“Flow” e a Travessia de Quem Luta em Silêncio

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No aclamado Flow, vencedor do Oscar de Melhor Animação em 2025, acompanhamos a jornada silenciosa de um gato solitário após uma enchente devastar tudo o que ele conhecia. Sem diálogos, mas repleto de imagens que falam por si, o filme constrói uma narrativa que, embora nunca nomeie emoções humanas, ecoa profundamente nas experiências de quem já enfrentou perdas, isolamento e a busca por um novo sentido.

O protagonista, um gato preto, é forçado a deixar sua casa submersa. A inundação que o arrasta para longe de tudo pode ser comparada à chegada súbita da depressão: imprevisível, avassaladora, mergulhando a vida num silêncio que parece não ter fim. Pessoas com depressão muitas vezes vivem esse mesmo colapso interno – uma sensação de naufrágio emocional onde tudo perde o sentido.

Durante sua travessia em um pequeno barco, o gato encontra outros animais: a capivara, o lêmure, o cachorro e, por fim, uma ave ferida. Nenhum deles fala, mas cada um representa relações humanas possíveis. A capivara, calma e serena, lembra aquelas pessoas que, mesmo em meio ao caos, conseguem oferecer presença e apoio. É o terapeuta que escuta sem pressa, o amigo que sabe acolher. O lêmure, com seu olhar perdido e seus objetos amarrados nas costas, é a imagem de quem carrega lembranças dolorosas – pessoas que perderam tudo, seja em tragédias naturais, guerras ou na travessia da imigração. Ele é o reflexo de tantos que vagam pelo mundo sem um lar, tentando reconstruir-se sobre os escombros da perda.

Há também a ave, jovem e machucada, que mesmo ferida decide voar. Ela simboliza os pequenos momentos de beleza que surgem no meio da dor: uma risada inesperada, um gesto de carinho, um olhar que acolhe. A leveza da ave lembra que nem tudo está perdido – que mesmo quando a vida pesa, ainda há espaço para a liberdade e a esperança.

Assim como na vida real, o grupo formado por esses animais é improvável, mas necessário. Eles não se conheciam antes, não tinham laços, mas tornam-se companhia, apoio e família. Isso acontece todos os dias com pessoas que, em meio à crise, encontram apoio em desconhecidos – vizinhos, voluntários, terapeutas, colegas de trabalho – e constroem laços verdadeiros em momentos inesperados.

Flow mostra que a depressão se assemelha a uma tempestade: vem em ondas, tem altos e baixos, e por vezes parece interminável, ciclica. Mas também mostra que é possível atravessar esse mar revolto. Com companhia, paciência e persistência, é possível seguir em frente. O filme nos lembra que, mesmo sem palavras, há formas de comunicar dor, acolher fragilidades e construir sentido.

Ao final, o gato permanece no solo enquanto a ave ascende ao céu, em direção a uma luz suave. É um momento de separação e continuação – como a vida. Nem sempre todos seguem juntos, mas cada passo adiante é uma afirmação de que ainda vale a pena caminhar. Flow não é apenas uma animação encantadora. É uma metáfora visual da resiliência humana. Uma prova de que, mesmo quando tudo parece perdido, a força interior e o apoio certo podem nos ajudar a reencontrar o caminho. Há sempre um amanhã – e, com ele, a possibilidade de dias melhores.

Ficha técnica
Título original: Flow
Ano de produção: 2024
Direção: Gints Zilbalodis
Estreia no Brasil: 20 de fevereiro de 2025
Duração: 85 minutos
Classificação indicativa: Livre
Gênero: animação, aventura, fantasia
País(es) de produção: Letônia, Bélgica, França .

Produção/Estúdio: Dream Well Studio (Letônia); coprodução com Sacrebleu Productions (França) e Take Five (Bélgica) .

Distribuição (Brasil): Mares Filmes (com parceria da Alpha Filmes) .

Festival de estreia: Festival de Cannes 2024 (sessão Un Certain Regard, 22 de maio de 2024) .

Sinopse (resumo): A trama conta a história de um gato solitário que, após a destruição de seu lar por uma grande inundação, encontra refúgio em um barco habitado por diversas espécies; juntos, precisam aprender a superar suas diferenças para encontrar um novo sentido de comunidade

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