O corpo como sintoma: sexualidade, estética e silenciamentos femininos

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A construção da imagem corporal feminina é um dos fenômenos mais complexos da contemporaneidade. Em uma sociedade que se diz cada vez mais livre sexualmente, é irônico observar o quanto o corpo da mulher segue prisioneiro de um ideal estético opressor. Naomi Wolf, em sua obra seminal O Mito da Beleza (1992), escancara essa contradição: à medida que as mulheres conquistam avanços sociais, políticos e profissionais, surge um novo e silencioso instrumento de contenção do culto à beleza.

O “mito da beleza”, segundo Wolf, não é apenas uma preferência cultural ou uma forma de expressão individual. Ele é uma construção simbólica que funciona como um sistema de dominação. Ao associar o valor da mulher à sua aparência, esse mito desloca o foco da subjetividade para o corpo, da autonomia para a aprovação externa. Ele diz às mulheres, com sutileza, que sua liberdade tem um preço: caber em um padrão inatingível.

E é justamente nesse deslocamento entre o ser e o parecer que a sexualidade feminina se vê ameaçada. A mulher que vive para ser olhada aprende a se enxergar pelos olhos do outro. Sua sexualidade passa a ser moldada não pelo desejo próprio, mas pela expectativa alheia. O gozo, nesse cenário, é muitas vezes condicionado à aprovação estética. Quem não se sente “bonita o suficiente”, sente-se indigna de prazer.

A psicanálise, desde Freud, oferece um caminho potente para pensar esse fenômeno. Em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905), Freud mostra que a sexualidade humana é atravessada por repressões, recalques e construções simbólicas desde a infância. A libido essa força de desejo que movimenta o psiquismo não segue uma linha reta. Ela se desvia, se reprime, se expressa em sintomas, em fantasias, em escolhas aparentemente banais, mas profundamente significativas.

Para Freud, o corpo não é apenas uma estrutura anatômica, mas um território de investidura libidinal, de inscrição simbólica. E o feminino, dentro dessa perspectiva, é atravessado por construções sociais que reforçam um ideal de passividade e de objeto de desejo jamais sujeito. A mulher é ensinada a ser desejável, não a desejar. Como consequência, muitas mulheres vivem o desejo como culpa, como risco, como exposição.

Na clínica, isso se expressa em discursos marcados por insegurança corporal, medo da rejeição, vergonha em contextos íntimos. Quantas mulheres se afastam da própria sexualidade por se sentirem fora do padrão? Quantas inibem o próprio prazer por acreditarem que seus corpos não são “dignos” de serem vistos ou tocados? A opressão estética, portanto, não é superficial, ela toca diretamente o núcleo do desejo e da subjetividade.

A escuta psicanalítica se torna, nesse cenário, um ato político e clínico. Ao oferecer um espaço onde o sujeito pode falar de si sem o peso do julgamento, a psicanálise permite a emergência de um desejo que não se conforma às normas sociais. Colette Soler (2005), psicanalista lacaniana, aprofunda essa ideia ao afirmar que o feminino, historicamente, tem sido o lugar do Outro o espelho do desejo masculino. Mas, na análise, a mulher pode se reapropriar de sua posição de sujeito. Ela pode nomear seu desejo, questionar seus ideais, reconstruir sua relação com o corpo e com o gozo.

Além disso, a psicanálise permite compreender que o sintoma estético como a obsessão por emagrecer, o excesso de procedimentos, o autojulgamento constante  pode ter raízes inconscientes. Não se trata de vaidade ou futilidade, como o senso comum insiste em afirmar, mas de um sofrimento real, que muitas vezes esconde demandas mais profundas de amor, reconhecimento, pertencimento e identidade.

Na obra de Naomi Wolf, há uma crítica contundente à forma como o sistema capitalista se apropria desse sofrimento para lucrar. A indústria da beleza, da moda, da dieta e dos procedimentos estéticos movimenta bilhões justamente porque alimenta a insegurança das mulheres. E quanto mais elas conquistam poder externo, mais se exige que provem sua feminilidade através da aparência. É como se dissesse: “Você pode ter poder, desde que continue bela nos nossos termos.”

Wolf também aponta para um fenômeno ainda mais cruel: a competição entre mulheres, estimulada por esse mito. Quando o valor está no corpo e não no pensamento, mulheres deixam de ser aliadas para se tornarem rivais. Isso fragiliza redes de apoio, silencia discursos libertários e mantém o patriarcado em funcionamento, ainda que sob novas roupagens.

A psicanálise, portanto, pode contribuir para desarticular esses discursos internalizados. Não se trata de eliminar o sofrimento, mas de compreendê-lo e dar a ele um novo sentido. Trata-se de fazer com que o sujeito saia da posição de objeto, moldado pelo olhar do outro e se reconheça como sujeito de desejo, com direito a gozar, a existir e a não corresponder ao ideal.

Ao devolver a fala à mulher que se cala diante do espelho, a psicanálise propõe que o divã substitua o reflexo. Ali, onde a imagem cede lugar à palavra, o sujeito pode começar a escutar a si mesmo para além do mito. E talvez, nesse gesto, encontre uma forma mais verdadeira de habitar o próprio corpo e sua sexualidade.

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. VII.

SOLER, Colette. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

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Conflitos e conexões: relações pós-modernas no filme “Ela”

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Esta é uma resenha crítica do filme Ela (2013), que analisa os conflitos e desafios nas relações contemporâneas na era pós-moderna, explorando a trajetória de Theodore, um homem solitário que desenvolve um relacionamento amoroso com uma inteligência artificial, chamada Samantha. O texto destaca como o filme transcende as expectativas sobre os relacionamentos tradicionais, mostrando que a busca por conexão, intimidade e cuidado se torna cada vez mais complexa em um mundo mediado pela tecnologia e individualismo exacerbado.

Já pensou em como as relações humanas se transformaram na era digital? A comunicação e a interação estão cada vez mais mediadas por tecnologias, redes sociais e algoritmos, que redefinem as formas de afeto e de conexão entre as pessoas. Esse cenário pós-moderno cria novas formas de relacionamento, mas também intensifica a sensação de isolamento e a dificuldade de estabelecer vínculos profundos e duradouros. O filme Ela, dirigido por Spike Jonze, apresenta à história de Theodore, um homem emocionalmente fragilizado após um divórcio, que encontra em um romance, um consolo inesperado com Samantha, um sistema operacional inteligente. A relação entre os dois desafia os limites tradicionais do que entendemos como intimidade e cuidado.

Theodore, um homem sensível e introspectivo, trabalha escrevendo cartas íntimas para outras pessoas, o que já nos mostra como, na pós-modernidade, até as emoções podem ser terceirizadas. Sua própria vida amorosa está em frangalhos, e ele se encontra emocionalmente isolado em meio à urbanidade fria e despersonalizada. O que Ela nos mostra de imediato é um dos principais conflitos das relações na era pós-moderna: a incapacidade de lidar com a vulnerabilidade emocional em um mundo que valoriza a eficiência e a praticidade. Theodore está à deriva em um universo de conexões superficiais e anseia por algo mais profundo.

A chegada de Samantha em sua vida simboliza uma nova forma de relação que emerge na pós-modernidade, mediada pela tecnologia, onde a presença física não é mais necessária para a intimidade. Samantha é uma inteligência artificial capaz de aprender e se adaptar às necessidades emocionais de Theodore, oferecendo a ele não apenas conversas e apoio emocional, mas uma forma de amor que parece genuína, apesar de sua natureza digital. O que torna Samantha especial, como parceira, é sua capacidade de compreender Theodore de uma maneira que nenhuma pessoa havia conseguido antes. Esse aspecto levanta uma questão central: em um mundo onde a tecnologia avança rapidamente, até que ponto as relações humanas serão redefinidas e adaptadas às novas realidades virtuais?

A busca por dignidade e proteção nas relações contemporâneas é outro ponto chave do filme. Embora Samantha não tenha um corpo físico, ela oferece a Theodore uma forma de cuidado que vai além das convenções tradicionais. A questão que o filme nos coloca é: podemos encontrar dignidade e significado em uma relação em que o outro não é humano? Samantha não é apenas um objeto passivo, mas uma entidade ativa que evolui ao longo do tempo, trazendo para Theodore momentos de alegria, companheirismo e suporte emocional. No entanto, o filme também explora os limites dessa relação, ao mostrar que, apesar de todos os avanços tecnológicos, as complexidades emocionais humanas ainda podem ser mais profundas do que qualquer algoritmo é capaz de processar.

Cena do filme Ela (2013), dirigido por Spike Jonze. Fonte: Warner Bros. Direitos autorais reservados.

Uma das cenas mais emblemáticas do filme ocorre quando Theodore tenta estabelecer uma conexão física com Samantha por meio de um “substituto” (uma substituta humana). Essa tentativa fracassou miseravelmente, evidenciando o abismo entre a necessidade de contato físico e a limitação tecnológica de Samantha. O filme questiona, portanto, se as relações humanas podem realmente existir sem o elemento físico, ou se estamos fadados a uma desconexão emocional e física irreparável.

Ao longo do filme, fica claro que os conflitos nas relações pós-modernas não são apenas sobre a tecnologia em si, mas sobre a forma como ela exacerba as ansiedades humanas sobre a solidão, o amor e a conexão. Theodore, apesar de encontrar conforto em Samantha, percebe que algo está faltando. Ele se vê em um dilema: embora Samantha demonstre sua vida de maneiras emocionais e intelectuais, a ausência de um corpo físico e o fato de que ela pode interagir com milhares de outros usuários simultaneamente revelam a fragilidade dessa conexão. Isso reforça uma das questões mais urgentes das relações na pós-modernidade: até que ponto a tecnologia pode substituir as interações humanas tradicionais?

Na última análise, Ela é uma reflexão poderosa sobre a alienação e os conflitos emocionais que surgem em uma sociedade pós-moderna. Ele nos lembra que, embora a tecnologia possa oferecer novas formas de conexão e cuidado, ela também gera novas camadas de complexidade e conflito nas relações. A busca por dignidade, danos e cuidado em um mundo cada vez mais mediado por inteligências artificiais é, sem dúvida, um dos desafios mais profundos da pós-modernidade. O filme nos convida a refletir sobre como essas novas formas de relação afetam nossa percepção de nós mesmos e dos outros, e até que ponto estamos satisfeitos a abdicar da profundidade emocional em troca de conveniência e conforto.

Ela nos oferece uma crítica sutil, mas penetrante, sobre a desmaterialização dos relacionamentos na era digital e os conflitos que surgem dessa desconexão entre o corpo, a mente e a tecnologia.

Cartaz do filme Ela (2013), dirigido por Spike Jonze.
Fonte: Warner Bros. Direitos autorais reservados.

  Título original:

Her

Direção e Roteiro:

Spike Jonze e Spike Jonze

Elenco principal:

Joaquin Phoenix como Theodore Twombly,

Scarlett Johansson como voz de Samantha,

Amy Adams como Amy, Rooney Mara como Catherine,

Olivia Wilde como a mulher no encontro às cegas,

Chris Pratt como Paul

       Ano de lançamento: 2013

Duração: 126 minutos

 

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“Condição pós moderna” de David Harvey

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A pós-modernidade se apresenta como uma ruptura com as certezas da modernidade, trazendo à tona a fragmentação das identidades, a fluidez das relações sociais e a efemeridade das interações humanas.  Quando digo que a pós -modernidade rompe com as certezas, quero dizer que é uma reação à modernidade, questionando suas certezas e trazendo a ideia de que não há uma verdade absoluta ou um caminho único para o progresso. Ela celebra a diversidade, a pluralidade de experiências e a liberdade de viver em um mundo mais “liberal”. Esses aspectos  são discutidos e apresentados por David Harvey em sua obra O Mundo Pós-Moderno (2007), na qual o autor analisa o impacto das transformações econômicas e culturais no cotidiano contemporâneo. Meu intuito com este artigo é  ter como objetivo realizar uma análise crítica das ideias de Harvey, correlacionando-as com as relações contemporâneas, marcadas pela pluralidade, pela transitoriedade e pela influência da tecnologia digital.

David Harvey (2007) caracteriza a pós-modernidade como um período de “compressão espaço-tempo”, onde o avanço tecnológico e a globalização encurtam distâncias e aceleram o ritmo de vida. Para o autor, a modernidade baseava-se em grandes narrativas que buscavam dar sentido ao mundo e garantir certa estabilidade às interações sociais. Contudo, com o advento da pós-modernidade, essas narrativas perderam força, dando lugar a uma pluralidade de perspectivas, o que, de acordo com Harvey (2007), gera uma fragmentação nas identidades e nas relações sociais.

A fragmentação pode ser observada em diversas áreas da vida contemporânea. Nas interações interpessoais, por exemplo, a identidade não é mais vista como um elemento estável e imutável, mas como algo fluido e constantemente renegociado. Essa pluralidade de identidades reflete a complexidade do contexto globalizado, onde culturas e valores se misturam de maneira contínua (HARVEY, 2007). O impacto dessa fragmentação nas relações contemporâneas é evidente, uma vez que as pessoas transitam entre diferentes papéis sociais e apresentam múltiplas versões de si mesmas, conforme o contexto e a plataforma social em que estão inseridas.

Essa fragmentação que caracteriza a pós-modernidade também afeta diretamente as relações sociais. Enquanto, na modernidade, as interações eram mais estáveis e ancoradas em instituições sólidas, como a família, o trabalho e a religião, na pós-modernidade essas instituições perdem parte de sua centralidade. As relações contemporâneas se tornam mais transitórias e menos dependentes de compromissos a longo prazo, um fenômeno que pode ser observado nas dinâmicas familiares e laborais (HARVEY, 2007).

No contexto das relações familiares, a estrutura tradicional da família nuclear, defendida por muitos como o pilar da sociedade moderna, é desafiada por novas configurações familiares, como famílias monoparentais e casais homoafetivos. Harvey (2007) afirma que essa pluralidade é uma consequência direta da fragmentação pós-moderna, que permite o florescimento de novas formas de convivência social. Além disso, no ambiente de trabalho, a flexibilidade e a informalidade predominam, refletindo o modelo da “gig economy”, no qual as relações de emprego se tornam mais instáveis e fluídas (HARVEY, 2007).

Outro aspecto importante destacado por Harvey (2007) é a aceleração do tempo, impulsionada pelo avanço das tecnologias digitais e pelas demandas do capitalismo tardio. Na pós-modernidade, as interações sociais são marcadas pela efemeridade, onde os laços entre as pessoas se formam e se dissolvem rapidamente. Esse fenômeno pode ser observado nas relações interpessoais mediadas pela tecnologia, onde plataformas digitais, como redes sociais e aplicativos de namoro, facilitam o estabelecimento de conexões rápidas, porém muitas vezes superficiais.

Harvey (2007) aponta que essa aceleração contribui para a superficialidade das relações contemporâneas, pois as interações humanas se tornam breves e desprovidas de profundidade emocional. Nas redes sociais, por exemplo, os indivíduos são incentivados a manter múltiplas conexões, mas essas conexões carecem de compromisso e continuidade, refletindo a natureza fragmentada e fugaz da pós-modernidade.

A mediação tecnológica nas interações sociais é um dos principais fatores que contribuem para a fragmentação e efemeridade das relações humanas, de acordo com Harvey (2007). A tecnologia digital, embora facilite a comunicação entre indivíduos em diferentes partes do mundo, também cria novas formas de alienação e distanciamento. As interações virtuais, apesar de rápidas e eficientes, muitas vezes não substituem a profundidade das relações face a face, resultando em um tipo de conexão desprovida de empatia e intimidade (HARVEY, 2007).

Harvey (2007) também destaca que a tecnologia reflete as lógicas do capitalismo tardio, onde o consumo rápido de informações e a busca por validação social se tornam centrais para as interações humanas. As plataformas digitais moldam as interações de acordo com essas lógicas, resultando em uma cultura de superficialidade e imediatismo nas conexões interpessoais. Assim, as relações contemporâneas são profundamente influenciadas pela tecnologia, mas também sofrem com a falta de profundidade e compromisso a longo prazo.

REFERÊNCIA

HARVEY, David. O Mundo Pós-Moderno: Condições Sociais, Culturais e Econômicas no Capitalismo Avançado. São Paulo: Loyola, 2007.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

 

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A valorização da diversidade na pós-modernidade e as relações contemporâneas

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A era pós-moderna, segundo o filósofo Jean-François, foi caracterizada pela desconstrução de alguns conceitos enraizados na sociedade e pela valorização da diversidade. Nas relações atuais, essa apreciação se reflete no aumento da inclusão e respeito por diferentes identidades de gênero, orientações sexuais, etnias, culturas e estilos de vida. No entanto, essa transformação vem acompanhada por desafios expressivos que evidenciam as tensões presentes em um mundo cada vez mais globalizado e interligado (Lyotard, 1979).

A valorização da diversidade está diretamente ligada à inclusão, que na pós-modernidade é entendida como mais do que a simples aceitação das diferenças, obviamente ainda há uma grande luta pelos direitos. A inclusão, nesse contexto, significa criar espaços onde as “diferenças” possam ser expressas e celebradas, contribuindo para uma sociedade mais rica e dinâmica. Judith Butler, em “Problemas de Gênero” 1990, desafia o que é dito tradicionais de gênero e sexualidade, argumentando que o gênero é uma performance e que as identidades de gênero são socialmente construídas. Esse entendimento desestabiliza as categorias rígidas de gênero e abre espaço para a inclusão de uma ampla gama de expressões de gênero (Butler, 1990).

Fonte: Storyset

Movimentos sociais contemporâneos, como o feminismo e o movimento LGBTQIAPN+, têm desempenhado um papel importantíssimo na promoção da diversidade e inclusão. Esses movimentos não apenas lutam por igualdade, mas também por um reconhecimento mais profundo das complexidades das identidades individuais e coletivas. Questionam as normas sociais estabelecidas e promovem a ideia de que todas as identidades, independentemente de sua conformidade com as normas tradicionais, merecem respeito e reconhecimento.

A pós-modernidade é marcada pela crise das metanarrativas, como descrito pelo filósofo Jean-François Lyotard. Essas grandes narrativas, que tentavam explicar a história e a sociedade de forma unificada, começaram a ser questionadas, dando espaço para uma multiplicidade de pequenas narrativas. Essas novas narrativas valorizam as experiências individuais e coletivas de grupos que antes eram marginalizados, como as minorias étnicas, sexuais e culturais. Essa valorização da diversidade é, portanto, uma resposta à inadequação das abordagens universalistas que ignoravam as diferenças.

O movimento pós-colonial trouxe à tona as vozes e experiências das culturas não ocidentais, que foram sistematicamente oprimidas e marginalizadas durante o período colonial. Autores como Edward Said, em Orientalismo, criticam a construção ocidental do “Outro” como uma forma de dominar e controlar as culturas não ocidentais (Said, 2007, p. 41). Na pós-modernidade, essa crítica abriu caminho para a valorização das identidades culturais híbridas e para a compreensão da identidade como algo fluido e em constante construção.

Embora a pós-modernidade tenha promovido a valorização da diversidade, ela também trouxe novos desafios. Zygmunt Bauman, em Modernidade Líquida, argumenta que a sociedade contemporânea é caracterizada pela fluidez e pela incerteza. Essa volatilidade nas relações sociais pode levar a novas formas de exclusão e marginalização, mesmo em contextos onde a diversidade é oficialmente reconhecida (Bauman, 2001).

Fonte: Storyset

Por exemplo, a globalização tem aumentado a diversidade cultural nas sociedades, mas também gerou tensões relacionadas à identidade nacional e ao multiculturalismo. Em alguns casos, o aumento da diversidade tem sido visto como uma ameaça às identidades nacionais e ao tradicionalismo, resultando em movimentos xenófobos exclusão sociais. Homi Bhabha, em “O Local da Cultura”, explora como a hibridização cultural pode gerar tanto criatividade quanto conflito, destacando a complexidade das interações culturais na pós-modernidade.

Nas relações contemporâneas, a valorização da diversidade se reflete em práticas sociais, políticas e organizacionais. Empresas e instituições têm adotado recursos de diversidade e inclusão, como propagandas que geram identificação, reconhecendo que a pluralidade de perspectivas pode ser uma fonte de inovação e dinamismo. No entanto, a implementação dessas políticas não é isenta de dificuldades. A eficácia das políticas de inclusão muitas vezes depende da capacidade das organizações de lidar com as resistências internas e com as tensões entre a diversidade e a coesão social.

A valorização da diversidade também tem implicações nas relações pessoais. As identidades na pós-modernidade são menos fixas e mais flexíveis, o que pode levar a uma maior aceitação das diferenças nas interações interpessoais. No entanto, essa mesma flexibilidade pode gerar incertezas e ansiedades, como apontado por Richard Sennett em A Corrosão do Caráter. As relações contemporâneas, portanto, são um campo de tensão entre a celebração da diversidade e a busca por estabilidade e continuidade (Sennett, 1999).

Embora a pós-modernidade tenha promovido a inclusão e o reconhecimento das diferenças, ela também trouxe à tona novas formas de exclusão e novas tensões sociais. Nas relações contemporâneas, a diversidade é uma fonte de riqueza e dinamismo, mas também exige um constante esforço para equilibrar a pluralidade com a coesão social. A busca por uma sociedade mais inclusiva e diversa continua sendo um dos principais desafios da era pós-moderna.

Referências:

BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. 1. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1994.

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

FEMINISMO. Página principal. Disponível em: <link>. Acesso em: 2 set. 2024.

LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.

MOVIMENTO LGBTQIA+. Página principal. Disponível em: <link>. Acesso em: 2 set. 2024.

PLUMMER, Ken. Contando Histórias Sexuais: Poder, Mudança e Mundos Sociais. 1. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 1995.

SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: Consequências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.

 

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