Em Before Sunset (Linklater, 2004), a segunda parte da trilogia que acompanha o reencontro de Jesse e Céline após nove anos, o tempo e a ausência tornam-se protagonistas silenciosos. A narrativa se desenrola em tempo real, acompanhando uma longa conversa que transita entre lembranças, frustrações, medos e esperanças. Em um dos momentos mais marcantes, Céline afirma que acredita que “ninguém é substituível”. Essa frase, aparentemente simples, carrega uma carga emocional profunda e nos convida a refletir, sob a ótica da Análise do Comportamento, sobre como as relações humanas são moldadas por contingências únicas e não replicáveis.
Na perspectiva comportamental, particularmente dentro de uma abordagem contextualista, não tratamos o sujeito como uma entidade isolada com propriedades fixas, mas como um organismo em constante interação com seu ambiente. Comportamentos — inclusive aqueles que constituem vínculos afetivos — são selecionados pelas consequências que produzem em contextos específicos e históricos. Assim, quando Céline diz que ninguém pode ser substituído, podemos entender que ela se refere ao fato de que cada relação é produto de uma história única de interações, reforçadores e estímulos discriminativos que não podem ser replicados em sua totalidade por outra pessoa ou em outro momento.
As experiências vividas entre duas pessoas formam um conjunto de contingências que se entrelaçam: o olhar, o tom de voz, os lugares compartilhados, os reforçadores condicionados que emergem das histórias em comum — tudo isso constitui um contexto específico que seleciona e mantém padrões comportamentais únicos. Dentro dessa lógica, a relação entre Jesse e Céline não pode simplesmente ser “recriada” com outras pessoas, pois as variáveis ambientais, os estímulos antecedentes e os reforçadores sociais são historicamente construídos e situados.
Além disso, a fala de Céline pode ser compreendida à luz da função do comportamento verbal. Ao afirmar que ninguém é substituível, ela não apenas descreve uma crença pessoal, mas também emite uma resposta verbal que tem efeitos em seu ambiente — tanto em Jesse quanto no espectador. Trata-se de uma autodescrição que organiza sua conduta afetiva, molda sua forma de se relacionar e, possivelmente, influencia as decisões que tomará. Em termos comportamentais, esse tipo de regra verbal pode funcionar como um estímulo discriminativo para comportamentos de manutenção ou ruptura de vínculos, dependendo do contexto em que é reforçada.
O filme também destaca o papel do tempo como uma variável contextual. O intervalo de nove anos desde o primeiro encontro não apenas modificou os ambientes físicos e sociais dos personagens, mas também transformou suas histórias de reforçamento. Eles se reencontram como pessoas diferentes, moldadas por novas contingências e repertórios verbais, e, ainda assim, percebem que há algo de irredutivelmente singular naquela conexão. Isso reforça a ideia de que o comportamento humano é profundamente situado: o que emerge entre duas pessoas em um dado momento é resultado de múltiplas camadas de história, cultura e contexto imediato.
Portanto, à luz da Análise do Comportamento, a afirmação de que ninguém é substituível ganha contornos técnicos: não se trata de uma essência insubstituível no sentido metafísico, mas da impossibilidade de replicar exatamente a rede de contingências que configuram uma relação afetiva específica. Cada pessoa, ao interagir com outra, participa de um entrelaçamento único de histórias de reforçamento, regras verbais, práticas culturais e consequências que moldam um campo relacional irrepetível.
Before Sunset nos oferece, assim, não apenas um drama romântico, mas um retrato delicado das complexas variáveis que constituem os encontros humanos. Dentro de uma perspectiva analítico-comportamental, essa obra convida à contemplação dos vínculos não como destinos ou essências, mas como construções históricas que, por sua singularidade contextual, não podem ser plenamente substituídas — apenas transformadas, reformuladas ou encerradas.
FICHA TÉCNICA

Título original: Antes do Pôr do Sol
Ano de produção: 2004
Direção: Richard Linklater
Estreia no Brasil: 2 de julho de 2004
Duração: 80 minutos
Classificação indicativa: 16 anos
Gênero: Romance, Drama.
