O livro de Bilê Tatit Sapienza, denominado – Do desabrigo à confiança: daseinsanalyse e terapia. São Paulo: Escuta, 2007, presta uma contribuição à fundamentação terapêutica do Daseinsanalyse, prática clínica fundada por Medard Boss (1903-1990), médico psiquiatra, por alguns anos aluno de Martin Heidegger e, analisando de Sigmund Freud (FREITAS, 2014).
Boss foi admirador do interesse clínico persistente de Freud pelos casos de seus pacientes; também foi influenciado pelos pensamentos existenciais de Heidegger, lançados em questionamentos filosóficos como: “poder-ser futuro que ainda não é, marcados por um passado que não é mais, limitados pela transitoriedade do presente que se doa”. Compreendeu que a partir das reflexões filosófica existencial o método de investigação da ciência natural não dava a dimensão de investigação necessária que o humano necessitava, conforme Freitas (2014).
Sapienza (2007, p. 11) contextualiza que “a palavra Dasein, ser-aí, designa aquele ente para o qual ‘ser’ é sempre questão; aquele ente que é o ‘ai’ onde se ‘da’ ‘ser’, aquele cujo modo de ser é ser sempre ‘ai’ (grifos autor)”. O autor pergunta – “Aí onde? Respondendo: no mundo”. Então a palavra Dasein trata-se da existência humana no mundo.
O autor avisa aos psicólogos iniciantes que a fenomenologia e a Daseinsanalyse, pode parecer um pensamento livre e envolvente com questões envolventes, como: “que demais é tudo isso! A gente vai longe pensando o que é pensar! No que é ser! No que é existir! No ser lançado” (p. 12). A finitude da existência humana potencializa o valor da vida.
Sapienza (2007) consegue abordar assuntos difíceis, cuja compreensão filosófica costuma ser árdua e distanciada duma prática aplicável, levando o leitor a contextos significativos onde os termos específicos da filosofia de Heidegger aparecem com muita propriedade, inseridos, permitindo a compreensão do seu sentido sem exigir o conhecimento de definições prévias, articulando tanto no âmbito da ontologia fundamental quanto no da experiência existencial do paciente e do terapeuta.
Sapienza (2007 apud FREITAS, 2014) faz uma costura entre o pensamento heideggeriano com a prática da Daseinsanalyse, explicitando a necessidade e dificuldade de trabalhar sem o amparo de teorias explicativas. Abarcando somente os fenômenos que se dão na vida dos pacientes, tendo, portanto, como referência a condição ontológica da existência em Dasein, somente neste sentido aportada na incerteza.
Essa maneira de estar com o paciente é algo que conquistamos aos poucos, pois a tendência mais comum do psicólogo é querer fazer o Diagnóstico. […] O terapeuta não está ali lidando com um psiquismo, querendo explicar como e por que ele funciona de uma tal forma. Ali ele se encontra com a existência de um ser humano que quer ser compreendido por alguém e quer se compreender melhor. Esse modo do terapeuta estar na sessão faz muita diferença. Isso não deve, entretanto, ser confundido com a mera expressão de um comportamento afável, de um jeito simpático de ser com o paciente (SAPIENZA, 2007, p. 14).
O trabalho da Daseinsanalyse na clínica se compromete não com as ideias filosóficas em si, mas com o cuidado com a vida efetiva, com a existência única daquela pessoa que nos procura. Ainda que tentássemos nos amparar no saber heideggeriano como instrumento seguro para o exercício do nosso trabalho clínico, fracassaríamos, visto que a própria compreensão fenomenológica da existência como essencialmente livre, esvazia a nossa possibilidade de prever, controlar ou justificar o modo como cada um vive e age. Portanto o existir humano não se submete às leis da causalidade, tampouco permite os meios teóricos como compreensão e/ou parâmetros interpretativos, conforme Freitas (2014).
Outro ponto abordado no texto que chama a atenção para aplicação clínica, enfatiza que embora a Daseisanalyse não diga respeito diretamente a fenomenologia de Hussel, essencialmente, ela fundamenta características primordiais do método fenomenológico, como: a suspensão fenomenológica “volta às coisas mesmas”. Hussel então apresenta o método que comporta dois momentos, sendo eles: a redução eidética e, a redução fenomenológica (SAPIENZA, 2007, p. 23).
O autor explica: redução eidética vem de eidos, igual à essência; quando se chega ao fenômeno imaginariamente, é retirado tudo dele, sem que com isso ele (fenômeno) deixe de ser o que é, isso é sua essência. A redução fenomenológica é “a suspensão de concepções e julgamentos prévios a respeito daquilo que se deseja investigar e procura se prender à evidência do que se apresenta para a consciência é suspenso”, o que restou foi o resíduo da redução fenomenológica, conceituado como fenômeno na consciência, conforme Sapienza (2007, p. 23-24).
Pode-se entender que o encontro terapêutico descrito por Sapienza (2007 apud FREITAS, 2014) propicia sessões ricas em possibilidades, questionamentos, reflexões e sentimentos, dentro da relação terapêutica. Daseinsanalyse, em certa medida faz surgir cumplicidade, permite o acesso a uma história possível, com fundamentos ontológicos do existir humano, que, tocado pela dor do paciente, o profissional se dispõe ao acolhimento em terapia.
Terapeuta e paciente se permitem corajosa e cuidadosamente à beira do foço da imprevisibilidade na narrativa vindoura e do desenrolar-se da história do paciente, à procura de ampliar e iluminar o acesso à sua própria existência, esperando o surgimento, ou não, de novas rearticulações de sentido capazes de permear seu mundo com uma disposição afetiva de predominante confiança (SAPIENZA, 2007 apud FREITAS, 2014).
Para encerrar esta resenha, informo que a literatura – Do desabrigo à confiança: Daseinsanalyse e terapia, foi que ampliou muito o conceito de Daseinsanalyse. As possibilidades de elaboração do texto são inúmeras, más, a ideia foi não incluir o caso clínico, fixando-se nos conceitos principais da fenomenologia, no viés Daseinanalyse. Compreendi que a terapia daseinsanalítica tem um lugar importante dentro da fenomenologia, necessitando que o profissional que a abraçar, precisará ter um aprofundamento filosófico na ontologia fundamental de Martin Heidegger; entretanto como foi explicitado no início deste texto, é conveniente ficar atento para não deixar que o encanto com as ideias acerca da existência humana ofusquem a compreensão dos fenômenos ônticos da existência única de cada paciente em terapia.
FICHA TÉCNICA
Nome do livro: Do Desabrigo à Confiança: Daseinsanalyse e Terapia Editora:Escuta Autor:Bilê Tatit Sapienza Idioma: Português Ano:2007 Páginas: 132
REFERÊNCIAS
FREITAS, D. P. Fenomenologia em Heidegger e o desafio da clínica daseinsanalítica. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. vol.17 no.1 São Paulo Mar. 2014.Disponível: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-47142014000100010, Acesso: 20.06.2018.
SAPIENZA, Bilê Tatit. Do Desabrigo à Confiança: daseinsanalyse e terapia. São Paulo: Escuta, 2007.
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Teorias de Piaget, novas tecnologias e educação inclusiva: uma reflexão
A obra de Piaget teve o nome cunhado pelo próprio autor como “Epistemologia Genética” (grifo nosso), onde fica evidente sua principal preocupação, a Epistemologia é uma reflexão sobre os princípios fundamentais das Ciências: Episteme (Ciência para os gregos) + logos (tratado, estudo). Abreu (2010) destaca que Piaget teve a preocupação metodológica com respeito à forma como o conhecimento surge no ser humano, partindo das mesmas raízes do conhecimento mais primitivo, onde não se tornam único em um conhecimento primeiro, como chama a atenção o próprio autor: a grande lição contida no estudo da gênese ou das gêneses é mostrar que não existem jamais conhecimentos absolutos.
E nesse sentido, Abreu (2010) destaca que a Epistemologia Genética vem explicar a continuidade entre processos biológicos e cognitivos, sem diminuir os últimos aos primeiros, o que ao mesmo tempo delimita a particularidade da pesquisa de Piaget. Destaca que a inteligência é a solução de um problema novo para o indivíduo, sendo uma primazia dos meios para atingir certo fim.
Jean Piaget. Fonte: https://bit.ly/2PDDI9V
Abreu (2010) afirma que para Piaget, anterior ao objeto constituído simbolicamente o sujeito do conhecimento, existe enquanto ação direta, portanto, a zona de contato entre o corpo próprio e as coisas, dessa forma, os sujeitos se determinam simultaneamente, a partir de duas direções complementares do exterior e do interior, e é desta dupla construção progressiva que depende a elaboração solidária do sujeito e dos objetos. A autora afirma que Piaget em sua teorização sugere que existe evolução natural-cognitiva da aquisição de conhecimentos. Formulou quatro estágios para explicitar como os sujeitos evoluem, sendo eles conforme texto de Abreu (2010):
Estágio 1: “sensório motor” (grifo nosso) a criança com idade de 0 – 2 anos atinge um nível de equilíbrio biológico e cognitivo que permite constituir uma estrutura linguística, isto é propriamente conceitual por volta dos 12 – 18 meses.
Estágio 2: “pré-operatório” (grifo nosso) terminado este período anterior, ela adentra nesta segunda fase ancorada na constituição ainda incipiente de uma estrutura operatória, e permanece nele até completar mais ou menos 7 – 8 anos, sendo que o equilíbrio próprio é atingido aqui quando a criança está com a idade de 4 – 5 anos.
Estágio 3: “operatório concreto” (grifo nosso) com início no final do segundo estágio e calcado na capacidade de coordenar ações bem ordenadas em “sistemas de conjunto ou ‘estruturas’, suscetíveis de se fecharem” (grifo autora) enquanto tais, ele tem duração, em média, até os 11 – 12 anos. E quanto, especificamente, ao nível de equilíbrio próprio, este acontece aqui por volta dos 9 – 10 anos.
Fonte: https://bit.ly/2RWyVx9
Estágio 4: “operatório formal” (grifo nosso), que se inicia ao final do terceiro e no qual o ser humano permanece por toda a vida adulta, atingindo um estado de equilíbrio próprio por volta dos 14 – 15 anos de idade.
Independentemente do estágio em que os seres humanos se encontram, a aquisição de conhecimentos segundo Piaget acontece por meio da relação sujeito/objeto. Esta relação é dialética e se dá por processos de assimilação, acomodação e equilibração, num desenvolvimento sintético mútuo e progressivo (ABREU, 2010).
A autora explicita que para Piaget o dinamismo da equilibração acontece por meio de sucessivas situações de “equilíbrio – desequilíbrio – reequilíbrio” (grifo nosso) que visam, dominar o objeto do conhecimento que vai se constituindo nesse processo, portanto, a necessidade de conhecimento do objeto pelo sujeito, leva-o a executar desde simples ações até operações sobre o objeto.
Se por um lado, os estágios foram estabelecidos na teoria, supondo o contexto evolutivo, a partir da pura necessidade não identificada com um objeto específico, enquanto tal, até que se chega à capacidade de realizar operações formais pelas quais se abstrai de um objeto visto subjetivamente como puramente em si, e isso após a constituição para si de objetos propriamente concretos (ABREU, 2010).
Por outro lado, Piaget entende que, para além do fluxo contínuo das abstrações, as próprias operações perpassam três grandes etapas estruturantes que as levam a se libertar da duração objetivamente do contexto psicológico das ações do sujeito, com o que estas comportam de dimensão causal, para finalmente atingirem esse caráter extemporâneo, essencialmente estrutural e pensado apenas através da reconstituição de sua gênese temporal, que é próprio das ligações lógico-matemáticas depuradas (ABREU, 2010).
Conforme a autora observa segundo Piaget, a primeira dessas três etapas perpassadas pelas operações é o da função semiótica, compreendida como a interiorização em imagens e a aquisição da linguagem permitem “a condensação das ações sucessivas em representações simultâneas” (grifo autor), estruturando-se aí um quadro operativo conceitual ainda incipiente a partir de um esquematismo “pré-lógico” (grifo nosso) já constituído por uma percepção espaço-temporal de caráter sensório motor.
Fonte: https://bit.ly/2QONWAP
Continua Abreu (2010), segundo estágio “natural-cognitivo” (grifo nosso) de aquisição dos conhecimentos, o que se ocorre por volta dos 18 meses – 2 anos. A segunda das etapas coincide com o início do terceiro estágio, das operações concretas, coordenando as antecipações e as retroações que chegam a uma reversibilidade suscetível de refazer o curso do tempo e de assegurar a conservação dos pontos de partida, porém de modo ainda demasiado preso aos objetos percebidos concretamente como em si mesmos.
Na terceira etapa, segundo Piaget, o sujeito do conhecimento supera o real e insere-se no possível, conseguindo de modo paradoxal extemporaneamente “relacionar diretamente o possível ao necessário sem a mediação indispensável do concreto” (grifo autor). Neste sentido, Abreu (2010) diz que entre as teorias do conhecimento já elaboradas, é possível que a Epistemologia Genética seja uma das mais completas, por ser um estudo mais sistemático das origens naturais-cognitivas do conhecimento por parte de uma epistemologia mais tradicional. Continua a autora, se seguirmos o que diz o próprio Piaget na sua obra seria completa porque abrange desde o nascimento até a idade adulta, também porque ela procuraria responder, com certo nível de detalhamento prático e teórico, quais são os processos naturais-cognitivos dessa aquisição.
Piaget diferencia a estrutura linguística da associação positivista, em última instância pré-determinadas e de fundo intimamente empirista, algo como uma assimilação dos conteúdos por esquemas objetivos em essência, que vão se estruturando extemporaneamente conforme o desenvolvimento natural-cognitivo do próprio sujeito do conhecimento, conforme Abreu (2010);
A autora elenca tendência mútua de continuidade e ruptura que vai retrospectivamente além das operações causais sobre objetos para operar abstratamente sobre o próprio processo operativo, lógico-matemático como sendo o de assimilação dos conteúdos; isso conforme três tipos de processos (ABREU, 2010):
1. Assimilação generalizadora: ocorre quando esquemas estruturantes se modificam de modo a assimilar novos e problemáticos objetos da realidade em função de uma totalidade esquematicamente ainda mais generalizante, tendendo mesmo à formalização;
Assimilação reconhecedora (discriminante): é a capacidade desses esquemas de buscarem os objetos seletivamente a partir de uma ou mais características dos objetos experienciados, estruturados estes apenas a partir da ativa construção lógico-matemática de um efetivo sujeito do conhecimento;
Assimilação recíproca: neste caso, dois ou mais esquemas se fundem em uma totalidade generalizante de maior hierarquia, pois para Piaget só nos aproximamos da estrutura das coisas por aproximações sucessivas, nunca definitivas.
Fonte: https://bit.ly/2zfd78T
Abreu (2010) levanta uma crítica quanto ao alcance epistemológico e pedagógico do construtivismo piagetiano, destacando a incapacidade do sistema educacional, e não só dele, em formar professores com condições de aplicar essa teoria essencialmente desenvolvimentista na situação real de uma crise dos paradigmas modernizantes calcados num sentido efetivo do progresso humano. Apontando mais do que a deficiência do sistema escolar, numa crise social que alcança o próprio sistema de conhecimentos historicamente estabelecidos com certa naturalidade, seja físico-mecânico ou mesmo lógico-matemático de fundo biológico, ainda que intersubjetivamente constituído.
Neste sentido, a autora enfatiza o seguinte aspecto:
a) são os comportamentos, não as pessoas, que estão em estágios; a idade é um indicador e não um critério de desenvolvimento;
b) é a necessidade lógica, não a verdade, a questão central;
c) a construção do conhecimento não é uma tarefa individual, mas social;
d) e que as estruturas de conjunto são critérios formais mais do que entidades funcionais.
Por último Abreu (2010) afirma que há múltiplos percursos desenvolvimentistas, não apenas um; ao raciocinar os sujeitos não seguem regras lógicas somente, agem e operam em conteúdo e significado, no desempenho da compreensão epistêmica. Aproveitando essa deixa da autora, Dunker (2002) enfatiza que a ideia de construção genericamente remete à produção de objetos partindo da articulação entre elementos. Para esse autor outro campo de construção mostra a afinidade com a ideia de continuidade como ocorrência é a construção lógica ou a construção geométrica.
Neste sentido, um ponto de partida teórico insidioso na psicologia construtivista é aquele que considera o sujeito como redutível à consciência ou ao conjunto das funções psicológicas por ela centralizado e representado. Esse é o caso do construtivismo piagetiano, que concebe a consciência primitiva como fechada em si mesma e exterior ao outro. O anelamento de uma consciência à outra surgiria como um fato secundário. Para Piaget o estado inicial da consciência corresponderia a uma espécie de núcleo de autismo, onde o sujeito equivaleria a um núcleo de experiência interior íntimo; uma espécie de núcleo inconstruido de toda construção posterior. Tal configuração, ainda segundo a concepção de Piaget, seria sucedida pelo egocentrismo, momento em que o mundo se alarga, a criança percebe o outro, más onde o eu é ainda o centro. O outro é um complementar do sujeito, daí a ideia de interação. No terceiro momento, adviria a aquisição cognitiva e operatória da relação de reciprocidade. Os pontos de vista opostos ou distintos agora podem ser ponderados sob uma medida comum. Finalmente por volta dos sete anos, a criança seria capaz de pensar a partir de um pluralismo de pessoas: intercâmbio e comutação entre lugares onde está o sujeito (DUNKER, 2002 p. 35-36).
Para Piaget a intersubjetividade tem por condição a emergência de uma mentalidade teórica diretamente dependente de uma certa construção de conceitos. A apreensão de objetos, a objetificação do real seria a condição para a emergência da intersubjetividade e da consciência social, conforme Dunker (2002).
Fonte: https://bit.ly/2A15gLM
Tecnologia e Educação
Em geral no senso comum na contemporaneidade o termo “tecnologia” (grifo nosso) acaba tendo a atenção voltada para o funcionamento do computador ou equipamentos conectados à web, como uma extensão do modo operativo do pensar humano, contextualizado por Lima Júnior (2005 apud Aguiar & Passos, 2014); universo esse que em certa medida propicia às pessoas, elaboração e abstrações dentro dos variados contextos, transformando as relações de trocas em si e ao mesmo tempo no mundo vivenciado.
Se o funcionamento dos softwares e aplicativos são abstrações ou proposições que ao serem utilizados pelo ser humano, desencadeiam uma rede de acontecimentos e significações, compreendendo que cada programa representa algum tipo de sentido para o usuário, servindo-lhe como referência que permite ancorar/apoiar soluções para problemas experienciado no contexto vivencial, como explicita Lima Júnior (2005 apud Aguiar & Passos, 2014), alterando as relações humanas no circuito e além do campo do espaço digital, sendo todo esse processo permeado de interesses, valores, possibilidades cognitivas, todos transitórios e diversificados, porém válidos.
Neste sentido fica clarificado que Lima Júnior (2005 apud Aguiar & Passos, 2014) não define tecnologia apenas como a utilização de equipamentos, máquinas e computadores, nem pode ser entendido como algo mecânico ligada à ideia de produtividade industrial, seu conceito é muito mais abrangente. O autor lembra á matriz grega de teckné trata-se de um processo criativo através do qual o ser humano utiliza-se de recursos materiais e imateriais, ou os cria a partir do que está disponível na natureza e no seu contexto das relações vivenciais, a fim de encontrar respostas para os problemas do seu cotidiano, superando-os.
A de ficar compreendido que na matriz grega o processo tecnológico relaciona e articula indissociavelmente o ser humano e os recursos tangíveis ou intangíveis por ele criados não sendo concebidos separadamente. Lima Júnior (2005 apud Aguiar & Passos, 2014) reafirma que a técnica é uma criação humana, sua consequência é fruto da ação imaginativa, reflexiva e motora do sujeito, ou como diz o autor, o ser humano é tecnologizado, pois ao criar e utilizar recursos e instrumentos para atuar no seu contexto vivido, o transforma e ressignifica suas relações de objeto.
Fonte: https://bit.ly/2TnGaQ1
Neste processo, o ser humano transforma o meio que está inserido e a si mesmo, inventa e produz conhecimento; portanto trazendo para a práxis educacional este movimento pode ser traduzido com a dissociação do uso do aparato tecnológico apenas como recurso, conforme afirma Pretto ( 2011 apud Aguiar & Passos, 2014).
Sampaio e Leite (2008 apud Aguiar & Passos, 2014) afirmam que na década de 60 as discussões mais sistematizadas sobre tecnologia educacional no Brasil era baseada na teoria pedagógica tecnicista que empregava recursos técnicos na educação não levando em conta o desempenho do professor a partir de sua utilidade.
Hoje quando a expressão “tecnologia na educação” é empregada, giz, quadro, livros, revistas, currículos, programas (entidades abstratas) e fala dificilmente é levado em conta, neste sentido, a espécie humana desenvolve tecnologias desde a antiguidade. As mais diferentes tecnologias, em todos os tempos, fazem parte da engenhosidade humana (KENSKI, 2011 apud AGUIAR & PASSOS, 2014).
A tecnologia está intermediando a relação entre a informação e o ser humano, nesse momento social, entretanto, para garantir a utilização confortável dessas tecnologias é preciso esforço e atualização, portanto, fica entendido à importância da educação eu seu contexto transdisciplinar em fazer parte de todo esse processo. Já que é promovida a interação entre o objeto (informação), o sujeito (educando) e os diversos campos do saber (disciplinas), conforme contextualização de Aguiar & Passos (2014). A ideia é complementada por Pretto (2011 apud AGUIAR & PASSOS, 2014) ao evidenciar que a tecnologia propicia capturar, armazenar, organizar, pesquisar, recuperar e transmitir a informação; quanto mais é possível acessar essas possibilidades, mas é necessário aprender através das inúmeras possibilidades trazidas pela complexidade.
Fonte: https://bit.ly/2KbfBtj
O impacto das novas tecnologias não é de imediato, demora um tempo para os indivíduos incorporarem os avanços e aprender como utilizá-las, afirmam as autoras; não basta adquirir máquinas e equipamento é preciso saber utilizá-las para reproduzir novas condições de aprendizagem e modos de vida, o conhecimento da ampla produção da tecnologia na sociedade necessita de democracia de acesso.
Sampaio e Leite (2008 apud AGUIAR & PASSOS, 2014) contribuem dizendo que dentro dessa perspectiva a de ser considerado que a escola não pode colocar-se neutra ou excluído do processo social, sob pena de perder a oportunidade da participação e influencia na construção do conhecimento social, e democratização da informação e conhecimento.
Atuar tecnologicamente na sociedade é estar aberto ao conhecimento, buscando ampliar saberes, não basta utilizar tecnologias, faz-se necessário recriá-las, assumir a produção e a condução tecnológica de modo que haja reflexão da ação sobre o processo educativo, porque segundo Silva (2011 apud AGUIAR & PASSOS, 2014) isoladas de um projeto pedagógico, a mesma tecnologia utilizada na organização social também tem um potencial desmedido para alargar as distâncias existentes entre os mundos dos sujeitos incluídos e excluídos.
As autoras complementam o raciocínio enfatizando que promoção tecnológica tem que fundar sua validade propiciando cidadania, entendida neste texto como acesso a informação e ampliação do conhecimento através de recursos tecnológicos. Neste sentido mais uma vez é convocada a ideia que busca proposta educativa, priorizando a afirmação da criticidade e do despertar da consciência, perspectiva esta, segundo Aguiar & Passos, 2014, atendida por uma prática transdisciplinar que agrega pensamento e ação, permitindo situações de ensinoaprendizagem que envolve recursos e procedimentos metodológicos inovadores.
Fonte: https://bit.ly/2Fu8OMC
Educação Inclusiva
O movimento mundial pela educação inclusiva é uma ação cultural, política, social, e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos, sem nenhum tipo de discriminação, estarem unidos, participando e aprendendo no ambiente educacional. O movimento da educação inclusiva, surge embasado na Declaração de Salamanca (1994), defendendo que a escola deve assumir o compromisso de educar cada estudante, aplicando a pedagogia da diversidade, uma vez que todos os alunos deverão estar dentro da escola regular, independentemente de sua origem social, étnica ou linguística (GUIMARÃES, 2017).
Antes de tudo inclusão é uma questão de direitos apresentando-se como um grande desafio, porque também é constituída como valor. Neste sentido a sociedade toma inclusão com mais consciência, portanto, a inclusão em termos educativos, faz mais sentido se for perspectivada como educação inclusiva, isto vem dar significado que a escola, além de proporcionar aos alunos um espaço comum, tem de proporcionar-lhes, também, oportunidades (SILVA, 2011).
De acordo com Mazzota (2017 apud GUIMARÃES, 2017), a prática da inclusão tem como pressuposto uma amostra de que cada criança é importante para assegurar a riqueza do conjunto, sendo aceito que na classe regular permaneçam todos os tipos de alunos. Dessa maneira, se espera que a escola seja criativa no intuito de buscar recursos visando manter no espaço escolar os diversos alunos, permitindo com eles tenham resultados satisfatórios em seu desempenho escolar e social.
Aceitar que a escola é um lugar que proporciona interação de aprendizagens significativas a todos os seus alunos acaba sendo um equivoco, não é fácil gerir uma educação inclusiva, conforme contextualiza Silva (2011) particularmente quando alguns indivíduos apresentam problemas complexos, quando os recursos são insuficientes e quando a própria sociedade está ainda longe de ser inclusiva (SILVA, 2011).
Fonte: https://bit.ly/2qThAK6
A autora explica que a dificuldade na construção da escola inclusiva, fica evidenciada quando na prática, as condutas pedagógicas não favorecem tal atuação. Silva (2011 p. 120) nomeia a aprendizagem cooperativa e a diferenciação pedagógica em prol da prática inclusiva, como elementos importantes na formação pedagógica, entretanto, isso só terá razão de ser se “os professores souberem pôr em prática atividades e estratégias que vão ao encontro dos pressupostos que lhes subjazem” a práxis da educação inclusiva.
É evidente que sem diferenciação pedagógica não podemos falar de inclusão. No entanto, se a diferenciação não for inclusiva, isto é, se o trabalho que o aluno com necessidades educativas especiais ou mesmo com dificuldades de aprendizagem realiza é marginal relativamente ao que se passa com o resto da turma, esse aluno está inserido na sua turma mas não está incluído. Isto significa que estes alunos, ainda que tenham problemáticas muito complexas, devem, de acordo com as suas capacidades, participar nas atividades em que essa participação é possível. Para tal, é desejável que os professores criem ambientes de trabalho facilitadores desta interação e que a promovam, tendo em conta, no entanto, que a diferenciação não é um método pedagógico, é uma forma de organização de trabalho na aula, no estabelecimento e no meio envolvente. Não se limita a um procedimento particular, nem pode atuar apenas por grupos de nível ou de necessidade: Deve ter em conta, todos os métodos, todos os dispositivos, todas as disciplinas e todos os níveis de ensino (PERRENOUD, 2010 apud SILVA, 2011 p. 122).
Na procura de conseguir implementar os objetivos da inclusão, torna-se necessário à adesão de teorias interacionistas de Piaget e Vygotsky. O primeiro em sua teoria “ressalta que o sujeito é construtor de seu oportuno conhecimento por meio de sua atuação sobre o meio”. O segundo assegura que a “constituição da informação sugere uma atuação repartida, por meio dos outros que as afinidades entre sujeitos e objeto são instituídas e, consequentemente ocorre o desenvolvimento” (LA TAYLLE; OLIVEIRA; DANTAS, 2000 apud GUIMARÃES, 2017).
Não se pode imaginar uma escola inclusiva, sem métodos pedagógicos construtivistas ou sócios-interacionistas, essas abordagens parecem proporcionar melhores estruturas de estabilidade do aluno na escola, articulando condições de conseguir sucesso na constituição do seu desenvolvimento escolar, através do acesso ao currículo, acatando suas probabilidades de aprendizagem (FREITAS, 2007 apud GUIMARÃES, 2017).
REFERÊNCIAS:
ABREU, Luiz Carlos de Abreu, et. al. A Epistemologia Genética de Piaget e o Construtivismo. Rev. Bras. Cresc. e Desenv. Hum. S2010 p. 361-366. Disponível: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v20n2/18.pdf . Acesso: 24.10.2018.
AGUIAR, I. A.; PASSOS, E. A Tecnologia como Caminho para uma Educação Cidadã. 2014. Disponível:https://www.cairu.br/revista/arquivos/artigos/2014/Artigo%20A%20TECNOLOG IA%20COMO%20CAMINHO%20PARA%20UMA%20EDUCACAO%20CIDADA.pdf. Acesso: 24.10.2018.
DUNKER, C. I.L. et. al. Uma Psicologia Que Se Interroga: Ensaios. São Paulo: Edicon, 2002. SILVA, M. O. E. Educação Inclusiva – Um Novo Paradigma de Escola. Rev. Lusófona de Educação n.19, Lisboa: 2011. Disponível: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-72502011000300008 Acesso: 24.10.2018.
GUIMARÃES, H. O. A Inclusão Escolar e as Políticas Educacionais: possibilidades e novos caminhos. Revista FAROL, v. 5, n. 5, Rolim de Moura: 2017 p. 114-128. Disponível: http://revistafarol.com.br/index.php/farol/article/view/81/93. Acesso: 24.10.2018
A nomenclatura Psicologia Social foi utilizada pela primeira vez em 1908, quando os limites entre a sociologia e a psicologia ainda não eram muito claros. Os autores eram pensadores oriundos de vários campos do saber, como: filosofia, antropologia, biologia, entre outros. Naquela época o papel profissional do psicólogo social ainda não havia sido instituído, neste contexto, merecem destaque os estudos de Darwin e Spencer na Inglaterra, Wundt na Alemanha e Durkheim, Tarde e Le Bon na França (FERREIRA, 2011).
A teoria da evolução de Charles Darwin foi e é considerada uma das mais poderosas e populares inovações, tendo exercido também grande influência sobre a psicologia. A partir desse momento, o ser humano constitui‑se como o produto final de um processo evolucionista que envolveu todos os organismos vivos, aparece como animal social que desenvolveu maior capacidade de se adaptar física, social e mentalmente às mudanças ambientais e sociais (FERREIRA, 2011).
Fonte: encurtador.com.br/cwO01
Consequentemente, Herbert Spencer, fundamentando‑se na teoria da seleção natural, converte‑se em um dos principais líderes do movimento conhecido como darwinismo social, sendo dele a expressão “sobrevivência do mais adaptado” (grifo autora). No livro Princípios de psicologia, publicado em 1870, ele aplica as ideias de Darwin sobre o desenvolvimento da espécie humana ao desenvolvimento de grupos, sociedades e culturas, enfatizando a existência de uma continuidade entre ambos. (FERREIRA, 2011).
A autora evidencia que seu principal argumento era o de que as nações e os grupos étnicos podiam ser classificados na escala evolucionista de acordo com o seu grau de desenvolvimento, organização, poder e capacidade de adaptação, neste sentido os povos mais civilizados e avançados em termos culturais eram hierarquicamente superiores aos povos mais atrasados no que tange à escala evolucionista.
Wilhelm Wundt inicialmente defendia que a psicologia científica deveria ser vista como uma ciência natural que se ocupava do estudo da mente, principalmente dos processos mentais básicos como: sensação, imagem e sentimentos. Para Wundt, esse tipo de investigação deveria ser conduzido por meio da introspecção, ou seja, mediante a auto‑observação rigorosa e controlada do modo pelo qual esses fenômenos ocorriam (FERREIRA, 2011).
A autora evidencia que em virtude dessas preocupações, Wundt criou em 1879, na cidade de Leipizig, o primeiro laboratório de psicologia do mundo, tendo ali realizado uma série de experimentos com o objetivo de estudar os processos mentais básicos, além de ter fundado o primeiro periódico de psicologia experimental. Tais ações levaram‑no a ser considerado também o fundador da psicologia experimental.
Fonte: encurtador.com.br/wDM57
Com o passar do tempo, porém, Wundt sentiu necessidade de estudar os processos mentais mais complexos ou superiores, como a memória e o pensamento, tendo constatado que o método experimental não era adequado a tal estudo. Assim, propôs uma distinção entre a psicologia experimental, responsável pelo estudo dos processos mentais básicos, e a Völkerpsychologie (psicologia dos povos), dedicada ao estudo dos processos mentais superiores por meio do método histórico‑comparativo. Com isso, ele estabelece uma clara distinção entre os fenômenos psicológicos mais externos, que estariam na periferia da mente, e os fenômenos mais profundos, que constituiriam a mente propriamente dita (FERREIRA, 2011).
Entre os precursores da psicologia social na França encontram‑se Durkheim, Tarde e Le Bon. Emile Durkheim é considerado um dos fundadores da sociologia, tendo publicado várias obras nas quais aborda a evolução da sociedade, os métodos da sociologia e a vida religiosa. Desenvolveu o conceito de representações coletivas que exerceu significativa influência sobre a psicologia social europeia (FERREIRA, 2011).
A autora evidencia que para ele, as representações coletivas, como a religião, os mitos, e outras representações, constituem‑se em um fenômeno ao nível da sociedade e distinto das representações individuais, que estão no nível do indivíduo. Nesse sentido, formula que os sentimentos privados só se tornam sociais quando extrapolam os indivíduos e associam‑se, formando uma combinação que se perpetua no tempo, transformando‑se na representação de toda uma sociedade.
Fonte: encurtador.com.br/nxCOQ
A psicologia social começa a adquirir o status de uma disciplina independente no início do século XX, duas obras publicadas no ano de 1908, marcaram a fundação oficial da psicologia social moderna: Uma introdução à psicologia social, de William McDougall; e Psicologia social de Edward Ross (FERREIRA, 2011).
A autora ainda descreve outro expoente, Edward Ross sociólogo norte‑americano que, influenciado pelas obras de Tarde e de Le Bon, caracterizou a psicologia social como o estudo das uniformidades de pensamentos, crenças e ações decorrentes da interação entre os seres humanos. Segundo Ross, os fenômenos subjacentes a essa uniformidade são a imitação, a sugestão e o contágio, o que explicaria a rápida uniformidade verificada entre as emoções e as crenças das multidões.
Os Estados Unidos foi o principal berço para a ascensão do behaviorismo, segundo o qual uma psicologia verdadeiramente científica deveria estudar e explicar apenas o comportamento humano observável, sem considerar construtos mentais não observáveis, como a mente, a cognição e os sentimentos. Neste sentido, os psicólogos sociais progressivamente abandonam as explicações do comportamento social em termos de instintos, passando a adotar uma psicologia social eminentemente experimental e focada no indivíduo. (FERREIRA, 2011)
A divisão entre uma psicologia social psicológica e sociológica aprofunda‑se na medida em que a psicologia passa a ser vista muito mais como uma ciência natural do que como uma ciência social, conforme Ferreira (2011) cita Pepitone (1986). Cabe mencionar que o primeiro experimento em psicologia social ocorreu ainda no século XIX, tendo sido conduzido por Tripplett em 1897 (FERREIRA, 2011).
Também surge no contexto norte americano e europeu a psicologia social sociológica, cuja principal vertente era o interacionismo simbólico e que tem, nas figuras de Charles Cooley e George Mead seus precursores, sendo que Cooley era sociólogo influenciado pelos saberes de Spencer, defendido uma concepção evolucionista da mente e da sociedade (FERREIRA, 2011).
Eu refletido no espelho, foi a expressão utilizada por Cooley, para explicar a formação da identidade e designar o fato de que tal formação está eminentemente associada ao modo pelo qual a pessoa imagina que aparece diante das outras pessoas, assim como ao modo pelo qual ela imagina que as outras pessoas reagem a ela e aos sentimentos daí decorrentes, que podem ser de orgulho ou de decepção. Para Cooley, o desenvolvimento da identidade ocorre no contexto da interação com os outros e por meio do uso da linguagem e da comunicação (FERREIRA, 2011).
Fonte: encurtador.com.br/hlV13
Essas formulações serviram de base para influenciar Mead, que também adotou a expressão “eu refletido no espelho” ao discorrer sobre a identidade. Sendo que a linguagem desempenha um papel fundamental no pensamento de Mead, a ponto de ele considerar o ato comunicativo como a unidade básica de análise da psicologia social, afirmava que linguagem era um fenômeno inerentemente social e, consequentemente, as atitudes e os gestos só adquirem significado por meio da interação simbólica (FERREIRA, 2011 p 23).
A psicologia social europeia veio crescendo progressivamente em tamanho e influência principalmente a partir da década de 70; ela inicialmente caminhou próximo com a psicologia social psicológica, até que começou a adquirir sua própria identidade e a demonstrar maior preocupação com a estrutura social.
Nesse sentido, Ferreira (2011 p 25) apud Graumann (1996) afirma que os temas de estudo mais frequentes entre os psicólogos sociais europeus são as relações intergrupais, a identidade social e a influência social, que remetem a uma psicologia dos grupos. Entre os principais representantes dessa moderna psicologia social europeia, destacam‑se Henri Tajfel e Serge Moscovici.
Tajfel (1981) procurou enfatizar a dimensão social do comportamento individual e grupal, postulando que o indivíduo é moldado pela sociedade e pela cultura. Apoiando‑se em tal perspectiva, desenvolveu a teoria da “identidade social” (grifo nosso), onde defende que as relações intergrupais estão intimamente relacionadas a processos de identificação grupal e de comparação social (FERREIRA, 2011 p 25).
Moscovici (1976), segundo a autora, desenvolve os estudos sobre “influência social”, introduz o conceito de “influência das minorias”, tendo realizado investigações com o intuito de averiguar a inovação e a mudança social introduzida por essas minorias. Ferreira (2011 p 25) evidencia que outro campo de estudos a que Moscovici (1981) se dedicou, as “representações sociais”, derivado do conceito de representações coletivas de Durkheim e caracterizado como modos de compreensão da realidade caracterizando‑se hoje como uma das principais tendências da psicologia social europeia.
Muitos psicólogos sociais latino americanos iniciam um forte movimento de questionamento à psicologia social psicológica norte americana no final da década de 70, marcada pelo experimentalismo. Empurrados de certa forma pelos regimes militares e pela grande desigualdade social do continente, esses psicólogos sociais defendiam uma ruptura radical com a psicologia social tradicional (FERREIRA, 2011).
Passaram a praticar o que na época até nossos dias foi denominado de psicologia social crítica, conforme Ferreira, (2011 p 26) apud Álvaro e Garrido (2007) ou psicologia social histórico crítica Mancebo e Jacó‑Vilela (2004) referenciado pela autora. Expressões que abarcam diferentes posturas teóricas, como, por exemplo, o sócio construcionismo (Gergen, 1997), a análise do discurso (Potter e Wetherell, 1987), a psicologia marxista, entre outras.
A psicologia social crítica, caracterizava‑se por romper com o modelo neopositivista de ciência e, em consequência, com suas posições sobre a necessidade de o conhecimento científico apoiar‑se na verificação empírica de relações causais entre fenômenos. Em contraposição a tese modelo, defendia o caráter relacional da linguagem e a importância das práticas discursivas para a compreensão da vida social. (FERREIRA, 2011)
Fonte: encurtador.com.br/eCDMU
Os psicólogos sociais brasileiros também participam ativamente do movimento de ruptura com a psicologia social tradicional ocorrido na América Latina. Assim, a partir da publicação, em 1984, do livro organizado por Silvia Lane e Vanderley Codo, intitulado Psicologia social: o homem em movimento, Ferreira (2011) afirma que surgiram vários outros estudos brasileiros de psicologia social com Campos e Guareschi (2000); Jacques et al. (1998); Lane e Sawaia (1994); Mancebo e Jacó‑Vilela (2004) na perspectiva da psicologia crítica.
Para encerrar esta síntese de capítulo, fica o registro da fundação em 1980, da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), estabelecida com o propósito de redefinir o campo da psicologia social e contribuir para a construção de um referencial teórico orientado pela concepção de que o ser humano constitui‑se em um produto histórico social, de que indivíduo e sociedade implicam‑se mutuamente.
Referência:
FERREIRA, M.C. Breve História da Moderna Psicologia Social. IN: TORRES, C. V e Outros. Psicologia Social: Principais Temas e Vertentes, ARTMED, São Paulo: 2011.
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Os papéis que se formam no grupo à luz de Pichon-Rivière
Pichon-Rivière era um psicanalista francês, teve suas primeiras experiências com grupo em Rosário na Argentina, onde por volta de 1958, dirigiu grupos heterogêneos através de uma didática interdisciplinar. Onde seguia os conceitos da psicologia social, afirmava que o homem desde seu nascimento encontrava-se inserido em grupos, o primeiro deles a família, podendo ampliar esse raciocínio a amigos, escola, trabalho e sociedade. Pensava ser impossível conceber uma interpretação de ser humano sem levar em conta seu contexto, ou a influência do mesmo na constituição de diferentes papéis que se assume nos diferentes grupos pelos qual os indivíduos passam (CASTANHO, 2012).
Fonte: encurtador.com.br/duvLX
Pichon estabeleceu inicialmente que, ao se pensar o que ocorre em um grupo, deverá se ter em mente duas perspectivas nomeadas e definidas da seguinte forma: a) vertical: assinala tudo aquilo que diz respeito a cada elemento do grupo, distinto e diferenciado do conjunto, como, por exemplo, sua história de vida e seus processos psíquicos internos; b) horizontal: refere-se ao grupo pensado em sua totalidade.
Ao apresentar os dois eixos propostos por Pichon, Castanho (2012) enfatiza que em sua experiência didática, o eixo horizontal descrito acima, cria estranheza e muitas dúvidas aos profissionais ou alunos que se iniciam no campo dos estudos grupais pela primeira vez.
O autor entende que não é fácil introduzir esse paradigma fora da dimensão individual, e que o grupo é diferente da soma das partes dos indivíduos que o compõem. Continua explicando que os pesquisadores do campo, sem dúvida alguma, encontraram um “achado” (grifo do autor) com essa noção de horizontalidade; a concepção de que o grupo é diferente da soma dos seus membros, é tão contundente que teorias psicanalíticas de grupo incorporaram em seus estudos esse conceito.
Adentrando ao contexto dos estudos de Pichon, foi desenvolvida a técnica do “grupo operativo” (grifo nosso), concebendo grupo operativo como aquele centrado em uma tarefa de forma explícita, como: aprendizado, cura, diagnóstico etc.; além de outra tarefa implícita à primeira, ou seja, inconsciente, conforme Castanho (2012).
Dentro desta concepção, acima descrita, esse conceito foi se desenvolvendo de forma a possibilitar a compreensão do campo grupal como estrutura em movimento, o que deixa claro o caráter dinâmico do grupo, que pode ser vertical, horizontal, homogêneo, heterogêneo, primário ou secundário, segundo Baremblitt (1986).
O objetivo da técnica é abordar, através da tarefa, da aprendizagem, os problemas pessoais relacionados com a tarefa, levando o indivíduo a pensar; o indivíduo “aprende a pensar” (grifo do autor), passando de um pensar vulgar para um pensar científico. Sendo assim, a execução da tarefa implica em enfrentar alguns obstáculos que se referem a uma desconstrução de conceitos estabelecidos, desconstrução de certezas privadas adquiridas (zona de conforto), conforme Baremblitt (1982).
O autor enfatiza que o grupo implica em trabalhar sobre o objeto-objetivo (tarefa explícita) e sobre si (tarefa implícita), buscando romper com estereótipos e integrar pensamentos e conhecimentos. Assim, entrar em tarefa significa o grupo assumir o desafio de conquistar o desejo na produção e a produção no desejo.
Fonte: encurtador.com.br/dyKUY
Antes de entrar em tarefa o grupo passa por um período de “resistência”, chamado por Pichon (1988) de Pré-tarefa, onde o verdadeiro objetivo, da conclusão da tarefa, não é alcançado. Essa postura paralisa o prosseguimento do grupo, realizam-se tarefas apenas para passar o tempo, o que acaba por gerar uma insatisfação entre os integrantes.
Geralmente ocorrem neste período tarefas sem sentido, onde fica faltando a revelação de si mesmo. Para o autor, somente passado este período, o grupo, com o auxílio do coordenador, entra em tarefa, onde serão trabalhadas as ansiedades e questões do grupo.
A partir dessa primeira etapa, elabora-se o que Pichon (1988) chamou de “projeto”, onde aplicam-se estratégias e táticas para produzir mudanças. A intersecção entre a verticalidade e a horizontalidade, elencada em parágrafo anterior, permite aparecer os primeiros diferentes papéis que os indivíduos assumem no grupo.
Os papéis se formam de acordo com a representação que cada um tem de si mesmo que responde as expectativas que os outros têm para com o indivíduo. Constata-se a manifestação de vários papéis no campo grupal, destacando-se: porta-voz, bode expiatório, líder e sabotador, conforme enunciado pelo autor (PICHON, 1988).
Porta-voz: é aquele que expressa as ansiedades do grupo, a qual está impedindo a tarefa; Bode expiatório: é aquele que expressa a ansiedade do grupo, mas diferente do porta-voz, sua opinião não é aceita pela grupo, pode-se entender que esse papel assume caráter depositário de todas as dificuldades do grupo, sendo culpado de cada um de seus fracassos; Líder: A estrutura e função do grupo se configuram de acordo com os tipos de liderança assumidos pelo coordenador, apesar de a concepção de líder ser muito singular e flutuante. O grupo corre o risco de ficar dependente e agir somente de acordo com o líder e não como grupo; Sabotador: é aquele que conspira para a evolução e conclusão da tarefa podendo levar a segregação do grupo (PICHON, 1988).
Fonte: encurtador.com.br/fpJWX
Portanto a observação e análise dos papéis e a forma em que se configuram, constitui uma das operações básicas, tendentes à constituição de um “ecro grupal”, conforme Pichon (1998). Cada um dos participantes de um grupo constrói seu papel em relação aos outros; assim, de uma articulação entre o papel prescrito e o papel assumido, surge a atuação característica de cada membro do grupo.
O que tem que ser observado é que este papel se constrói baseado no grupo interno, representação que cada um tem dos outros membros, onde se vai constituindo o outro generalizado do grupo. O autor enfatiza que na relação do sujeito com este “outro generalizado” ocorre a constituição do rol operativo diferenciado, que permitirá a construção de uma estratégia, tática, técnica e/ou logística para a realização da tarefa (PICHON, 1988).
No início do grupo, os papéis tendem a ser fixos, até que se configure a situação de lideranças funcionais. Na maior parte das vezes, todo grupo denuncia, mesmo na mais simples tarefa, um “emergente grupal”, isso é aquilo que numa situação ou outra se enche de sentido para aquele que observa, para quem escuta (PICHON, 1988).
O observador observa o existente segundo a equação elaborada por Pichon: EXISTENTE >> INTERPRETAÇÃO >> EMERGENTE >> EXISTENTE.
O existente só ocorre se fizer sentido para o observador, a partir de uma interpretação, se tornando o emergente do grupo. Assim este novo emergente leva à um novo existente, o qual por sua vez, requer uma nova interpretação, que levará à outro emergente, conforme Bastos (2010).
O coordenador toma um papel muito importante, à medida que é dele que faz a mediação das interpretações, dando sentido ao grupo, orientando para a comunicação intergrupal para evitar se possível a discussão frontal. É esse sentido todo que mobilizará uma aprendizagem, uma transformação grupal segundo Bastos (2010).
Fonte: encurtador.com.br/mzMZ1
Adentrando a teoria do vínculo, ela é concebida em forma de espiral contínua, no contexto clínico, o que se diz ao paciente, determina uma certa reação desse paciente, que é assimilada pelo terapeuta, que por sua vez a reintroduz em uma nova interpretação. Para Pichon (1998), isto constitui um aprendizado, tanto do ponto de vista teórico, como do ponto de vista objetivo, pois à medida que conhece se conhece, ou à medida que se ensina, se aprende.
Esta série de pares dialéticos deve ser considerada para qualquer operação. Neste sentido, todo vínculo é bicorporal e tripessoal, ou seja, em todo vínculo há uma presença sensorial corpórea dos dois, mas há um personagem que está interferindo sempre em toda relação humana, que é o terceiro (PICHON, 1998).
Seguindo adiante com os conceitos de Pichon (1998), é necessário compreender teoricamente o “cone invertido” (grifo nosso), constituindo-se em um esquema formado pôr vários vetores na base dos quais se fundamenta a operação no interior do grupo. A partir da análise inter-relacionada destes vetores se chega a uma avaliação da tarefa que o grupo realiza. A explicitação do desenho do cone invertido (figura 01), diz respeito em sua parte superior, aos conteúdos manifestos e, em sua parte inferior, as fantasias latentes grupais.
Pichon (1998) propõe que o movimento de espiral que vai fazer explícito o que é implícito, atua ante os medos básicos, permitindo enfrentar o temor à mudança. Para tanto os vetores envolvidos no processo, são:
Filiação e Pertenência – a filiação se pode considerar como um passo anterior à pertenência, é uma aproximação não fixa com a tarefa. Seriam aqueles que estão interessados pelo trabalho grupal, sendo exemplificado da seguinte forma: “os torcedores e não os jogadores”. Pertenência é quando os participantes entram no grupo, na cancha (em campo). Na dinâmica grupal, tradicionalmente é medida em relação à presença no grupo, à pontualidade do seu início, às intervenções, etc.
Aprendizagem – se faz existir através da tarefa, permite novas abordagens ao objeto e o esclarecimento dos fantasmas que impedem sua penetração, permitindo a operação grupal. Para Pichon (1998), o indivíduo nos momentos de intensa resistência à mudança, voltaria regressivamente mais que a comportamentos próprios da etapa libidinal onde está predominantemente fixado (os chamados pontos de fixação da psicanálise), a repetir atitudes mal aprendidas, ou infantilizadas, que dificultaram sua passagem a uma etapa posterior.
Pertinência – é um terceiro vetor que surge da realização dos dois anteriores. Se mede pela quantidade de suor que tem a camiseta ao final da partida, é a realização da tarefa estratégica. O autor utiliza a metáfora do gol contra, seria o cúmulo da falta de pertinência. Cabe explicar que o alcance da pertinência grupal não é proposta como um ato de vontade, mas sim, como a expressão do desejo grupal, revelado na análise dos medos básicos.
Comunicação – o lugar privilegiado pelo qual se expressam os transtornos e dificuldades do grupo para enfrentar a tarefa. Na medida em que cada transtorno da comunicação remete-se a um transtorno da aprendizagem, veremos os sujeitos grupais tratarem de desenvolver velhas atitudes, em geral mal aprendidas (infantilizadas), com a intenção de abordar os objetos novos de conhecimento. Este objeto pode ser nos grupos operativos, indistintamente, desde a compreensão de um conceito ao desenvolvimento de um processo terapêutico. Entendendo a aprendizagem, então, como a ruptura de certos estereótipos de comunicação e a obtenção de novos estilos, o que implica sempre reestruturações e redistribuirão dos papéis desempenhados pelos integrantes do grupo.
Cooperação – é dada pela possibilidade do grupo fazer consciente a estratégia geral do mesmo. No movimento grupal, se manifesta pela capacidade de se colocar no lugar do outro.
Tele – este vetor se refere ao clima afetivo que prepondera no grupo em diferentes momentos. É um conceito tomado da sociometria de Moreno, para assinalar o grau de empatia positiva ou negativa que se dá entre os membros do grupo. A fundamentação deste conceito parte da base de que todo encontro é na realidade um reencontro, ou como gostava de dizer o próprio Pichon (1998): “Todo amor é um amor à primeira vista” (grifo nosso). Isto quer dizer que o afastamento e a aproximação entre as pessoas de um grupo, não tem que ver com essa pessoa real presente, más, com a recordação de outras pessoas e outras situações que ela evoca.
CONE INVERTIDO E SEUS VETORES
Fonte: encurtador.com.br/wJW08
REFERÊNCIAS
BAREMBLITT, G. Grupos: Teoria e Técnica. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1986.
BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A técnica de grupos-operativos à luz de Pichon-Rivière e Henri Wallon. Psicol inf., São Paulo, v. 14, n. 14, p. 160-169, out. 2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-88092010000100010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso: 12.09.2018.
CASTANHO, Pablo. Uma Introdução aos Grupos Operativos: Teoria e Técnica. Vínculo, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 47-60, jun. 2012. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902012000100007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso: 12.09.2018.
PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
__________________. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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George Politzer: crítica aos fundamentos da psicologia e psicanálise
Iniciando este estudo, há de ficar esclarecido que o nosso intuito aqui é de tornar conhecido no meio acadêmico, a visão crítica sobre a psicologia e psicanálise, que o filósofo George Politzer desenvolveu em 1927, através de uma revisão bibliográfica dos principais conceitos teóricos das abordagens mais importantes de seu tempo e psicologia clássica.
Fonte: https://goo.gl/Kjbm9p
O contexto que proponho é do viés crítico histórico, sugerindo aos leitores que permitam um recorte transversal sobre disciplinas como: História e Sistemas da Psicologia, Processos Básicos em Psicologia, Psicologia da Personalidade e outras disciplinas que apresentam em seus currículos à evolução da psicologia e psicanálise.
Politzer teve o propósito de estudar minuciosamente a psicologia clássica objetiva e subjetiva; a Guestalttheorie; Behaviorismo de Watson e Psicanálise, estabelecendo um cenário, segundo seu entendimento, dos acontecimentos positivos e negativos que caracterizaram o caminhar da psicologia nos últimos 50 anos de seu tempo (1927), afirmando que esses enfoques trilharam muito mais para uma tentativa de se libertarem dos mitos da psicologia clássica do que para o esforço de suas próprias organizações enquanto ciência. (POLITZER, 1975)
Para compreender a condição de subjetividade e objetividade no contexto científico, Politzer (1975) primeiro contextualiza o método introspectivo consiste na observação do sujeito pelo próprio sujeito, sendo que a introspecção atinge o que o sujeito conhece diretamente, os estados de consciência de si e das coisas; sendo essas impressões comunicadas através da linguagem, que tem como função para a introspecção, relatar os estados subjetivos do indivíduo. Segundo o autor, a psicologia introspectiva preocupava-se em saber como o processo mental se desenvolve, ou em classificar os estados individuais, não contemplando a busca de sentido da experiência vivida pelo sujeito.
Continuando o raciocínio, opostamente, a psicologia experimental pelo seu caráter objetivo, se opõe ao método do parágrafo anterior, pelo fato do observador ser distinto do observado. As ciências da natureza (física e matemática) fundamentam o método experimental, portanto o observador deve verificar os fatos físicos por um lado, a situação física em que está exposto o sujeito; por outro lado, seu comportamento nessa situação ambiente. Os fatos físicos, ao contrário dos estados de consciência individuais, podem ser testemunhados por outras pessoas, cujas observações se controlam mutuamente. Procurando superar os limites da abordagem introspectiva tradicional, aqui, por meio de aparelhos o psicólogo se lança na fisiologia, na química ou biologia e, ao invés de se deixar cientificamente renovar, fica preso a velhas tradições científicas, não permitindo a psicologia se desenvolver, conforme Politzer (1975).
O que fica claro para nós é que com esse raciocínio, Politzer não leva em consideração na ciência que ele propõe, a “psicologia concreta” (grifo nosso), o contexto estatístico numérico para um fazer científico a partir das ciências exatas.
O autor distingue o fato objetivo do fato psicológico, contextualiza o seguinte exemplo: “a lâmpada iluminando um objeto X, isso é um fato ‘objetivo’, por ser narrado em ‘terceira pessoa’, por não ser ‘eu’, mas ‘ela’ (grifos do autor). Porém, em sendo eu que subentendo o ser, a lâmpada é um fato psicológico”, conforme Politzer (1975, p. 62).
Fonte: https://goo.gl/H2Zinw
A “transformação” característica da psicologia seria precisamente a que consideraria todos os fatos de que está ciência pode ocupar-se na “primeira pessoa”, mas de tal maneira que a hipótese de uma primeira pessoa seja constantemente indispensável para qualquer ser e para qualquer significado desses fatos. Só a existência da primeira pessoa explica logicamente a necessidade de intercalar na série das ciências uma ciência “psicológica”; e se esta, tal como todas as outras, pode abandonar no decurso da sua evolução os motivos temporais que lhe deram origem, já não poderá certamente abandonar a relação dos fatos à primeira pessoa, relação essa que lhe confere a originalidade de que ela (ciência psicológica) necessita. (POLITZER, 1975, p.64)
Adentrando à visão do pensamento das escolas contemporâneas, há de ficar clarificado que Politzer se propôs revisar criticamente em quatro ensaios as teorias da psicologia, sendo: a gestalttheorie, o behaviorismo e psicanálise, além da psicologia concreta que pretendia desenvolver. Embora tenha discutido rapidamente sobre as vertentes elencadas acima, o único estudo efetivamente pormenorizado e concluído, foi o da psicanálise (POLITZER, 1975).
Doravante vou usar o verbo no passado, por compreender que todas as abordagens aqui discutidas se desenvolveram teórica, clínica e tecnicamente, inclusive com inúmeros desdobramentos conceituais, acompanhando cientificamente as novas demandas e exigências da sociedade contemporânea pós-moderna.
Em sua crítica o autor elenca esforços destas vertentes teóricas, evidenciando que ao mesmo tempo em que as abordagens contribuíram em certa medida com a dissolução dos mitos da psicologia clássica (revisados nos parágrafos anteriores), prenunciando o caminho para uma nova psicologia orientada para o concreto; por outro lado, acabaram incorrendo em erros que as afastaram da tentativa de reformulação da própria psicologia. Em sua visão, isso porque o comportamento humano é tratado como resultado de processos em terceira pessoa, fragmentando o homem e colocando-o como objeto distanciado, ou, como atos do homem em geral, não permitindo a ênfase como atos de um sujeito singular (POLITZER, 1975).
Enfatizou que a Gestalttheorie tem méritos ao negar o procedimento fundamental da psicologia clássica, que consiste em afirmar que a essência última do psicológico é atomística1, ou seja, desfazer a forma das ações humanas, para depois, reconstituir a totalidade, que é sentido e forma (grifo do autor), a partir de elementos amorfos (sem forma), segundo o autor. A Gestalt defende que o psíquico só pode ser entendido como totalidade e não enquanto elementos distintos que são posteriormente associados. No entanto Politzer em sua crítica explicita que a teoria da forma, se equivocou em afirmar que o psicológico é aprendido de forma imediata pela percepção, conforme Politzer (1975). A Gestalt theorie, no sentido lato do termo, entrega-se por um lado, a construções teóricas e, por outro, não consegue liberta-se das preocupações da psicologia clássica. (POLITZER, 1975, p. 34)
O behaviorismo de Watson contribui negando radicalmente a psicologia clássica, introspeccionista ou experimental, sendo que uma de suas negativas diz respeito ao caráter mitológico da psicologia clássica, onde afirma a existência de uma vida interior e outra exterior. Mas segundo o autor, apesar de contribuir com a dissolução de antigos mitos da psicologia com a noção de comportamento (behavior), Watson não consegue superar totalmente esses mitos, acabando por suprimir o enigma do homem; isso ocorreu quando reduziu em seus estudos, o comportamento humano a aspectos fisiológicos ou introduziu novamente de forma disfarçada a introspecção, daquilo mesmo que rejeita. O behaviorismo não conseguiu tratar o comportamento enquanto “drama humano”2 (grifo nosso), conforme Politzer (1975). O Beraviorismo é estéril, ou recai na fisiologia, na biologia ou até mesmo na introspecção mais ou menos disfarçada, em vez de esquecer tudo para só dar atenção às surpresas da experiência. (POLITZER, 1975, p. 34)
Analisando a Interpretação dos Sonhos de Freud, identificou o que considerava ser a verdadeira inspiração da psicanálise, contextualizou que é nesta obra que se pode perceber um caminhar para a psicologia concreta que tanto evidenciou, considerou ser uma nova definição do que vem a ser o fato psicológico, deslocando o interesse das entidades espirituais e/ou metafísicos da psicologia clássica para a vida dramática do ser humano.
Para o autor o problema da teoria psicanalítica, configurou-se em suas explicações teóricas do funcionamento do aparelho psíquico, ao relatar a distinção entre conteúdo manifesto e conteúdo latente. Freud introduziu a hipótese do inconsciente, explicado a partir dos processos internos do comportamento, processos em terceira pessoa, neste sentido, ele incorreu nos mesmos erros da psicologia clássica. Afirma que os psicanalistas não devem acreditar que a psicanálise e o inconsciente são inseparáveis, evidenciando, “esta atitude é incorreta porque a inspiração fundamental da psicanálise é precisamente a sua orientação para o concreto, enquanto o inconsciente é inseparável dos procedimentos constitutivos da psicologia abstrata” (POLITZER, 1973, p. 47-48).
A psicologia não deve aceitar substituir o drama pessoal por um drama impessoal, “devendo através do pessoal, explicar o pessoal”; segundo o autor, a assertiva da psicanálise está nesta orientação, para o sujeito singular, é o sentido que Freud procurou no sonho, não se contendo com o “estudo abstrato e formal dos seus elementos; tampouco procurou uma encenação abstrata e impessoal cujos figurantes sejam excitações fisiológicas e cuja intriga seja constituída pelo passeio através das células cerebrais” (POLITZER, 1975, p. 74-75).
Tem que ser observado que Freud substituiu a introspecção pela narrativa, contemplando o fato psicológico como correspondente da vida de um indivíduo singular, neste sentido para o autor o que interessa no ato psicológico não é “matéria e forma”, mas o “sentido subjetivo” do sujeito único; e esse, só pode ser identificado pela narrativa do próprio sujeito. Neste sentido “Freud não substituiu somente um posto de vista abstrato por um ponto de vista concreto”, vai além, conforme Politzer (1975, p. 107). Numa linguagem mais moderna, podemos dizer que ao empregar o método da narrativa, Freud substituiu o ponto de vista da “intuição” pelo ponto de vista do “comportamento”. (POLITZER, 1975, p. 108).
Fonte: https://goo.gl/NjFoQk
Concluindo o raciocínio do conteúdo exposto, percebemos que a psicologia introspectiva foi uma das abordagens fundadoras da psicologia clássica, investindo em saber como o processo mental se desenvolvia, classificando os estados individuais, não contemplando a busca de sentido da experiência vivida, segundo Politzer. A abordagem experimental da psicologia clássica, utilizando equipamentos, observava fatos físicos do sujeito e o controle do ambiente em que esses sujeitos eram submetidos, testemunhados por um terceiro, o pesquisador; segundo o autor reforçando as ciências fisiológicas e matemáticas e negando a psicologia.
A Guestalttheorie defende que o psíquico só pode ser entendido como totalidade, entretanto o autor criticou a fundamentação que o psicológico é aprendido de forma imediata pela percepção. O Behaviorismo de Watson contribui negando radicalmente a psicologia clássica, em sua introspecção e experimentalismo, no entanto segundo Politzer, se equivocou ao suprimir o enigma do homem. A Psicanálise conseguiu ser a abordagem que mais se aproximava da psicologia concreta que o autor defendia, estabelecendo a narrativa no lugar da introspecção, onde emerge o sujeito singular, ou seja, os conteúdos do sujeito servem de sentido para o próprio sujeito sempre em primeira pessoa o eu subjetivo; por outro lado, negou o inconsciente mentalista de Freud, dizendo que ele não se desprendeu dos fundamentos já superados da psicologia clássica.
Finalizando essa revisão bibliográfica da Crítica dos Fundamentos da Psicologia I e II de Georges Politzer, temos a dizer aos caros leitores, que essa obra, ao nosso entender, pode estimular fundamentações para inúmeros estudos acadêmicos; sua narrativa crítica e literária inspirou pensadores franceses, como: Foucault, Lacan, Deleuze, Guattari, entre muitos outros.
REFERÊNCIAS
BLADÉ, G. Georges Politzer, Crítica de los fundamentos de la psicologia. Barcelona: NODVS XIII, 2005, disponível em: http://www.scb-icf.net/nodus/contingut/article.php?art=
185&rev=27&pub=, acesso em: 02.07.2017.
POLITZER G. Crítica dos Fundamentos da Psicologia I, 2 ed, Lisboa-PT: Presença, 1975.
Crítica dos Fundamentos da Psicologia II, Lisboa-PT: Presença, 1973.
1 Doutrina filosófica que se desenvolveu na Grécia no séc. V a.C. Os atomistas acreditavam que os elementos básicos da realidade eram átomos, partículas de matéria indivisíveis, indestrutíveis, que se moviam no espaço. Fonte: https://www.dicio.com.br
2 Para Politzer, o termo “drama” significa “fato” ele instrui o leitor a retirar o significado romântico “comovedor”. Para ele, vida designa um fato biológico, ao mesmo tempo em que a vida propriamente humana seria a vida dramática do homem, e é esta vida dramática que apresenta todas as características que tornam uma área suscetível de ser estudada cientificamente (POLITZER, 1975, p. 27).
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A compreensão do tempo nas formações identitárias: uma síntese
Esta síntese procura evidenciar o conteúdo exposto em apresentação do Psicologia em Debate, pelo acadêmico Vitor Alexandre Lopes Lehnen, no dia 19.10.2016 nas dependências do CEULP/ULBRA, com o Tema: O Impacto da Compreensão do Tempo nas Formações Identitárias, conteúdo este extraído de capítulos do livro “O Tempo e o Cão”, de Maria Rita Khel (2009).
A autora Khel (2009) expõe que o tempo é uma construção social, conforme enfatizado pelo acadêmico Vitor no início de sua exposição, sendo uma espécie de ordem social marcada pelo controle do tempo; neste sentido, o sujeito está submetido às leis do “grande outro” (grifo nosso), regras essas que afetam o contexto da vida concreta e subjetiva do sujeito desejante. O acadêmico, inclusive, explicitou muito bem, que a amplitude do termo ‘o grande outro’ na teoria de Lacan, deve ser ilustrado como um lugar simbólico.
A espacialidade não define o psiquismo, mas o tempo sim, daí a dificuldade dos neurocientistas em localizar, no tecido cerebral, o inconsciente freudiano, conforme exposto por Vitor. Complementando, Khel (2009) enfatiza que a origem do sujeito psíquico, entra na condição temporal, pela subjetivação da espera da satisfação deste a tenra infância, conforme a visão psicanalítica. O psiquismo se institui a partir da espera do objeto de satisfação da amamentação, numa tentativa fracassada de eliminar a angústia do tempo vazio do intervalo desse cuidado. Essa representação “adquire, em primeiro lugar, a forma de uma substituição alucinatória do seio que tarda a se apresentar para saciar e tranquilizar o infans”, conforme Khel (2009 p 112).
A autora conclui o raciocínio teórico freudiano dizendo que esse fracasso irredutível da satisfação pulsional, vai transformando o trabalho psíquico, que aos poucos cria uma espécie de transmutação de identidade de percepção à uma identidade mental. No contexto da teoria lacaniana do “O Tempo Lógico”, aqui enunciado pela autora, como “O tempo e o sujeito”, foi relatado o sofisma contido nos Escritos de Lacan, onde esclarece a natureza da relação necessária entre o saber possível do sujeito do inconsciente e a experiência subjetiva do tempo.
Fonte: http://migre.me/vs1TA
Para tanto, Khel (2009) cita Lacan apresentando um problema lógico, onde em um presídio é apresentado para três prisioneiros, um desafio cuja solução será permitida a liberdade de apenas um deles. Apresenta-se cinco discos, dois pretos e três brancos, cada prisioneiro terá um colocado em suas costas, onde não conseguirá vê-lo – mas os dos outros dois, sim. A liberdade ocorrerá para aquele que em primeiro lugar deduzir, a partir da observação dos outros, a cor de seu próprio disco.
O autor afirma que, salvo no caso em que um dos participantes do jogo enxergasse nas costas de seus companheiros dois discos pretos, é impossível deduzir a resposta correta sem levar em conta, além das cores dos discos que cada um enxerga, as reações e as hesitações dos outros dois. O problema lógico exposto resumidamente neste parágrafo é, portanto, construído em três tempos: o instante de ver, o tempo para compreender e o momento de concluir.
Desses três intervalos, o primeiro e o terceiro ocorrem instantaneamente segundo Lacan; somente o segundo supõe a duração de um tempo de meditação. Essa passagem precede a certeza do sujeito sobre si mesmo, isto é, sobre a cor de seu disco, que ele só pode deduzir ao se relacionar subjetivamente com as reações dos outros e refletir sobre elas. Com uma certeza jamais inteiramente garantida para a liberdade proposta, o tempo de concluir, é uma objetivação rápida que precipita o sujeito em direção à liberdade.
Khel (2009) explicita que não lhe parece de graça o fato de que a liberdade, na historinha de Lacan, seja o prêmio prometido àquele que primeiro conseguir apostar na cor do disco pregado às suas costas. O momento de concluir é o tempo em que o sujeito é convocado, onde tem que se desprender do registro da identificação com seus companheiros de cela para afirmar, por sua conta e risco, quem ele é; sendo que isso não garante ao sujeito nada sobre o dilema de quem ele realmente é.
Fonte: http://migre.me/vs294
Para Lacan o ser é um efeito simbólico da certeza antecipada do sujeito desejante, sendo assim, a psicanálise lacaniana valoriza o tempo lógico, necessário à historização do sujeito inconsciente, onde a autora diz ser o tempo que faz existir a possibilidade da análise, ou seja, o tempo de compreender é o tempo apoiado em um “saber inconsciente” (grifo nosso). Há de se reconhecer que o acadêmico Vitor expôs, de alguma forma, o impulso ao consumo. A autora elucida a precipitação passagem ao “ato” (grifo nosso), como produtor pela urgência da demanda do outro, ou seja, a relação do sujeito com o objeto causa do desejo, ou de outra forma. O tempo de compreender sem um saber, como segue abaixo:
A temporalidade contemporânea, frequentemente vivida como pura pressa, atropela a duração necessária que caracteriza o momento de compreender, a qual não se define pela marcação abstrata dos relógios. Daí a sustentação periclitante do saber do sujeito, que o predispõe à queda na depressão, seja qual for sua estrutura neurótica. Por sua vez, o momento de concluir implica a conquista, durante o tempo de compreender, de alguma independência em relação ao tempo apressado da demanda do Outro. (KHEL, 2009, p. 117).
Neste sentido, trazendo a luz das relações da pós-modernidade, a temporalidade vivenciada no contexto da pressa, atropela a duração necessária que caracteriza o momento de compreender, a qual, não se define pelo tempo lógico enunciado por Lacan. Daí a sustentação vacilante desse sujeito consumidor, enunciado por Victor, fica comprometida como pré-disposição à depressão, seja qual for sua estrutura neurótica.
REFERÊNCIA:
KEHL, Maria Rita. O tempo e o cão. São Paulo: Boitempo, 2009.