Idoso: a história que não se poder perder

“Se não pudermos dar voz e ouvidos aos velhos
vamos perder a nossa história”
Najla Murad

Tricotar, jogar dama e fazer cruzadinha, há tempos deixaram de ser atividades preferidas dos idosos. Agora, eles se divertem fazendo exercícios físicos em academias, acessam constantemente as redes sociais, tendo uma vida ativa. É com esta realidade que hoje se comemora o Dia Internacional do Idoso.

Com o objetivo de estimular a sociedade a refletir sobre a situação do idoso na sociedade a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou o  Dia Internacional do Idoso. Anteriormente no Brasil a data era comemorada no dia 27 de Setembro, mas desde 2006, quando foi criado o Estatuto do Idoso, a data passou a ser celebrada no dia 1º de outubro.

De acordo com o Estatuto, o idoso é todo aquele que possui idade igual ou superior a 60 anos, população essa que só deve aumentar nos próximos anos.  Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE),  a população com essa faixa etária deve passar de 14,9 milhões parcela de 7,4% em 2013, para 58,4 milhões 26,7% da população total em 2060, aumentando a expectativa média de vida do brasileiro de 75 para 81 anos.

Além desses dados,  segundo Najla Murad, fisioterapeuta especializada em gerontologia, nessa data ainda há muito mais a comemorar “hoje o velho é muito mais ativo do que 40 anos atrás, podendo até voltar ao mercado de trabalho, e a sociedade não tem tanto preconceito assim em relação aos idoso o que já uma vitória”.

Para homenagear os idosos nesse dia tão especial o Portal (En)Cena entrevista a fisiogerontologista Najla Murad que há sete anos atua em Porto Nacional, na ala de geriatria do Hospital Regional da cidade.

Najla Murad é entrevistada por Michelle para o portal (En)Cena. Foto: Marcelo Freitas

Najla Murad possui graduação em Fisioterapia, especialização em Gerontologia pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) e em Educação pela Universidade do Tocantins (UNITINS). Atualmente é professora no Centro Universitário de Gurupi (UNIRG). Atua também como fisioterapeuta no Hospital de Referência de Porto Nacional. Tem realizado palestras e seminários em todo o Estado do Tocantins na área do envelhecimento, com experiência nas áreas de geriatria, atuando principalmente nos seguintes temas: autonomia, envelhecimento e qualidade de vida.

(En)Cena – Por que você optou por se especializar em Gerontologia (Ciência que estuda o envelhecimento), entre tantas outras possibilidades e caminhos a seguir dentro da fisioterapia?

Najla Murad – Ainda durante a faculdade comecei a perceber, por meio de estudos e estatísticas  o aumento do número de pessoas envelhecendo no mundo, então vi primeiramente uma área em crescimento no mercado profissional, não que fosse uma área que eu tivesse contato ou afinidade, na verdade tive uma percepção profissional. Na minha graduação estive em contato com diversas áreas, como a Fisioterapia desportiva, a traumato-ortopedia, a neuropediatria, mas nenhuma delas, indicavam esse potencial de crescimento, foi onde entendi que trabalhar com o envelhecimento poderia me trazer maiores oportunidades profissionais, pois chegaria um dia que iriam precisar de serviços especializados nesta área e o mercado não teria  profissionais suficiente para atender tal demanda. Então mesmo antes de formada comecei a buscar informações, e já em seguida a fazer  pós graduação na área de Gerontologia, e tudo foi se encaminhado tão bem, que me formei em uma quinta-feira e já na outra semana eu comecei a trabalhar nessa área em um hospital aqui do Estado.

(En)Cena – Ao começar a trabalhar com os idosos, as suas expectativas foram alcançadas?

Najla Murad – Eu sempre trabalhei nessa área buscando que a Gerontologia  não fosse vista apenas como um assistencialismo, porque as pessoas no Brasil tem essa percepção, de que para cuidar do idoso, para cuidar do velho você tem que ser voluntário, acredito que além do voluntariado espontâneo, as pessoas e os profissionais envolvidos precisam estar preparadas e se qualificarem, para prestar um serviço que atenda às necessidades especificas desta faixa etária. Isso porque tem gente que tem boa vontade para trabalhar nessa área mais falta o conhecimento específico, não consegue discernir as peculiaridades do envelhecimento porque falta tal conhecimento, então eu busco não só fazer o assistencialismo, mas também prestar um bom serviço para essa população que esta envelhecendo,  de forma que o trabalho seja produtivo e de qualidade, isso vem sim a atender às minhas expectativas profissionais.

(En)Cena – Dentro desses sete anos de sua atuação como profissional  o que mais de motiva a continuar a trabalhar com os idosos?

Najla Murad – Quando você começa a trabalhar  com o envelhecimento vem a paixão, vem a dedicação. Desde que eu comecei a trabalhar, até hoje mesmo, eu me encanto com as experiências que eu escuto, pois no momento em que desenvolvo o meu trabalho como fisioterapeuta eu posso ouví-los, e se não pudermos dar voz e ouvidos aos velhos vamos perder a nossa própria história, os nossos laços culturais. Por exemplo, nós moramos em um estado em que a nossa cultura está muito enraizada, e só poderemos levar isso para as gerações futuras se dermos ouvido para o velho hoje. Outra coisa que aprendo muito, mas no início tive muito dificuldade foi de compreender o vocabulário regional, palavras que muitas vezes expressam uma dor, mas que eu não sabia o que significava, e hoje ao lidar com eles eu posso até mesmo usar essas mesmas palavras e o dialogo com eles flui com mais naturalidade. Um exemplo é quando em alguns exercícios eu preciso que eles façam determinado movimento, mas por alguma dificuldade como a falta da visão, eles não conseguem me entender, então eu trago da memória algo que eles conheçam, para exemplificar e fazer com que eles repitam os movimentos.  Quando eu pergunto se eles já viram uma roda de fiar, então digo para eles: “Olha agora nos vamos fiar uma rede ou uma coberta” então eles começam a movimentar o pé como se estivessem manuseando a roda de fiar. O contato com a bagagem cultural deles e com as suas historias  é realmente o encantamento do meu trabalho, e ao ajudar você acaba sendo ajudando, então eu fico deslumbrada, ao estar ali fazendo o meu trabalho e ao mesmo tempo aprendendo mais.

(En)Cena – Ao procurar o serviço de saúde, os idosos vão em busca apenas da cura física?

Najla Murad – Muitos deles procuram os nossos serviços para que suas dores sejam aliviadas, e para que o movimento do corpo seja restaurado, mas no decorrer do atendimento percebemos que eles tem uma necessidade ainda muito maior de serem ouvidos.  Na minha área de atuação, em  que exercita a parte motora que pode estar debilitada, muitos ficam dependente das seções de fisioterapia, porque para alguns esse é o momento em que são tocados, que são ouvidos. Há casos em que o idoso  tem a condição física de receber alta do serviço, mas ele não quer ter alta e quando vamos falar, “olha semana que vem o senhor terá alta”, então aparece uma nova dor, uma nova queixa, isso porque as sessões possibilitam o idoso a sair de casa, pode até ser único passeio que ele faz na semana.  A fisioterapia possibilita o contato físico entre terapeuta e paciente e isto transmite segurança, transmite conforto, alguns criam até dependência da equipe por ser o momento que eles tem para ser ouvidos.

(En)Cena –  Nesse dia 1º de outubro, dia Internacional do Idoso, o que temos a comemorar?

Najla Murad – Eu sou bastante otimista e acredito que temos sim o que comemorar, a ciência do envelhecimento tem evoluído,  as novas tecnologias proporcionas mais conforto e independência ao velho. Os órgãos públicos, mesmo que de forma obrigatória,  começaram a implantar programas e políticas públicas para o idoso, além de serviços especializados que antes só atendiam as crianças, adolescentes e mulheres, na saúde hoje já temos programa específicos para o idoso.  Diversos  direitos em defesa do idoso surgem para garantir dignidade. Hoje o velho é muito mais ativo do que há 40 anos atrás, podendo até voltar ao mercado de trabalho, mesmo que ainda na sociedade contemporânea existam preconceitos em relação aos idosos, a sua independência funcional são vitórias alcançadas.

(En)Cena – Mas o que esta faltando para que possamos afirmar que em nosso país os idosos tem uma boa qualidade de vida?

Najla Murad – Falta conhecimento dos profissionais,  falta conhecimento do próprio velho, da comunidade onde vivem, da sociedade. Faltam informações e conhecimento a respeito de projetos que podem modificar toda esta situação. Temos aqui no Estado, por exemplo, a  UMA  – Universidade da Maturidade, na UFT, referência hoje para todo o Brasil quando se trata de melhoria da qualidade de vida e resgate da cidadania. Ainda é difícil lidar com o envelhecimento porque a  sociedade  ainda não assumiu isso como prioridade, tem que melhorar muito a nossa cabeça enquanto profissionais, cidadãos, e também modificar a cabeça do velho, porque do mesmo jeito que existem pessoas entusiasmadas, existem aqueles que ainda pensam “ah porque eu sou velho não sirvo para nada”, acredito que seja necessário uma mudança de comportamento.

(En)Cena – Para quem é jovem, como se preparar para ter uma velhice com saúde e tranquilidade ?

Najla Murad –  Esse preparo deve ser iniciado desde  a infância, porque você só vai conseguir envelhecer com qualidade de vida se cuidar da saúde desde a idade tenra  cuidando da alimentação e dos hábitos para que possam ser saudáveis. A maioria dos males do envelhecimento são consequência de uma vida desregrada,  de uma vida sem cuidados, acredito então que o segredo é cuidar do bebe, do adolescente, do jovem, ensinando que o envelhecimento é uma fase natural que vai chegar para todos. Devemos colocar  sempre em discussão esse tema nas escolas e universidades. E uso sempre uma frase que diz: Envelhecer é a melhor coisa que pode acontecer em nossa vida, porque só vai envelhecer quem viver.  Então o segredo do envelhecimento é saber viver todas as fases da vida com um propósito: viver e viver bem.