Uma casa deve ser um Lar: intervenção em uma casa abrigo

Como diz a clássica canção de Hal David A house is not a home; uma casa pode ter toda estrutura necessária para abrigar uma família, mobília e aquecimento, mas uma casa não é um lar se não houver abraço, atenção, apoio e cuidado.

Recordamos também de Zezé, personagem do romance juvenil Meu Pé de Laranja Lima de José mauro de Vasconcelos, que apesar de ter familiares ao seu lado, se sentia sozinho por não ter um carinho de pai ou afago de mãe, ou seja, por não ter um lar.

Propomo-nos, a contribuir no aprimoramento de uma Casa Abrigo, para que se aproxime de umlar.  E foi um grande desafio, a experiência de vivenciar a rotina de uma instituição que recebe crianças com histórico de abuso e abandono. Essa vivência produziu algo singular em nossa formação.

O lugar dispõe de uma estrutura física  adequada para que uma criança se desenvolva e evolua como qualquer outra. O desafio diário da equipe é tornar essa instituição em um lar, onde as crianças recebam carinho e atenção de seus pais sociais, e juntos possam caracterizar uma família, ou o mais próximo possível desse núcleo tão importante no desenvolvimento humano.

Foi evidente no convívio de seis meses com os pais dessa Casa Abrigo, o quão é difícil o que aqui propomos. Cada criança traz consigo histórias e experiências distintas e requerem cuidados e atenção específica. Por outro lado, os cuidadores mobilizados com as especificidades dessas crianças, com o abandono e maus tratos comuns em cada caso, ou talvez por defesa, automatizam suas práticas, e acabam tratando iguais os diferentes, e o que deveria ser singular, passa a ser coletivo. Assim, criam uma aproximação íntima e ao mesmo tempo distante de cada criança.

Eis aí o imbróglio de um estabelecimento instituído, que a muito custo se mantém, tem suas limitações e necessidades, reconhece o desejo de suprir a necessidade emocional de cada criança, mas por ser uma instituição- casa e não um lar, não sabe como fazê-lo.

Tentamos auxiliá-los nessa e em outras demandas surgidas nesse caminhar, e formulamos, junto aos educadores (pai e mães sociais), um grupo de apoio na tentativa de estabelecer processos de autoanálise e autogestão; conceitos comuns do movimento institucionalista ou análise institucional; que propõe que os próprios coletivos se deliberem, produzam saberes sobre si mesmos e se organizem para melhor gerir suas atuações.

As provocações, como o previsto, produziram mais questionamentos do que respostas, o desconforto na descoberta de uma atuação alienante, incomodou a todos, incluindo nós. Como pode se trabalhar tanto tempo sem mesmo pensar o porquê ou quais as implicações desse labor? Percebemos neles inquietações, e juntos levantamos reflexões que indicavam a eminência de mudanças em suas atuações. Eles estiveram comprometidos todo o tempo, colocaram-se em análise e apontaram formas diferentes de atuar, para transformar a casa em um lar, evidenciando a singularidade de crianças e cuidadores, tratando com equidade as diferenças de cada um.

Assim, finalizamos nossa intervenção em meio aos questionamentos. Certamente o processo que construímos vai repercutir na atuação nossa e dos educadores, talvez não como houvéssemos planejado, porém o incômodo recorrente ao término das reuniões nos faz crer em uma mudança positiva na práxis de todos os envolvidos, cada um a sua maneira e no seu tempo.

É mais comum do que imaginávamos, tomar a forma do instituído e se acomodar em sua atuação, sem perceber. É muito tênue a linha que divide a reflexão e o comodismo. A autocrítica e a ação foram os produtos do processo de autoanálise e autogestão que foram estabelecidos no grupo de educadores sociais, e apesar de reconhecer as dificuldades de instaurar mudanças em uma instituição, esperamos ter contribuído para que essa casa se torne um LAR.


Nota: Texto produzido por acadêmicos de Psicologia do CEULP/ULBRA para a disciplina Intervenção da Psicologia na Educação ministrada pelo professor Jonatha Rospide.