebrais.

Mas a manifestação liderada pelo barbeiro Porfírio, conhecida como “Revolta da Canjica”, continuou. Cerca de trinta pessoas fizeram uma representação na Câmara de Vereadores, que, por consequência, a recusou, ao declarar que a casa era Instituição Pública e que a ciência não podia ser emendada por votação administrativa, menos ainda por movimentos de rua. Recomendou, portanto: “Voltai ao trabalho, concluiu o Presidente, é o conselho que vos damos”. A irritação e indignação entre os moradores cresciam à medida que se iniciou uma ameaça de levantar a bandeira da rebelião contra a Casa Verde. Eles acreditavam que lá havia um laboratório de cadáver e que servia de estudo e experiências de um déspota.

Além das suspeitas de a Casa ser um depósito de cadáveres, os revolucionários acreditavam que havia muitas pessoas estimáveis, algumas distintas, outras humildes, mas dignas de apreço e que não mereciam viver reclusas à própria sorte. Desconfiavam, ainda, que o despotismo científico do alienista sobrevinha do espírito de ganância, visto que os loucos ou supostos loucos não eram tratados de forma gratuita, sendo que, subsidiariamente, a Câmara pagava ao alienista o suposto tratamento.

Em retrospecto, diante do suposto encarceramento arbitrário conduzido por Simão Bacamarte, o barbeiro Porfírio liderou uma revolta contra a Casa Verde reunindo e mobilizando a população para solicitar à Câmara o fim da instituição, mas os vereadores defendeu o médico. E o alienista logo cuidou de se pronunciar diante dos descontentamentos da comunidade local e fez um discurso: “Meus senhores, a ciência é coisa séria, e merece ser tratada com seriedade. Não dou razão dos meus atos de alienista a ninguém, salvo aos mestres e a Deus. Se quereis emendar a administração da Casa Verde, estou pronto a ouvir-vos; mas, se exigis que me negue a mim mesmo, não ganhareis nada. Poderia convidar alguns de vós em comissão dos outros a vir ver comigo os loucos reclusos; mas não o faço, porque seria dar-vos razão do meu sistema, o que não farei a leigos nem a rebeldes”.

Por outro lado, um de seus adversários (babeiro Porfírio) reagiu em meio à multidão, ao discurso: “Meus amigos, lutemos até o fim! A salvação de Itaguaí está nas vossas mãos dignas e heróicas. Destruamos o cárcere de vossos filhos e pais, de vossas mães e irmãs, de vossos parentes e amigos, e de vós mesmos. Ou morrereis a pão e água, talvez a chicote, na masmorra daquele indigno”. Porfírio estava quase a ordenar o ataque à Casa Verde quando chegaram os saldados do governo para detê-lo, mas, apesar de todo o alvoroço pela sociedade local, as internações continuaram.

Como se não bastasse a metade das pessoas de Itaguaí ter sido recolhida à Casa, Dr. Bacamarte, sob o argumento de inconstância no comportamento, recolhe os representantes das manifestações, o Senhor Barbeiro Porfírio e Boticário Crispim. Mas ainda assim a coleta de loucos pelas ruas não parava: qualquer caso de mentira, de vício, de inconstância no comportamento eram critérios para a internação. O Doutor passou a desconfiar da própria esposa diante de supostos sintomas de loucura e relata os indícios de loucura ao Padre Lopes: – certo dia de manhã — dia em que a Câmara devia dar um grande baile, — a vila inteira ficou abalada com a notícia de que a própria esposa do alienista ingressou na Casa Verde. Ninguém acreditou; devia ser invenção de algum gaiato. E não era. Dona Evarista foi recolhida às duas horas da noite.

Os sintomas de Dona Evarista, segundo o médico, era a inconstância em relação aos objetos, como furor das sedas, veludos, rendas e pedras preciosas. Ela se propôs em fazer anualmente um vestido para a Nossa Senhora da matriz, o qual reputou como sintoma grave de insanidade mental. O médico relata ao Padre Lopes a total demência da esposa. “Ela tinha escolhido, preparado, enfeitado o vestuário que levaria ao baile da Câmara Municipal; só hesitava entre um colar de granada e outro de safira”. Veja bem, “Anteontem perguntou-me qual deles levaria; respondi-lhe que um ou outro lhe ficava bem. Ontem repetiu a pergunta ao almoço; pouco depois de jantar fui achá-la calada e pensativa. – Que tem? perguntei-lhe. – Queria levar o colar de granada, mas acho o de safira tão bonito!—Pois leve o de safira.—Ah! mas onde fica o de granada?—Enfim, passou a tarde sem novidade. Ceamos, e deitamo-nos. Alta noite, seria hora e meia, acordo e não a vejo; levanto-me, vou ao quarto de vestir, acho-a diante dos dois colares, ensaiando-os ao espelho, ora um ora outro. Era evidente a demência: recolhi-a logo à Casa”.

 Doutor Bacamarte refutou a própria teoria que inicialmente acreditou que a loucura era qualquer desequilíbrio mental, situação em que um quinto dos cidadãos foram internados, sob tal argumento. Baseado nos novos estudos feito durante a constância da primeira teoria, o Alienista concluiu que a loucura real estaria naqueles que possuíam uma estabilidade psicológica absoluta e que esse sim é quem deveria ser internado na Casa Verde.

Com o novo conceito de loucura, o equilíbrio perfeito das faculdades mentais, a Câmara resolveu legislar sobre o assunto para evitar algum excesso nas internações e incluiu uma regra que impedia que eles, os vereadores, fossem internados na Casa-Verde. Com o apoio da Câmara, o Alienista passou a prescrever terapias que levava o recluso ao desequilíbrio mental. No entanto, o cientista percebeu que a cura propiciada por seus tratamentos apenas despertou um desequilíbrio latente em si. Por fim, ele se declarou alienado e internou-se solitário na Casa Verde.

Referências

ASSIS, Machado de. O alienista. São Paulo: FTD, 1994. (Grandes leituras).