O Alzheimer, uma avó e um neto

 

Uma história de amor e gratidão que envolve os mais fortes sentimentos, um livro diferente e que protagoniza a história entre um neto e sua avó, tudo isso não seria novidade, exceto, quando envolve como causa principal o Alzheimer, uma doença em que, as causas e curas, são de pouco conhecimento pela classe médica científica. Toda essa história de amor incondicional, acabou sendo contada em um livro: Quem, eu? Uma avó. Um neto. Uma lição de vida, Editora Belas Letras, 240 páginas.

O (En)Cena entrevistou o autor, um dos protagonistas, o neto Fernando Aguzolli Peres, 22 anos, nascido e criado em Porto Alegre. Há seis anos, sua avó, que lhe dedicou boa parte da vida, foi diagnosticada com uma doença muito peculiar, o Alzheimer. Foi então que ele decidiu abandonar todos os projetos e dedicar tempo possibilitando a uma melhor qualidade de vida para a avó, Nilva Aguzzoli, apelidada carinhosamente de, “Nonna Nilva”.

A história, começa com o autor revelando a vida difícil enfrentada por sua avó, filha de imigrantes Italianos e que nasceu em fevereiro de 1934 em Caxias do Sul-RS. Diante de dificuldades financeiras, e com a separação dos pais, dona Nilva, teve que abandonar a escola e começar a trabalhar logo aos 13 anos de idade.

Quem pensa que o conteúdo é somente tristeza, vai se surpreender com histórias humorísticas vividas e contadas por “Nonna Nilva”. Como o principal sintoma do Alzheimer é o esquecimento, vovó Nilva se envolvia em situações divertidas que certamente podem arrancar risos dos leitores, uma estratégia do autor que, durante a fase doentia da avó, acreditou e usou de risos e gargalhadas como filosofia e terapia de estratégia para retardar o avanço do Alzheimer. “Tem duas formas, rir dos outros ou rir com os outros, eu escolhi rir com minha avó”, lembra o neto.

O livro tem a intenção de alertar e informar sobre o diagnóstico e os cuidados para com esses idosos que sofrem de Alzheimer. “Estamos vivendo mais, mas ao passo que envelhecemos voltamos a ser como crianças e precisamos de cuidados”, alerta o autor, lembrando ainda que depois do diagnóstico, os estudos e as orientações apontavam para o abandono do idoso doente. “Não abandonei a minha vida, apenas inseri minha avó nela”, diz.

Dona Nilva, faleceu no ano de 2013, e deixou como legado toda essa história emocionante de dedicação e solidariedade e que pode ser conferida ainda, com a entrevista exclusiva concedida pelo autor para o En(Cena).

En(Cena) – Você é jovem e demonstra preocupação com uma doença que atinge cada vez mais a população brasileira. Diferente da maioria dos jovens, acabou se dedicando ao bem estar de sua avó, por que? 

Fernando Aguzolli – Por gratidão! Não sei quanto aos outros jovens, e acho que cada um tem a sua história, mas eu tive uma avó maravilhosa, coruja e muito dedicada. Ela também deixou um momento importante de sua vida para se tornar vó, eu viria a retribuir esse gesto alguns anos depois, cuidando dela em um momento delicado, quando vivíamos o Alzheimer. Na nossa família a geração do meio – meus pais – sempre incentivaram essa aproximação entre neto e avó, proporcionando momentos maravilhosos, lembranças positivas e uma amizade incrível. Isso certamente contribuiu para a decisão que tomei na sua velhice, me tornar pai!

En(Cena) – De onde partiu a ideia de transferir toda essa história para um livro?

Fernando Aguzolli – Primeiro criei a fanpage facebook.com/vovonilva, onde compartilhava nosso dia a dia através de fotos, vídeos e postagens cômicas com nossos diálogos. Era uma forma que encontrei pra trazer um pouco de informação pra quem não conhecia o Alzheimer, e também mostrar uma perspectiva mais leve de convívio com a doença. Foram os próprios curtidores da página que sugeriram um livro, e dessa forma passei a escreve-lo ao lado da vovó, mas sem a pretensão de lançá-lo. Como ela veio a falecer durante esse processo, achei que seria uma linda homenagem finalizar o livro e publicá-lo. E foi o que fiz!

En(Cena) –  Você descreve histórias de humor vividas por sua avó. O que pretende transmitir para o leitor com tais relatos?

Fernando Aguzolli – Pretendo mostrar que a formalidade entre gerações as vezes atrapalha, e que quando desconstruímos essa formalidade podemos criar uma relação mais próxima, uma amizade onde com muito bom humor e amor, diversas situações complicadas podem ser atravessadas! Não é por utilizar o bom humor como fuga da doença que eu passo a encarar o Alzheimer com menos importância, muito pelo contrário, a família também encontra-se doente, e o bom humor é uma ótima alternativa pra que posssamos lutar contra a depressão e seguir oferecendo uma ótima qualidade de vida ao idoso doente.

En(Cena) – Sua avó abandonou tudo quando criança para estudar e trabalhar, depois de adulta teve que se dedicar para cuidar de você em sua infância. Que relação você faria desse ciclo completo com a sua decisão de abandonar e dedicar seu tempo a ela, um gesto de gratidão?

Fernando Aguzolli –  Não, o livro não diz nada disso. O livro diz que ela teve que sair do colégio aos 13 anos para trabalhar, ela sempre amou estudar mas não teve condições, e então entrou para uma fábrica onde ficaria por muito tempo. E não, ela não TEVE que dedicar a cuidar de mim, justamente o contrário, meus pais eram muito presentes, minha avó TOMOU essa decisão para de fato participar da minha criação, se tornar avó de corpo e alma. Foi uma decisão, que – aí sim – como disseste, vim a retribuir por gratidão quando deixei minhas obrigações atemporais de lado para lidar com um período que não voltaria mais tarde!

En(Cena) – Quando decidiu deixar a vida profissional para cuidar da sua avó, foi muito criticado por amigos ou parentes?

Fernando Aguzolli – Não, alguns me sugeriram reduzir cadeiras ou outras medidas que não cabiam ao momento, mas com o convívio comigo e minha avó foram percebendo que era inviável fazer de outra forma, e então meus amigos me deram apoio total, 100%, inclusive fazendo visitas a vovó, indo lá pra casa nos dias em que eu não podia sair e nos levando pra passear. Eles são fantásticos!

En(Cena) – A criação de uma página no facebook, hoje com quase 100 mil curtidas, você esperava tanta repercussão?

Fernando Aguzolli – Hoje a página está com quase 100 mil elos de uma ‘corrente do bem’, onde todos compartilham suas vidas e buscam ali a esperança de aprender a lidar com uma doença galopante, cada vez mais presente na vida do brasileiro. Nunca esperei a repercussão que a nossa história ganhou, conquistou, mas fico feliz em saber que o brasileiro está dando valor a uma boa história, assim talvez mudemos nossas prioridades e passamos a enxergar o idoso, a velhice e suas doenças com outros olhos.

En(Cena) – Quando sua avó não te reconhecia como neto, o que isso te causava?

Fernando Aguzolli – Ela sempre dizia: “eu não sei quem tu és, mas sei que te amo muito”, isso já me deixava feliz, o que importa é saber que ela me ama e tem noção desse sentimento, saber que esse sentimento pulsa mesmo que a lembrança lhe falhe. Então me sentia alegre em saber que ela estava lutando contra a doença automaticamente, enquanto o sentimento se mostrava ali! Mas claro, muitas vezes me entristeci, normal, mas é por não entendermos que na verdade não é culpa deles, nada é pessoal, eles estão passando por um processo do envelhecimento que traz obstáculos como esse, temos que aceitar uma hora, ou vamos enlouquecer!

En(Cena) –   Qual a historia ou momento de esquecimento causado por sua avó que você lembra e considera mais engraçado ou marcante?

Fernando Aguzolli – Ela vez que outra acordava procurando um cachorro que não tínhamos em lugares onde ele não caberia. Era muito engraçado pois ela levantava na madrugada meio cambaleante em busca do tal cachorro. Eu ficava louco pois sabia que aquilo devia ter vindo de um sonho bem provavelmente, mas não adiantava procurar, a solução era sair com ela em busca do totó até ela esquecer o que estava procurando e voltar pra cama! haha…

En(Cena) – Após a morte da sua avó, como foi a sua adaptação de voltar a um novo estilo de vida?

Fernando Aguzolli – Minha vida segue sendo nossa história, quer dizer, eu continuo vivendo nossa história. O livro esta aí fazendo um baita sucesso, mostrando que as pessoas tem carência por boas histórias e estão abertas a compartilhar boas experiências, estou dedicando meu tempo a isso e tem sido uma rotina muito gratificante.  Penso em voltar pra faculdade, mas agora pra psicologia, não mais filosofia, e também penso em arriscar outro livro, sobre outra temática! haha

En(Cena) – O que você pode reforçar para pessoas que estão ou que possam enfrentar a situação que você viveu?

Fernando Aguzolli – Mantenham a paciência, respeitem seus limites e sorriam muito, nunca sozinhos, sempre com aqueles que amamos. Compartilhar a dor, seja compartilhando nossas histórias ou nos aproximando do sofrimento alheio, não implica em sofrermos todos juntos, mas assim podemos livrar aquele que por uma dificuldade passa e sofre! Compartilhe sorrisos com avós, pai, mãe, netos, amigos, irmãos…essas lembranças serão muito importantes!

FICHA TÉCNICA

QUEM, EU? UMA AVÓ. UM NETO. UMA LIÇÃO DE VIDA

Editora Belas Letras

Autor: Fernando Aguzzoli
ISBN: 9788581741826
Formato: 15x22cm
Páginas: 240
Preço de Capa: R$ 34,90