Dioniso, o deus grego: Uma perspectiva arquetípica do olhar da psicologia analítica de Jung

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O deus nascido de uma mortal e uma divindade, que fez sua jornada até o Olimpo.

Gabriel Primo – gabriel.primo@rede.ulbra.br

A divindade grega do vinho, do êxtase e da folia, Dionísio, ou para alguns mitólogos Dioniso, há muito tempo chama a atenção das pessoas. Vamos nos aprofundar nas muitas facetas de Dionísio neste texto e examinar seu significado na mitologia grega clássica, com um olhar junguiano como possibilidade do mito nas nossas vidas. Nisso o que as ideias psicológicas da psicologia analítica de Carl Jung iluminam o arquétipo de Dionísio, dando-nos uma melhor compreensão do simbolismo e significado do deus na mente humana. Dionísio era um deus da mitologia grega ligado ao vinho, à fertilidade e ao prazer espiritual. Ele era conhecido como o “deus nascido duas vezes”, e pensava-se que ele era filho do poderoso Zeus e da mortal Sêmele. Dionísio é um personagem difícil e fascinante porque incorpora os traços contraditórios tanto do sagrado quanto do mortal, dualidade presente nas nossas vidas.

Do ponto de vista analítico junguiano, a ideia do arquétipo dionisíaco lança mais luz sobre as características de Dionísio e seu significado na psicologia humana. De acordo com Jung, os arquétipos são padrões ou símbolos primordiais herdados que existem no inconsciente coletivo da humanidade. Eles aparecem em todas as culturas e épocas e são universais e repetitivos. Como arquétipo, Dionísio representa os lados animalesco e irracional da natureza humana. Ele representa as forças selvagens, ferozes e caóticas que se escondem logo abaixo do nível da consciência humana. Esse arquétipo está frequentemente ligado à busca do prazer, da emancipação e da violação de tabus sociais. O impulso dionisíaco, que anseia por encontros eufóricos, autoexpressão desenfreada e conexão com a energia primordial, é representado por Dionísio.

O arquétipo apolíneo, que representa ordem, razão e lógica, pode ser considerado o contraponto do arquétipo dionisíaco de uma forma mais rasa. O arquétipo dionisíaco promove a investigação dos sentimentos, desejos e do inconsciente, enquanto o arquétipo apolíneo enfatiza a estrutura e o controle. As pessoas podem acessar seu potencial criativo, espontaneidade e conexão com seu eu interior, abraçando a energia dionisíaca. Essas partes intuitivas e ilógicas da experiência humana são fundamentais, como mostra a existência do arquétipo dionisíaco no inconsciente coletivo. Enfatiza como é crucial que as pessoas reconheçam e incorporem esses componentes dentro de si mesmas, a fim de alcançar a completude e o equilíbrio psicológico.

O arquétipo dionisíaco também tem a capacidade de transformar. As pessoas podem experimentar um tremendo crescimento pessoal e desenvolvimento espiritual explorando as partes caóticas e apaixonadas de sua psique. A energia dionisíaca fornece um caminho para a individuação, que é o processo de integração de toda a identidade, incluindo a própria sombra, para se tornar uma pessoa mais genuína e completa. Em geral, o arquétipo dionisíaco oferece uma estrutura para compreender os aspectos primitivos, absurdos e transformadores da natureza humana. As pessoas podem explorar e abraçar os lados selvagens, apaixonados e criativos de si mesmas ao estarem cientes e interagirem com esse arquétipo, o que acaba levando a uma maior compreensão da psique humana e a uma vida mais integrada e satisfatória.

Nesse ponto se falarmos sobre o arquétipo dionisíaco e a sombra, faz total sentido. Na psicologia junguiana, o termo “sombra” refere-se às facetas ocultas e frequentemente reprimidas do caráter de uma pessoa. Dionísio representa o arquétipo da escuridão por causa de seu temperamento selvagem e extravagante. Ele representa as inclinações e desejos reprimidos que a sociedade frequentemente vê como inaceitáveis. As pessoas são forçadas a enfrentar seus impulsos reprimidos por meio da representação de Dionísio, que as obriga a compreender e integrar seus lados mais sombrios.

Jung também introduziu a ideia de “individuação”, que descreve o processo de integração e harmonização das muitas facetas da psique. Como arquétipo, Dionísio é essencial para esse procedimento. As pessoas podem acessar seu potencial criativo e se sentir liberadas das restrições culturais ao abraçar a força dionisíaca interior. De acordo com a mitologia grega, os devotos de Dioniso participavam de folias selvagens e cerimônias extáticas conhecidas como “Mistérios Dionisíacos”. Esses ritos forneciam às pessoas oportunidades de mudança de vida para transcender o ego e se envolver profundamente com o divino. Da mesma forma, de acordo com a psicologia junguiana, o caminho para a individuação frequentemente envolve uma viagem ao inconsciente, onde as partes da sombra devem ser enfrentadas e integradas.

O arquétipo de Dionísio ainda tem uma forte presença na era contemporânea e assume muitas formas diferentes. Observamos um anseio por autoexpressão irrestrita, um desejo por encontros transcendentes e uma busca por um significado mais profundo além da razão e do controle na sociedade moderna. Mesmo nos campos da psiquiatria e da psicoterapia, onde se valoriza a investigação do inconsciente, o impacto de Dionísio pode ser sentido. 

O misterioso deus grego Dionísio personifica a complexidade da alma humana. Podemos ver sua relevância como um arquétipo que incorpora os componentes instintivos, irracionais e transformacionais da natureza humana através do prisma da psicologia analítica junguiana. Podemos aceitar nossas próprias sombras, trilhar o caminho da individuação e liberar nosso potencial criativo investigando o arquétipo dionisíaco. Dessa forma, o simbolismo duradouro de Dionísio serve para nos motivar e nos direcionar enquanto buscamos o autoconhecimento e a totalidade. Já percebeu esse arquétipo na sua vida?

Referências

Jung, C. G. (2000). O homem e seus símbolos. Editora Nova Fronteira.

Jung, C. G. (2011). O eu e o inconsciente. Editora Vozes.

Vernant, J. P. (1990). Mito e pensamento entre os gregos. Editora Paz e Terra.

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A vida hoje: o que a Pirâmide de Maslow pode apoiar psicologicamente o ser social no capitalismo atual?

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As bases para uma vida suficientemente boa.

Maslow propôs a teoria psicológica conhecida como Hierarquia das Necessidades de Maslow em 1943. Ela descreve uma estrutura em forma de pirâmide das necessidades humanas. As especificidades da teoria de Maslow serão abordadas neste texto, juntamente com cada nível das consequências da hierarquia para o capitalismo moderno. Podemos compreender melhor as complexidades e dificuldades associadas à obtenção do bem-estar individual e social no atual ambiente econômico observando como o capitalismo afeta a satisfação dessas demandas.

Hierarquia de Necessidades de Maslow: De acordo com a teoria de Maslow, as pessoas têm cinco níveis básicos de necessidades que devem ser atendidas em uma ordem específica. Os requisitos psicológicos de ordem superior estão no topo da pirâmide, que começa com as demandas fisiológicas mais fundamentais na base. Os níveis consistem em:

  1. Os requisitos físicos, como alimentos, água, abrigo e cuidados médicos mínimos, estão na base da pirâmide. Antes de subir na hierarquia, essas demandas devem ser atendidas porque são necessárias para a sobrevivência.
  2. Necessidades de segurança: segurança pessoal, estabilidade e proteção contra danos físicos e emocionais são partes das necessidades de segurança de uma pessoa. Isso envolve ter acesso a um ambiente seguro, ter um emprego seguro e ter redes de segurança social no contexto do capitalismo.
  3. O terceiro nível aborda a necessidade de relacionamentos interpessoais, afeto e sentimento de pertencimento. Isso pode ser afetado em uma sociedade capitalista por coisas como laços de parentesco, amizades e redes sociais.
  4. Necessidades de estima: A necessidade de respeito, aprovação e autoestima dos outros é chamada de necessidade de estima. Este nível é frequentemente associado no capitalismo moderno a obtenção de sucesso, prestígio social e validação por meio de riquezas, realizações e reconhecimento.
  5. O nível mais alto na hierarquia é a autorrealização: que representa a realização do próprio potencial, bem como o desenvolvimento e a realização pessoal. Implica ter um sentimento de propósito, ser criativo e perseguir objetivos valiosos. No entanto, as condições socioeconômicas e variáveis externas podem ter impacto na busca pela autorrealização.

A hierarquia de necessidades de Maslow é significativamente afetada pelo crescimento econômico, lucro e prosperidade material no capitalismo moderno. Embora o capitalismo tenha melhorado as condições de vida, oportunidades e tecnologia, ele também traz desvantagens e restrições.

  1. O capitalismo frequentemente promove uma cultura materialista que coloca uma forte ênfase na acumulação de riquezas e bens materiais. Isso pode fazer com que as pessoas priorizem a satisfação de suas demandas fisiológicas e de segurança de nível inferior em detrimento de seus requisitos psicológicos e de autorrealização de nível superior.
  2. Desigualdade econômica: o capitalismo pode levar a lacunas econômicas que limitam o acesso a oportunidades, recursos e a capacidade de atender necessidades mais importantes. O aumento das diferenças de renda pode tornar mais difícil para as pessoas alcançarem a auto-realização, uma vez que precisam superar obstáculos, incluindo baixos níveis de educação, mobilidade social limitada e falta de recursos.
  3. Equilíbrio entre vida profissional e pessoal: Nos países capitalistas, a pressão para ter sucesso pode levar a uma negligência nas relações interpessoais, no autocuidado e no desenvolvimento pessoal. Torna-se difícil conciliar trabalho e vida pessoal, o que pode impedir a satisfação de requisitos de nível superior.

A hierarquia das necessidades descrita por Maslow oferece uma estrutura conceitual para compreender a motivação e o bem-estar humanos. No quadro do capitalismo moderno, a busca da prosperidade material e do progresso econômico tanto pode ajudar como dificultar a satisfação dessas demandas. É fundamental estar ciente de como o capitalismo pode afetar a capacidade das pessoas de atender às suas necessidades em vários níveis da estrutura hierárquica e trabalhar em direção a um equilíbrio que promova o bem-estar holístico, a igualdade social e a busca pela autorrealização.

As sociedades podem tentar criar um cenário que promova a satisfação de todos os níveis de desejos considerando o impacto do capitalismo na Hierarquia de desejos de Maslow. Isso pode ser feito seguindo algumas etapas, como:

  1. Redes de segurança social: O estabelecimento de fortes redes de segurança social pode garantir que as pessoas tenham acesso às necessidades fisiológicas e de segurança fundamentais. Exemplos de tais redes de segurança incluem assistência médica universal, moradia acessível e programas de assistência à renda.
  2. Educação e desenvolvimento de habilidades: fazer um investimento em programas de educação e desenvolvimento de habilidades pode permitir que as pessoas aprendam as habilidades e ferramentas necessárias para atender às suas necessidades mais complexas. Isso inclui incentivar o aprendizado contínuo, o desenvolvimento de carreira e cultivar um clima de desenvolvimento pessoal e autorrealização.
  3. Redução da desigualdade de renda: Políticas que apoiam salários justos, impostos progressivos e redistribuição de riqueza podem reduzir a desigualdade de renda ao preencher a lacuna entre as necessidades básicas das pessoas e sua capacidade de atendê-las.
  4. Iniciativas para o equilíbrio entre vida profissional e pessoal: Apoiar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal por meio de horários de trabalho flexíveis, promoção de tempo de lazer e cultivo de uma cultura que prioriza o bem-estar pessoal pode ajudar as pessoas a atender às suas necessidades de conexão social e trabalhar em direção à autorrealização.
  5. Promovendo valores além do materialismo: Ao focar nos relacionamentos, no desenvolvimento pessoal e na comunidade, em vez do materialismo excessivo, a sociedade pode criar um ambiente onde as demandas de nível superior podem ser atendidas.

A Hierarquia das Necessidades de Maslow, em conclusão, oferece informações importantes sobre a motivação e o bem-estar humanos. Ao reconhecer como o capitalismo moderno afeta a satisfação dessas necessidades, podemos identificar os lugares onde as mudanças podem ser feitas. As sociedades podem trabalhar em direção a uma abordagem mais equilibrada e frutífera, combatendo agressivamente a disparidade de renda, promovendo redes de apoio social e priorizando o progresso e o bem-estar individual. Sua vida hoje faz sentido na proposta de Maslow?

Referências

Maslow, A. H. (1991). Motivação e Personalidade. Martins Fontes.

Chiavenato, I. (2014). Administração: Teoria, Processo e Prática. Elsevier.

Vasconcellos, L. C. (2013). Psicologia Organizacional e do Trabalho. Atlas.

Bauman, Z. (2012). Vida para Consumo: A Transformação das Pessoas em Mercadoria. Zahar.

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Casamento às Cegas Brasil: A exposição do Complexo Materno e o Mito Afrodite – Eros

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Como o relacionamento de Veronica e Will foi atravessado pelo complexo materno e como o mito de Afrodite e seu filho Eros pode elucidar o contexto.

 

Divulgação Netflix

Will e Veronica no altar.

Casamento as Cegas: Brasil é um reality show da Netflix baseado na versão americana Love is Blind. O programa, que é chamado de experimento pelos apresentadores (Camila Queiros e Kleber Toledo), segue com 16 participantes homens e 16 participantes mulheres com o intuito de encontrar o amor de sua vida, sem prévio contato físico. No primeiro momento os participantes não sabem como é (fisicamente) a pessoa que está conversando, apenas ouvindo as nuances da voz, as histórias, as promessas e suas percepções dentro das cabines por 10 dias seguidos. Após a fase das cabines os casais fazem o pedido de casamento, se encontram numa passarela pela primeira vez e após isso vão para a lua de mel em um lugar paradisíaco por uns dias, até serem levados para a fase do “dia a dia”, colocados em um apartamento para conviverem até a data do casamento. Todo o processo dura 30 dias.

As cabines são chamadas de capsulas e os participantes vão de capsula-em-capsula atras do seu “amor”. O que ao primeiro olhar o programa se remete ao amor líquido descrito por Bauman e repostado exacerbadamente as quintas de #TBT, mas surpreendentemente o reality te prende e te faz sentir a sensação de alguém realmente encontrar o amor nessa forma peculiar. Bem estilo americano de encapsular sentimentos e vender como show, como já sabemos. Mas na segunda temporada um casal chamou bastante atenção devido seu match desde o primeiro encontro, o caminho apaixonado e de companheirismo e o final inusitado. Atenção: partir deste momento teremos spoilers.

Divulgação Netflix

Veronica e Will foram o primeiro casal a se “apaixonar” e a fazer o pedido para seguir para a nova etapa. Numa cena emocionante, onde o Will se ajoelha em frente a tela para pedir a “maravilhosa” – como ele a chama – em casamento. Ambos dizem sim e se preparam para o encontro aonde irão se ver pela primeira vez. No encontro há brilho nos olhos, paixão no primeiro beijo e reforço do sentimento construído nos dias das cabines. Nasce um casal apaixonado! Seguem para a lua de mel em um resort na Amazonia Brasileira, o que reforça ainda mais a química do casal, sendo um dos matchs mais reforçados da temporada pelos próprios participantes. Verônica tem 31 anos de idade é modelo e empresária e Will tem 26 anos de idade trabalha como analista e ambos moram na casa dos pais.

O casal apaixonado é direcionado para a “vida comum” para vivenciarem a vida a dois no dia a dia em um apartamento, onde ambos podem conhecer suas rotinas, jeito de ser, as famílias e suas casas. Em todos os momentos o casal se mostrava cada dia mais apaixonado e conectado. É nessa etapa que o casal é apresentado à mãe de Will, personagem importante nessa narrativa, que já se mostra desconfortável com a situação. Nada menos do que o esperado até então, afinal, um casamento é coisa séria, como reforçam quase todos da família ao se apresentarem, e colocar a vida em um experimento a nível nacional não é comum quanto se relacionar tradicionalmente. Até esse ponto a mãe de Will é apenas uma mãe preocupada com o direcionamento do filho, muito comum nos aspectos positivos do complexo materno, que se trata daquele amor materno que pertence às recordações mais comoventes e inesquecíveis da idade adulta e representa raiz de todo-vir-a-ser e toda transformação segundo JUNG, 1961.

Após muitos episódios que não cabem aqui, eis que chega o grande dia do casamento, noiva de vestido de noiva, emocionada, noivo vestido de noivo também emocionado. E uma cena muito peculiar do Will com os amigos (que são padrinhos) sentados à mesa comemorando a chegada do grande dia, onde Will diz que “está perdidamente apaixonado por essa mulher e nada vai fazê-lo dizer não”, os amigos brindam felizes, e uma amiga de Will pergunta, se ele se casará mesmo se a mãe não aprovar, ele refuta e diz que as escolhas dele são dele e que a decisão do “sim” já está tomada desde sempre.

Corta para a cena da família de Will chegando à mesa, arrumados para o casamento e a mãe pergunta se é isso mesmo que ele quer fazer, afirmando que ele é jovem, tem muitas ciosas para viver, novas pessoas para conhecer além de ter tudo o que ele precisa na casa dela. Segundo JUNG, 1875, os efeitos do complexo materno no filho se diferem entre alguns pontos, mas principalmente atitudes de imaturidade e de dom-juanismo (o conquistador sem profundidade), afinal se aprofundar pra que se tem “tudo” na casa da mãe? De modo inconsciente o filho fica preso à figura da mãe e essa é procurada inconscientemente “em cada mulher”. O que pode trazer efeitos maléficos para esse “futuro-homem”. Will tem 26 anos de idade, já é um homem, mas um dos efeitos do complexo materno negativo no filho é justamente esse “menino” nunca crescer e ficar enraizado no lar materno, o castrando da potencialidade da própria vida.

Como fenômeno patológico esse tipo de mãe tira do filho as possibilidades de vida e a própria vida se resume em trazer conforto, segurança ou “favores” maternais. Como no mito de Afrodite e seu filho Eros o deus da paixão (mais conhecido em algumas histórias com o formato de cupido) cuja sua única função ao ser criado foi vingar Afrodite (deusa da beleza), que estava invejada por uma mortal chamada Psique, considerada tão linda quanto uma deusa. Afrodite enviou Eros para flechar psique (as flechas de Eros tinham o poder de fazer alguém amar ou odiar de imediato), e em consequência se apaixonasse por um monstro, e de nada adiantaria sua beleza, por pura inveja. Porém ao ver Psique, Eros errou a flecha e se apaixonou por ela.

Divulgação Netflix

Voltando para história de Will e Veronica, após a conversa com a mãe que dizia que se ele dissesse “não” na hora do casamento ela estaria lá para receber ele e apoiá-lo.  E que ela não o julgaria, pois ele tem muita vida pela frente. Clima tenso percebido pela produção do programa, e o próprio apresentador, Kleber Toledo, foi conversar com Will e a mãe, dando seu próprio exemplo, de que sua vida só melhorou e andou para frente após seu casamento, que ele então era outro homem! A cena segue para a entrada do noivo com a mãe na cerimônia, os convidados sentados à espera da noiva que chegara radiante com seu vestido branco, sorrindo até ao altar. A cerimonialista em seu discurso pergunta à Verônica se aceita Will em casamento, ela reponde um emocionado “SIM”, e segue a pergunta para Will, que em hesitação reponde “maravilhosa, hoje será um não”.

Todos os convidados amigos próximos de Will se assustam, pois é o oposto que afirmou há alguns minutos atras em roda de conversa na mesa, indo contra toda a trajetória do casal, enquanto Veronica sai apressada pela passarela da marcha nupcial. A cena que se segue é de Will conversando com a mãe, onde ela o acalenta, afirmando que ele fez o que seu coração mandou e ninguém tem nada a ver com a sua vida, que ela sempre estará lá por ele e que há muita vida pela frente. Neste contexto, o complexo materno está diretamente ligado ao eros exacerbado (não o deus citado acima, mas a parte libidinal humana), a mãe devoradora, castra o filho da vida. Fantasiada de proteção ou amor maternal da parte sombria materna, pode inconscientemente levar o filho ao caminho de comodismo, não desenvolvimento (puer aeternus) e uma existência insipida, que ela acredita ser o melhor, mas não necessariamente.

Como visto no mito Afrodite – Eros, o filho a desobedeceu, não acertando a flecha em vingança à Psique, e sim, se apaixonou pela própria, indo contra tudo o que a mãe o criou para fazer. Eros e Psique mais à frente do mito se casam e tem uma filha chamada Hedonê, a deusa do prazer. Há um momento em que os filhos naturalmente, deixam o papel principal de filho e se tornam novos papeis principais, faz parte da jornada individual de todas as pessoas esse processo. O mito nos traz caminhos para respostas diante do complexo materno exposto no texto. Eros além de desobedecer a mãe para seguir sua vida casou-se com Psique e o casal deu à luz a deusa do prazer, Hedonê. Importante notar que do grego, Psiquê significa alma. Podemos então parafrasear que a desobediência de um homem adulto à mãe e o encontro com sua alma (psique) dá frutos para o gozo (Hedonê) da vida completa.

Faz parte da vida adulta desligar-se dos desejos parentais para viver seus próprios desejos. Já ligou para sua mãe hoje?

Referências

 

JUNG, C.G., 1875-1961. Quatro Arquétipos: mãe: renascimento: espírito: trickster; Tradução Gentil Avelino Titton, Petrópolis: Editora Vozes, 2021.

Noites Gregas, ep. 19, [Locução de]: Claudio Moreno. Porto Alegre. noitesgregas.com.br 21/10/2020.

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Transição de carreira: o que fazer quando o que você faz, já não faz mais sentido?

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O que fazer quando o que você faz, já não faz mais sentido?

Mohamed Hassan/Pixabay

Seja por insatisfação pessoal, pouca perspectiva de crescimento ou saturação de mercado, um número cada vez maior de pessoas tem considerado mudar de carreira.

Mais ou menos aos 17 anos de idade precisamos tomar uma decisão que pode mudar todos os rumos da nossa vida. Quando precisamos escolher a faculdade ou a profissão que seguiremos como trabalho para pagar os boletos da vida adulta. Mais ou menos aos 17 anos de idade há também uma imensa parcela da população que não escolhe a profissão, e pega o que dá, mesmo assim tal escolha te força seguir um caminho que pode te trazer alegrias, realizações e felicidades ou te trazer agonia, stress, infelicidades e até doenças.

Foi assim que me vi aos 17 anos de idade escolhendo o curso que mudaria a rota da minha vida. Ao perceber oportunidades que não teria se escolhesse outro curso, prestei vestibular para agronomia, curso que aprendi a respeitar e carrego com orgulho o título de engenheiro agrônomo, devido aos 5 anos de faculdade percebendo quão rico e cheio de oportunidades é o agro brasileiro, mas acima de tudo, de ver pessoas que tem brilho no olho de fazer a lida com o campo no agronegócio. O que não observava em mim, mesmo assim segui pela oportunidade que me foi dada por quase 10 anos na carreira de agrônomo em multinacionais do agronegócio.

Logo após a formatura me inscrevi em um programa de trainee em uma multinacional francesa, passei dentre os quatro mil candidatos na época. Isso reforçou meu início de carreira, mesmo não me observando com o brilho nos olhos que alguns colegas de profissão tinham, me encontrei em uma empresa que valorizava pontos fortes meus, como de empatia, autorresponsabilidade e orientação para pessoas. Nessa época em uma viagem a trabalho de carro, repensando minhas escolhas me autobatizei de “apoiador de pessoas” e segui com um pouco mais de brilho nos olhos como realização profissional, achando algum sentido ali.

Importante citar que profissionalmente tive oportunidade de acessos que nunca havia passado na minha cabeça que vivenciaria. E ali experimentei um pouco do que o poder aquisitivo pode fazer na vida da gente. Ao mesmo tempo que ficava agoniado com a vida que estava criando. Me tornava então cada vez mais envolvido subindo na carreira de forma rápida: de trainee à supervisor, de supervisor à coordenador, de coordenador à gerente. Me via cada vez mais sem saídas para uma transição de carreira que já desejava desde a graduação, ao mesmo tempo era grato pela oportunidade de mudança de vida e boletos pagos. Tal duplicidade já cobrava minha saúde mental desde o primeiro ano. Crises de ansiedade que não fazia ideia do que se passava na época, idas ao pronto socorro com dores no peito e início de medicação contra sintomas ansiosos. Permaneci na carreira, mesmo com intempéries, pois a subjetividade da vida não é simples como uma reta ou decisões de segunda-feira.

Ao completar trinta anos de idade, chegava infeliz no que fazia, porém fazia bem e já sabia quase tudo do que era necessário para seguir com vitorias profissionais na área, o que acabava me fixando ainda mais no dia a dia que não me pertencia. Quando num súbito me imaginei chegando aos 40 anos de idade seguindo o trilho que estava seguindo e não consegui aceitar que seria esse meu destino. Um destino que não era ruim no mundo capitalista que vivemos: altos salários, acessos e status garantidos, mas não fazia sentido no meu interno o dia a dia e sentia uma parte de mim morrer diariamente. Eu sentia que podia entregar mais de mim a sociedade e que o “apoiador de pessoas” só ali para uma equipe de uma dúzia de pessoas não estava mais fazendo sentido.

Retornei ao Gabriel de dezessete anos de idade, idealizador, ajudador, empático, correto e sensível e tive um insight, uma memória dessa época. Eu observando um livro chamado “Desvendando os Segredos da Linguagem Corporal” e lembrei como aquele livro se tornou grande na minha mão, ao mesmo tempo que olhei para minha estante de livros aos 30, e noventa por cento dos livros eram de psicologia. Me deparei com uma versão minha, que ficou na gaveta (ou na prateleira) por tantos anos, me ajudando a ascender na carreira como gestor de pessoas, mas que tinha tanto mais a oferecer como um “ajudador de pessoas” pode fazer. No mesmo dia me inscrevi para a prova de psicologia e a transição de carreira, nada-fácil, começou.

Para iniciar uma nova vida é necessário morrer para a outra, e talvez aceitar que você precisará se desfazer de muita coisa que demorou anos para construir não é nada fácil. Mas desde já quero deixar claro que mesmo passando pelo deserto de uma nova jornada, foi a melhor decisão que fiz até o momento em minha vida. Deixar emprego, salário, segurança financeira, apartamento, cidade, relacionamentos precisa mais do que um ato de coragem, precisa de confiança no processo. Ah, o processo… é doloroso por muitas vezes. Pois você se depara com outras versões suas e outras versões das pessoas, e por muitas vezes percebe que algumas pessoas gostam mais do seu bom momento, ou do status que você pode garantir a elas, do que necessariamente de você. E por pior que seja se deparar no começo com isso, é um ótimo momento para se desfazer de pessoas toxicas e usurpadoras do seu redor. Algo que aprendi nesse processo é que com a turma certa, você brilha diferente. À isso também sou grato.

Estou trazendo muita gratidão pois estou no final da jornada, mas o ideal é colocar o pé no chão e planejar. Ouvi tantos relatos quanto pude sobre transição de carreira no Youtube, Instagram, TikTok, Spotify e qualquer buraco que encontrava alguém que venceu a transição, anotei todas aquelas “5 dicas para transição de carreira” que a gente encontra com pesquisa rápida no google ou buzzfeed. Cada relato me fazia mais corajoso, mais planejado e mais preparado, mesmo assim encontrei dificuldades no meio do caminho que não havia ouvido nos relatos. Mas como diz o viajante, o caminho é só um: em frente. O que me fez permanecer no “em frente” foi o panejamento minucioso que fiz, principalmente o financeiro. Transacionar de carreira pode demorar mais do que o esperado, então conte com isso. Junte dinheiro o bastante para pelo menos mais seis meses do que é sua pior expectativa. Busque uma rede de apoio confiável, pois em momentos de exposição social a rede de apoio pode se esvairá. Por isso rebato na tecla de planejamento financeiro como um dos pontos primordiais para a transição funcionar.

Outro ponto importantíssimo além do planejamento financeiro, é seu estado de saúde mental. Você precisa estar bem para tomar tais decisões, porque acredite, você vai gastar todo seu estoque de serotonina, ocitocina e quase todos os recursos mentais possíveis, pois será novamente uma passagem ao deserto. Será importante ter rede de apoio para rir, se distrair e chorar as pitangas. Se no processo perder pessoas que gostavam mais da sua “fase boa” do que de você, vai perceber que ao redor tem muita gente divertida e confiável para fazer novas relações, aproveite o embalo de transição de carreira e veja sobre uma possível transição de pessoas. Aconteceu muito comigo, encontrei novas melhores pessoas em cada esquina nova que conhecia. O mundo é imenso e cheio de gente boa!

De forma prática, contabilizei num papel em branco todos os meus gastos fixos, como financiamento, alimentação, contas de casa, gasolina, faculdade e todos os pequenos gastos que nem percebia no dia a dia. Separei uma quantia para continuar a vida como era, um apego ao meu estilo de vida, com ir ao restaurante que gosto, ou ir em um pub com amigos algumas vezes no mês. Separei ainda uma parte para viagens e possíveis coisas fora do planejamento, como manutenções não planejadas do carro ou da casa. Tive também que ter uma conversa séria comigo mesmo, e bater o martelo em não emprestar dinheiro, ou dar dinheiro a amigos e família, além de desistir de dar presentes caros. O que foi tema de inúmeras sessões com meu psicólogo. Reforço, saúde mental nesse processo é imprescindível, priorize!

Cada um colocará no papel a sua realidade de vida, e com isso construir seu planejamento a partir do que consegue. Dá pra fazer com muito menos do que trouxe como exemplo, como esse apego a ir ao restaurante e nas viagens que sempre gostei de fazer, mas para minha saúde mental esse ponto era necessário. Cheguei no valor mensal que custaria minha vida e multipliquei pelos anos que precisaria para ter a transição mais saudável possível. Me assustei com o valor final. Fique em posição de raposa empalhada alguns minutos, pensei em desistir mais vezes do que puxava o ar para respirar. Puxei o ar novamente e escolhi seguir em frente. Nunca havia conseguido juntar aquele valor na vida, nem no meu momento de melhor salário, mas segui confiante e consegui juntar um pouco a mais do que havia planejado.

Para conseguir o valor, recorri a tudo o que podia, salário, comissões, venda de alguns objetos, mudança para apartamento menor, economia dali e daqui. Replanejei meus gastos com cartão de crédito, cancelei os que tinha e permaneci com apenas um banco. Me mudei de cidade para diminuir gastos, cancelei os vários streamings que quase não usava e mantive o foco no que importava. Nesse momento estava tão obcecado quanto Natalia Arcuri com os centavos de diferença de um detergente para o outro. E essas economias me ajudaram a montar esse novo jeito de olhar para as coisas, com economia em tudo, tentando não perder qualidade e milagrosamente conseguindo.

Fato é que após alguns anos nessa vida, estou na reta final, me transformando no que sempre fui, frase importante de alguns teóricos da psicologia e filosofia, que hoje faz tanto sentido para mim. O fato de transacionar de carreira me deu forças para repensar toda a minha vida, aproveitar e fazer inúmeras mudanças, no trabalho, no meu jeito de ser, no meu jeito de ver o mundo, de fazer amizades, no meu jeito de relacionamento com amores, com família e com a sociedade. Tive a oportunidade de voltar a “ser” aquelas qualidades que o Gabriel de dezessete anos tinha que na bagunça da vida foi se perdendo. Hoje após essa Metanoia sigo mais forte do que nunca, indestrutível como na música e invencível como ser quem se é. Se pudesse resumir em palavras chaves, seriam: coragem, planejamento financeiro, saúde mental e individuação (que é se tornar quem se é). Te desejo sorte!

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Caos 2021: Promoção da saúde mental do idoso em tempos de pandemia

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No dia 04 de novembro de 2021 das 19h às 22h ocorrerá o minicurso: Promoção da saúde mental do idoso em tempos de pandemia. Este acontecerá no segundo dia do Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia – CAOS, conduzido por Isabela Aires de Melo, psicóloga formada pelo Ceulp/ULBRA, onde teve seu olhar voltado para a saúde mental dos idosos desde sua época de estudos na universidade. É autora do trabalho “Saúde Mental e Velhice: um estudo acerca da gerontagogia”. Isabela Aires de Melo é psicóloga clínica e tem forte atuação nas redes sociais levando assuntos de psicologia e saúde mental de forma geral. 

Sabemos que os idosos são grupo de risco para a Covid-19 por estarem mais expostos ao vírus devido o avanço da idade, o que faz com que sofram maior risco de enfrentar a forma grave da doença. Além do mais, estão sujeitos a um enorme estresse em relação ao vírus e a própria quarentena, estando por vezes mais afastados da família e amigos, vivenciando uma possível solidão que pode então afetar seu estado emocional. 

O afastamento do idoso do convívio da família, dos netos, dos amigos e do seu dia a dia afeta diretamente sua qualidade de vida e em consequência sua saúde emocional é afetada e agravada com o maior risco de desenvolver a forma grave da doença, além de conviver com as notícias de mortes dos amigos e familiares, o que traz mais sofrimento metal.

Para diminuir os prejuízos emocionais que a quarentena trouxe, muitas famílias aproximaram os idosos de redes sociais, smartphones e o uso de comunicação remota para que a solidão não se instale por completo. A comunidade também foi muito importante, e houve notícias de vizinhos de idosos que moram longe da família faziam compras e pagamentos para que os idosos não precisassem sair de casa. 

Mesmo com todos os esforços, a demanda por ajuda e apoio emocional se elevou muito nesse período de quarentena e é percebido o sofrimento por diversas vezes silencioso dos idosos nesse período difícil. A saúde mental e o olhar próximo para o sofrimento emocional do idoso se faz inteiramente importante e a psicologia pode apoiar nas mais diversas formas e formatos o idoso em sofrimento.

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