Vento

No meu lugar, há o vento de setembro. Esse instável, perigoso, mas benfazejo vento de setembro…

Há areia por todas as casas, as telhas tilintam… e há o vento. Pequenos quadros voam da parede, portas batem violentas… e há o vento. Grandes pancadas e galhos rangendo… e há a constante, inevitável, presença do vento.

          – Ô, seu Biro! Cê viu?, berra, a contra-vento, o vizinho.

          – Pois não vi?

Voou longe a tampa de uma caixa- d’água, cocos quebraram telhas, uma pequena árvore se partiu. E há o vento.

Homens, com suas tralhas e suas figuras de pescador, sentam-se à beira-mar. Olham o mar e falam sobre o vento. Os esperançosos aguardam o “brando” para poder sair, os outros desistem cedo. Mas todos conversam, a esmo:

          – Ôôôô, vento!

          – Cada refrega!

          – Hoje, ninguém sai…

          – Ontem, a canoa do Louro alagou. Ainda bem que eles não iam muito fora…

Nessa época, a pescaria “fracassa”, o pescado some. Mas há quem – por um misto de bravura e necessidade – resista e siga em sua cotidiana busca pelo peixe. Levantam o pano e lutam heroicamente contra aquele que, em tempos brandos, é quem lhes faz ir e chegar.  Em geral, buscam o camurupim, que – como os próprios pescadores e apesar de tudo – gosta que setembro venha e que traga o vento.

Acidentes se seguem. A maioria resulta em algum prejuízo ou ferimento mais ou menos leves: um motor dentro d’água, um mastro que quebra, uma retranca que repentinamente golpeia. Mas, nessas beiras de praia, não são raras as viúvas jovens e as mães saudosas: homens ao mar, desespero e espera que nunca terminam.

          – O Vigarino… foi o vento; diz um, em um ritmo quase cantado, preguiçoso.

          – É… Mas o Chico Bureta… diz que foi a Mãe d´Água; resmunga  outro, entredentes, de olhos ao mar agitado e afoito.

           – Maré grande!

Os gatos (quem os tem sabe) desconfiam. Orelhas ágeis que assuntam cada barulho, caudas a balançar. Vez e outra, relaxam e felinamente dormitam sob o carinho doce de um ou outro vento brando. Fazem como nós, escutam a linguagem do vento.

Não há um tema, mas o vento fala. Palavras soltas, frases desconexas, gemidos e sons guturais: o vento fala caótico, poético, mutável… Fala na língua sofrida de quem sente falta de matéria e de organismo em que se amparar.

O vento não tem boca. Precisa da frenética garganta das palhas de coqueiro, do palato duro das telhas, da úmida e profunda laringe do mar. E o vento fala, grita, mas não diz. O vento cumpre tão somente seu fluido ofício de ventar.

Um dia, eu também, apenas ventarei.

Fotos: Mardônio Parente