Quando a sala escurece e a tela se ilumina, nem sempre o público percebe: por trás de cores vibrantes e músicas chiclete, o cinema infantil vem oferecendo algo além de diversão. Em Red: Crescer é uma Fera (2022) e Encanto (2021), a Pixar e a Disney entregam narrativas recheadas de metáforas psicológicas, convidando crianças e adultos a refletirem sobre puberdade, traumas familiares e o difícil processo de aceitação de si mesmo.
O curioso é que, ao mesmo tempo em que vendem bichinhos fofos e bonecas colecionáveis, esses estúdios têm levado às telas discussões que, até poucos anos atrás, ficavam restritas a consultórios de psicoterapia e rodas acadêmicas. O que isso diz sobre nossa cultura emocional?
Em Red: Crescer é uma Fera, a protagonista Mei Lee acorda um dia e descobre que virou… um panda vermelho gigante. Não se trata apenas de uma piada visual: o filme é um retrato metafórico da puberdade, das transformações corporais inesperadas e das emoções descontroladas. Na psicologia, sabemos que a adolescência é atravessada por uma “tempestade hormonal” e pelo conflito entre autonomia e pertencimento. Mei encarna isso com perfeição: entre a expectativa da mãe controladora e a vontade de ser ela mesma, sua metamorfose é tanto biológica quanto simbólica. O panda é excesso, é intensidade, mas também é potência criativa.
O que a animação nos lembra, com delicadeza, é que crescer exige abraçar a própria desordem. A metáfora é acessível para crianças, mas, para adultos, toca em uma ferida coletiva: quem nunca se sentiu “grande demais” ou “desajustado” para caber nas regras da família ou da sociedade?
Se Mei enfrenta a puberdade, Mirabel, de Encanto, enfrenta o peso do silêncio familiar. Em Encanto, cada membro da família Madrigal carrega dons mágicos — menos ela. A metáfora é clara: em muitos lares, há aquele filho ou filha que parece não corresponder às expectativas, tornando-se “a ovelha fora do rebanho”.
O encanto da narrativa, porém, está no detalhe: a casa mágica que começa a rachar. A psicologia sistêmica já dizia: sintomas individuais frequentemente revelam falhas na engrenagem familiar. Quando o silêncio sobre traumas passados (como a violência que expulsou os Madrigal de sua terra) não é elaborado, o peso recai sobre as gerações seguintes.
Mirabel, sem poderes, é justamente quem enxerga a fissura. E é na coragem de questionar a tradição e de dar voz ao não dito que a reconciliação acontece. O filme ensina, com música e cores, o que a clínica repete todos os dias: não há cura sem diálogo, não há laço saudável sem reconhecimento da dor.
Estamos avançando! Se antes os desenhos animados orbitavam mundos fantasiosos sem tocar em questões humanas profundas, hoje vemos roteiros que funcionam quase como manuais de inteligência emocional. Crianças aprendem, sem perceber, que chorar não é fraqueza, que limites existem, que famílias podem adoecer. Há, no entanto, um risco a se observar. A psicologia não pode ser reduzida a slogans motivacionais embalados em canções. Quando Hollywood transforma processos complexos (como trauma, luto ou puberdade) em narrativas com finais felizes e canções catárticas, corre-se o perigo de romantizar dores que, na vida real, exigem tempo, suporte e acompanhamento.
Ao mesmo tempo, negar o poder pedagógico dessas histórias seria ingenuidade. Red e Encanto funcionam como pontes: aproximam pais e filhos de conversas difíceis, democratizam termos psicológicos e, principalmente, validam emoções que tantas vezes são varridas para debaixo do tapete.
